quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Ley de Medios enquadra Globo argentina

Por Paulo Henrique Amorim, no blog Conversa Afiada:

A Suprema Corte argentina reconheceu nessa terça-feira (29) a constitucionalidade de 4 artigos que eram contestados na Ley de Medios, aprovada pelo Congresso em 2009.

Sobre o assunto, Paulo Henrique Amorim entrevistou, por telefone, o professor Laurindo Lalo Leal Filho, da ECA-USP.

Segue a íntegra da entrevista, em áudio e texto:

Lalo, qual é a consequência dessa decisão na Argentina?
Ela representa, não só para a Argentina, mas para toda a América Latina, um passo que eu considero gigantesco na luta pela democratização da comunicação.

E não só para comunicação. Porque uma decisão como essa reverbera na democracia de todos os países.

Eu considero a Ley de Medios argentina como a lei mais avançada do mundo. Ela foi feita por acadêmicos e políticos argentinos com base nas legislações mais modernas e democráticas do mundo.

A lei tem em todos os seus artigos uma remissão para dizer de onde ele (o artigo) foi tirado, quais são as referências, para deixar os artigos mais claros para a população.

Eu acho que ela vai provocar – aliás, já está provocando, porque ela está em vigor há quatro anos, só quatro artigos não estavam, e foram considerados hoje constitucionais – ela está mudando o panorama audiovisual da Argentina.

É impressionante o número de emissoras e o número de produções que foram criadas nesses quatro anos.

Ela (a lei) é uma referência para a América Latina e, eu espero, Paulo, que seja uma referência política para o Brasil, que fica cada vez mais atrás dos países vizinhos.

Quais são esses quatro artigos que foram considerados hoje constitucionais, e que com isso, tornam agora a lei toda constitucional?
O primeiro deles torna as concessões intransferíveis.

É bom frisar para o nosso ouvinte e para o nosso leitor que a lei é de audiovisual: ela trata apenas dos meios eletrônicos – não tem nada a ver com mídia impressa.

O primeiro artigo que foi hoje considerado constitucional trata das transferências de concessão.

As concessões são intransferíveis. Não pode ocorrer, como ocorre aqui no Brasil, de o empresário receber a concessão e, um tempo depois, vender como se ele fosse o dono.

Isso ocorria na Argentina, e a lei agora proíbe. O Clarín contestou esse artigo e o Supremo entendeu que ele é constitucional – esse é o primeiro artigo, o 41.

O artigo 45 é o que limita o número de concessões.

É pra acabar com a farra, porque o Clarín possuía 240 licenças de TV a cabo pela Argentina – portanto, é para acabar com o monopólio.

Agora há um limite de frequência para cada grupo empresarial e há um limite na abrangência da audiência.

A audiência (potencial, nacional) não pode ser superior a 35% da população.

Então, é um limite no número de licenças e na abrangência dessas licenças.

Só para deixar claro então: por esse artigo 45 existe um limite na audiência que aquele canal atinge?
Exatamente. Há um limite de mercado para que não haja monopólio, para que outras vozes possam ser ouvidas em um mesmo mercado.

Qual seria o terceiro artigo?
É o 48, que descarta a figura do ”direito adquirido” para as empresas que tem um número maior de licenças do que o previsto na lei.

A lei estipula um limite para as concessões, mas o Clarín argumentava que ele tinha “direito adquirido” sobre as licenças que ele tinha antes da lei.

O artigo 48 descarta essa figura do “direito adquirido”. Portanto, o Clarín tem que devolver as licenças – esse é o grande problema contra o qual eles se debatiam – para o órgão regulador.

E ai, então, refazer a licitação?
Claro. Devolve ao órgão regulador, ele vai colocar essas licenças em licitação e, obviamente, aqueles que já tem o número limite não vão poder participar da concorrência. É para abrir espaço para que novos grupos possam participar daquele mercado.

O artigo 161, que ainda provoca alguma dúvida, é aquele que dava prazo de um ano para as empresas se adaptarem à lei.

O Supremo considerou esse artigo constitucional. A dúvida que fica é se esse prazo começa a ser contado da aprovação da lei – portanto há quatro anos – ou se a partir de agora.

Essa é uma dúvida que permanece e que deve ser esclarecida nos próximos dias.

Pelo próprio Supremo, imagino.
Sim, pelo próprio Supremo.

Então, na pior das hipóteses, esses grupos terão um ano para se adequar à nova lei, se o Supremo considerar o prazo a partir de hoje. Se não, eles vão ter que se adequar imediatamente, porque a lei foi aprovada em 2009.

O que significa isso para o Clarín?
Para o Clarín, empresarialmente, as ações já mostraram a resposta econômica e empresarial.

As ações do Clarín já caíram muito hoje [as ações do grupo caíram 5,7%. Para evitar que o valor das ações continuasse a cair, a Bolsa de Buenos Aires interrompeu no meio da tarde a negociação dos papéis do grupo.]

O Grupo Clarín terá a partir de agora – e nos próximos anos - suas ideias, seus valores que são veiculados para a sociedade argentina confrontadas com outros grupos que ocuparão as concessões que o Clarín ocupa agora.

Como você compararia – levando em consideração o mercado da Argentina e levando em consideração o mercado do Brasil – Clarín e Globo?
O Clarín tem, no caso das concessões de TV a cabo, uma abrangência maior que a Globo.

Mas, do ponto de vista político, eles são grupos semelhantes.

Porque se nós fôssemos levar em consideração as ramificações que a Globo tem através de suas afiliadas por todo o país, no frigir dos ovos, ela passa a ter a mesma dimensão de cobertura nacional que o Clarín na Argentina.

São empresas semelhantes que se repetem por toda a América Latina, porque os processos históricos de ocupação do espectro são semelhantes.

A gente tem que levar em consideração, se me permite, Lalo, que na Argentina a disseminação do cabo é muito maior que no Brasil. Por isso, a cobertura do Clarín é muito maior.
Leal: É verdade, no cabo.

E o Clarín também tem, como a Globo, jornal, rádio e uma série de outros produtos de comunicação.
É verdade, mas a Ley de Medios não toca nisso. A Ley de Medios é exclusivamente para regular o mercado audiovisual, rádio e televisão.

Sobre esse projeto, que é o mais recente e talvez o mais sofisticado, do Fórum Nacional de Democratização da Mídia, que pretende se tornar um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, quais são as semelhanças dele com a Ley de Medios da Argentina?
Olha, eu não tenho aqui em mãos esse projeto. Mas, acredito, que ele é mas abrangente que a Ley de Medios argentina.

Porque ele trata também da internet, da comunicação pública. Me parece, que a proposta brasileira, para essa lei popular, é mais abrangente que a lei argentina.

Você comentou que o Brasil está atrás de outros países da América Latina. Quem mais tem legislação parecida com a Ley de Medios?
O Brasil está atrasado com relação à Europa e aos EUA em mais de 80 anos, porque eles tem órgãos de regulação e leis, você sabe bem disso.

E está ficando para trás também com relação aos seus vizinhos latino-americanos.

Além da Argentina, tem o Uruguai, que aprovou uma Ley de Medios semelhante à da Argentina.

O Equador, que depois de uma longa batalha, que durou mais de quatro anos, aprovou sua Ley de Medios.

A Venezuela, que, desde 2004 tem a sua Ley Resort – que é excelente, as pessoas precisavam estudá-la. Não tem nada a ver com ”ditadura de Chávez”, tem a ver com democratização dos meios de comunicação.

A lei inclusive discute questões subjetivas, questões de conteúdo, de uma forma muito objetiva, não estabelecendo qualquer tipo de censura, mas tratando dos horários de exibição.

Há muitas experiências positivas na América Latina que nós nem chegamos a conhecer.

Outra coisa, Paulo, que eu gostaria de registrar, é a minha tristeza com relação à universidade brasileira.

A Ley de Medios argentina foi gestada na universidade, depois nos sindicatos, e colocada em debate nas ruas.

A universidade brasileira tem uma dificuldade muito grande em se aproximar dessa discussão, não contribui. Nós estamos muito atrás dos nossos hermanos, nossos vizinhos.

O acadêmico brasileiro sonha em aparecer na Globo, Lalo…
Claro… e nas Páginas Amarelas (da Veja).

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