sábado, 7 de janeiro de 2012

As relações entre Estado e imprensa

Por Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa:

Mais de 100 jornais italianos estão ameaçados de fechar as portas agora no início de 2012 em consequência da suspensão dos subsídios fornecidos pelo Estado como parte de um esforço de quase 50 anos para diversificar a informação no país.

O corte de 2/3 dos 170 milhões de euros (404,6 milhões de reais) em subsídios anuais à imprensa italiana foi imposto ainda no governo de Silvio Berlusconi e mantido pelo atual primeiro-ministro Mario Monti como parte do programa de austeridade destinado a evitar o caos econômico no país.



O corte afetará especialmente os jornais locais e a imprensa oposicionista de tendência socialista, pois os grandes veículos continuam usufruindo vantagens como anistia fiscal e tarifas postais reduzidas, mesmo perdendo também o subsídio direto.

Desde o fim de dezembro, os jornalistas do Liberazione estão acampados na redação para tornar pública a sua resistência ao fechamento. O jornal, ligado ao Partido Comunista Refundado (dissidentes do antigo PC italiano), já não é mais impresso e transformou-se em publicação online.

Idêntico destino ameaça os também oposicionistas Il Manifesto (socialista independente) e L’Unitá (o outrora influente jornal do PC italiano). O Il Manifesto foi fundado em 1969 e ao longo de toda a sua história foi um crítico mordaz da linha soviética do PC italiano, bem como um jornal famoso por sua ironia e criatividade. Outro ameaçado, o L’Unitá, foi fundado em 1924 pelo filósofo italiano Antonio Gramsci como jornal oficial do PCI. Depois da queda do fascismo, foi o jornal da maioria dos grandes intelectuais italianos.

Mas não é só na esquerda que o corte de subsídios está provocando uma mortandade de jornais. O Avvenire, fundado em 1968 por iniciativa do então Papa Paulo VI, é o jornal semioficial da igreja católica italiana, enquanto o Avanti!, fundado em 1896 como um matutino socialista, mais tarde mudou de linha e, no governo passado, era dirigido por Walter Lavitola — um amigo pessoal do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, igualmente acusado de corrupção.

A esmagadora maioria dos jornais ameaçados de fechamento é formada por pequenas e médias publicações impressas regionais e locais, além de emissoras provinciais de rádio. As razões econômicas para justificar o fim dos subsídios à imprensa italiana são comuns às já usadas para promover os programas de ajuste adotados na Grécia, Espanha, Irlanda e outros países europeus. Mas o caso italiano é mais significativo pelo vulto dos recursos e pelo fato de que o episódio recoloca em discussão as relações entre o Estado e a imprensa num momento em que esta última passa por uma crise inédita na sua história.

Na Europa, a imprensa sempre teve uma série de favores estatais, especialmente em Portugal, França, Itália e Espanha. A alegação era de que o subsídio estatal viabiliza a diversidade informativa num ambiente de desigualdade econômica. Hoje, o governo alega que a diversidade é menos importante do que a crise do euro provocada pelo endividamento público. Do ponto de vista contábil, o primeiro-ministro Mario Conti pode ter razão, mas as consequências do corte vão muito além de zerar um déficit.

É mais um elemento a ser levado em conta no debate sobre o futuro da imprensa no mundo. A crise de modelos de negócios acaba de fazer 100 vítimas no The New York Times. O jornal, que muitos consideram o líder na experimentação de novas fórmulas informativas, deu como presente de Natal a seus funcionários a demissão de 100 repórteres e redatores, elevando para 200 o número de profissionais que perderam o emprego desde 2008.

O corte é especialmente traumático para a imagem do jornal que até agora orgulhava-se de sua preocupação com a qualidade informativa e apresentava como garantia o fato de ter uma redação com 1.250 jornalistas efetivos, a mais populosa entre todos os jornais norte-americanos.

O Times ainda não achou o modelo ideal para sobreviver como jornal, mas já adotou a mesma fórmula de outras publicações: reduzir o efetivo da redação, uma medida que agrada à contabilidade mas tem consequências irreversíveis entre os leitores.

As relações futuras entre os Estados e a imprensa ainda são um tema cheio de incertezas e preconceitos. Mas a cada dia crescem os indícios de que como a produção de jornais tornou-se um negócio pouco lucrativo, os investidores tendem a procurar outros setores econômicos e o poder público terá que voltar a ser realmente público para atender à uma necessidade da população, que precisa de informação diversificada e livre de interesses comerciais e eleitorais.

1 comentários:

Paulo César disse...

MÍDA E GOVERNO

A economia sempre foi o foco principal em torno do qual foram tecidos os embates ideológicos e políticos intermediados pelos meios de divulgação jornalística. O estado de tensão entre interesses diversos, que se vinculam à distribuição financeira dos recursos econômicos produzidos pelos meios empresariais, aglutina grupos de interesses por afinidade de objetivos. É natural que a política governista se sinta proprietária dos meios de comunicação global, incluindo o jornal impresso, e não tenha nenhum receio em tomar uma atitude de corte dos gastos de qualquer um desses instrumentos midiáticos para reequilibrar seu domínio econômico-financeiro. É também lógico que se estas medidas atingissem nocivamente seus principais meios midiáticos o governo não tomaria essa decisão. Mas como são os adversários da mídia oposicionista que são os atingidos efetivamente, o governo não tem nenhuma dúvida em fechar as portas desses instrumentos de comunicação.

Foi no decorrer das décadas iniciais do século XX, com o desenvolvimento da informação e da ideologia de massa, que foram se consolidando os grupos sociais de ação política sem legenda política oficializada, mas que expressavam os verdadeiros anseios de classes sociais configuradas no tecido social, e que por sua vez passaram a defender os seus interesses de subsistência ameaçados pelos grupos empresariais capitalistas. E com o crescimento acelerado da população e aumento da complexidade da produção e da economia mundial, novas formas de configuração de grupos de interesses foram surgindo, passando então a coexistir a aglutinação de grandes blocos de grupos de interesses que possuíam objetivos e fundamentos ideológicos parecidos ou afins. Cresceu também a importância e a dependência das informações da mídia, que passou a caracterizar-se como o grande instrumento de comunicação entre os diversos interesses classistas na arena política e social. A própria classe jornalística também desenvolveu sua importância política pela sua forte influência na formação de opinião política, e no reconhecimento de seu poder na orientação do meio empresarial nos negócios do emergente neocapitalismo.

Hoje a grande mídia internacional é o modelo padronizado dos interesses neocapitalistas, e que vem a estabelecer laços políticos que fortalece o Estado com seus valores e relações objetivas na divulgação de um sistema de princípios determinantes para o controle do campo social. O campo do controle, ordenação e distribuição de poder material e ideológico caracteriza a centralização da riqueza nas grandes empresas estatais e privadas, que utilizam os meios midiáticos para a manutenção do status quo desses grandes blocos monopolistas, pois a centralidade estratégica da grande mídia é a chave da reconfiguração de valores instituídos em favor das classes sociais dominantes.

As mensagens políticas elaboradas pela mídia partidária impactaram o discurso político governista, havendo, pois, uma ocupação espacial proporcionada pelo alcance da configuração da rede midiática por meio dos discursos dirigidos ao público através de jornais impressos, rádios, televisão e internet. Em época de eleições, a troca dos governantes políticos é elaborada por ações estratégicas alavancadas pela grande mídia em favor da conservação no poder do grupo de interesses com predominância dos objetivos neocapitalistas. A mídia sempre foi o principal meio de dominação contemporânea devido à grande capacidade de comunicar com grande contingente populacional, único meio de alcance global hoje apropriado pelos blocos dominantes do poder. Hoje o que temos é o “Neomidialismo” do poder estruturado pela repressão econômica e castração democrática dos direitos fundamentais do indivíduo social em larga escala pelo falseamento da informação.