Reproduzo artigo de Tereza Cruvinel, jornalista e presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), publicado no jornal Correio Braziliense:
Neste último artigo do ano aqui no Correio, não tenho como não falar dos oito anos trepidantes, em todos os sentidos, que estão chegando ao fim. Os anos Lula não apenas mudaram para sempre o Brasil. Mudaram também nossa forma de sentir e pensar nosso país.
Sob Lula, aprendemos a enxergar a pobreza, a importância de combatê-la e, mais recentemente, a celebrar sua redução. Vimos um presidente chegar ao poder contrariando tudo o que sempre nos pareceu natural: sem berço, sem diplomas, sem o apoio das elites econômicas e pensantes. Vimo-lo depois quebrar todas as convenções ao exercer o poder: falando a linguagem desabrida do povo, cometendo metáforas rasas e gafes frequentes, quebrando a liturgia do cargo, trocando o serviço à francesa do Itamaraty por um buffet self-service, tomando café com os catadores de papel e exercitando uma aguerrida diplomacia presidencial sem falar outra língua. Não haverá outro Lula, pois o Brasil que o gerou não haverá mais. E isso é bom.
Neste período, 28 milhões de brasileiros cruzaram a linha da pobreza e outros 20 milhões ascenderam à classe C. Mais extraordinário é que esse feito tenha acontecido sem a quebra de um só cristal. Ou seja, Lula não tomou uma só agulha dos mais ricos para dar aos mais pobres. Não privou os banqueiros de seus lucros para estender o crédito ao andar de baixo. Não reduziu as exportações do agrobusiness para dar mais comida ao povo. Não garfou a poupança da classe média para criar o Bolsa Família. Tudo fez harmonizando interesses e moderando conflitos. Todos ganharam, embora os mais pobres tenham começado a tirar a diferença. Em 2009, apesar da crise, a renda média dos 40% mais pobres cresceu 3,15% e dos 10% mais ricos apenas 1,09%. E isso é bom para todos, inclusive para os ricos. Este ano, os números serão mais eloquentes.
O crescimento da economia, que pode chegar aos 8% em 2010, será o maior em 24 anos. Desta vez foi crescimento sem inflação e com distribuição de renda. No final do período Lula, terão sido gerados 15 milhões de empregos. Este ano, a nova classe C vai gastar R$ 500 bilhões em 2010, superando o consumo das classes A e B. Isso é mudança.
Sob Lula, a percepção do Brasil mudou também lá fora. Agora o país é player, é líder no G-20, é um dos Brics, vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Vamos perdendo o velho complexo de vira-latas.
Nem tudo foi resolvido, nem tudo foi feito e não faltaram as decepções. Sobretudo as políticas, com os casos de corrupção intermitentes. Mas o saldo a favor de Lula foi bem maior e levou-o ao píncaro da popularidade. Mesmo assim, ele continua sendo um presidente intragável para uma minoria. Talvez para aqueles 4% ou 5% que, nas pesquisas frequentes, consideram seu governo péssimo, contra os 80% que o consideram ótimo ou bom.
As relações com a mídia serão um capítulo na história a ser escrita. Vivi a minha pequena parte. Colunista política de O Globo, nunca apontei, nos seis governos e sete legislaturas que cobri, apenas o bem ou o mal. Assim erigi minha credibilidade de analista político. A partir de 2003, divergi do pensamento único que passou a vigir na mídia, não engrossando a cruzada anti-Lula. Na elite do jornalismo político, muito poucos, além de mim e de Franklin Martins, fugiram ao padrão monopólico e demonizador.
Houve preço. Em 2005, veio o maccarthismo e com ele os cães raivosos e o espírito de delação. Um deles espumou, em 2005, que Lula só não caíra ainda porque uma lista de jornalistas lulistas, aberta com meu nome, havia aparelhado a imprensa! Por algum tempo sustentei o apedrejamento, mas, já tendo sofrido uma ditadura, rejeitei a escolha entre autoimolação e sujeição. No final de 2007, aceitei o convite para dirigir a TV Pública que seria criada, cumprindo a Constituição Federal. Pouco vi o presidente depois disso. Tenho trabalhado com absoluta liberdade e os resultados estão aí. Nunca recebi queixas ou bilhetinhos de ministros.
Não tenho a menor importância na história maior que se encerra agora. Conto isso aqui porque esses detalhes fazem parte do ambiente venenoso, eivado de intolerância, elitismo e ódio de classe em que Lula governou e construiu o legado que deixa ao país.
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5 comentários:
Bem que eu gostaria de escrever assim. Parabéns a voces jornalistas progressistas do Brasil. Nesse momento em que estamos mudando tanto, para melhor,logico, nós brasileiros devemos muito a voces, por tudo que fizeram em defesa do nosso país, principalmente nas eleições recentes.
Prezado Altamiro,
esse texto merece mais do que uma simples divulgação, pois retrata em poucas palavras o que foi a trajetórria de Lula em meio a um preconceito de poucos, mas que foi amplificado por uma mídia desrespeitosa com a verdade, a isenção e sua obrigação de informar.
A história desses últimos 8 anos ficou distorcida, mascarada para quem dela recorrer vias nossos jornalões e revistaloides.
Uma pena pois foi uma história de grandes conquistas, que mereceria destaque na própria história desse país.
Tereza Cruvinel demonstra como é fácil ser honesto e decente.
Basta ler com atenção: há críticas e lembra as decepções havidas. Sem bajulações baratas anota "...detalhes (que) fazem parte do ambiente...", governado por Lula.
A única tristeza que Cruvinel nos deixa é lembrar-nos de que não haverá outro Lula. E ele vai fazer falta a este país.
Mas, sejamos fortes o suficiente para assumirmos que a obra de um país para todos é tarefa obrigatória para quem não quer seguir na adolescência da cidadania esperando o paizão resolver-nos todos os nossos desejos.
Se Lula mostrou o caminho, façamos sua caminhada. E vamos adiante com esse novo Brasil pós Lula.
Parabéns a Tereza Cruvinel.
Parabéns Tereza, discernimento acima da média em meio a seus pares.
Alegrei-me por apreciá-la acima das picuinhas da elite dominadora que teima em não repartir o bolo.
Bravo! Bravíssimo!
Excelente texto. Com clareza e lucidez, retratou a realidade. Brilhante. Parabéns.
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