Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A tendência à centralização das decisões nas redações da chamada grande imprensa do Brasil, que se consolida há cerca de quinze anos, provoca mudanças importantes no perfil dos jornalistas em atividade na mídia tradicional. Além de uma menor diversidade do espectro ideológico, pode-se constatar que predomina nas principais empresas de comunicação o profissional que amadureceu depois do processo de redemocratização, para o qual os tempos da ditadura são um verbete da Wikipedia.
Jornalistas mais experientes, que vivenciaram na juventude as restrições oficiais à liberdade de expressão, costumam classificar essa geração subsequente como alienada ou desprovida de consciência política. Eles chegaram ao mercado de trabalho a partir da segunda metade dos anos 1980, e desde então alguns de seus representantes foram galgando posições, até alcançarem os postos de comando. Seu legado já pode ser analisado ao longo da última década, e certamente não irá corresponder a essa geração o melhor da história do jornalismo brasileiro.
Na maioria das redações, essa mudança de perfil se realizou de maneira suave, o que dificulta a definição de um ponto de referência. No Estado de S. Paulo, por exemplo, a insistência do criador do Curso Estado de Jornalismo, Francisco Ornellas, em formar jovens profissionais segundo os preceitos clássicos da profissão, amenizou o choque de gerações. Mas Ornellas foi afastado em 2012, depois de haver formado mais de vinte turmas, e, em novembro passado, o caderno especial que comemorou os 25 anos do curso não fez referência ao seu trabalho de duas décadas. Como no antigo regime soviético, o jornalismo contemporâneo não parece preocupado com a preservação da memória.
Já na Folha de S. Paulo o processo se deu abruptamente, com a implantação de um projeto editorial cuja condução foi entregue a profissionais com pouca ou nenhuma experiência. Por isso, é mais fácil observar a mudança nessa redação, que inaugurou no Brasil o jornalismo obcecado por infográficos e estatísticas. Um jornalismo que se pretende imune a paixões.
O jornalismo indiferente
Foi na Folha que se inventou, por exemplo, o duvidoso método de contar multidões, que nunca funcionou – pela simples razão de que a multidão se move e não espera o repórter do jornal calcular quantas pessoas se aglomeram por metro quadrado numa praça. Na época em que se discutia, como numa operação de guerra, como definir o volume de uma manifestação de rua, um editor veterano saiu-se com esta: “É mais fácil contar as orelhas e dividir por dois, pois estatisticamente há menos pessoas com uma orelha só do que, por exemplo, com uma perna só”.
O experimentalismo da Folha contaminou os outros jornais, afetando, no curto prazo, jornais como o Zero Hora de Porto Alegre, e o Globo. Mas essa tendência não se consolidaria se as mudanças não coincidissem com o ingresso massivo, no mercado, da geração que chamaremos de “indie”.
A expressão é tirada do movimento que levou às paradas o chamado rock independente, gênero surgido nos anos 1980 que tinha como pressuposto a produção musical dissociada das grandes gravadoras. No caso do jornalismo, e especialmente na Folha de S. Paulo, “indie” era aquele indivíduo que não havia passado pelos grupos produtores de ideias nas décadas anteriores, ou seja, procurava-se o jornalista sem definição ideológica a priori. No projeto do diário paulista, esse profissional seria capaz de dar ao jornalismo um caráter mais “científico”, ao contrário do modelo clássico, que era chamado, em tom depreciativo, de “jornalismo impressionista”.
Acontece que não há ideia sem ideologia, ou seja, da intensa produção de ideias sempre irá resultar um pacote ideológico, mesmo em condições de uma suposta pureza científica do pensamento.
Ao impor às redações a ilusória condição de assepsia ideológica, a nova concepção dada ao jornalismo brasileiro apenas estimulou o predomínio de uma ideologia conservadora. Assim, o perfil “indie” deixou de representar “independência” e passou a se caracterizar como “indiferença” – como o padrão de um jornalismo sem paixão.
Jornalistas mais experientes, que vivenciaram na juventude as restrições oficiais à liberdade de expressão, costumam classificar essa geração subsequente como alienada ou desprovida de consciência política. Eles chegaram ao mercado de trabalho a partir da segunda metade dos anos 1980, e desde então alguns de seus representantes foram galgando posições, até alcançarem os postos de comando. Seu legado já pode ser analisado ao longo da última década, e certamente não irá corresponder a essa geração o melhor da história do jornalismo brasileiro.
Na maioria das redações, essa mudança de perfil se realizou de maneira suave, o que dificulta a definição de um ponto de referência. No Estado de S. Paulo, por exemplo, a insistência do criador do Curso Estado de Jornalismo, Francisco Ornellas, em formar jovens profissionais segundo os preceitos clássicos da profissão, amenizou o choque de gerações. Mas Ornellas foi afastado em 2012, depois de haver formado mais de vinte turmas, e, em novembro passado, o caderno especial que comemorou os 25 anos do curso não fez referência ao seu trabalho de duas décadas. Como no antigo regime soviético, o jornalismo contemporâneo não parece preocupado com a preservação da memória.
Já na Folha de S. Paulo o processo se deu abruptamente, com a implantação de um projeto editorial cuja condução foi entregue a profissionais com pouca ou nenhuma experiência. Por isso, é mais fácil observar a mudança nessa redação, que inaugurou no Brasil o jornalismo obcecado por infográficos e estatísticas. Um jornalismo que se pretende imune a paixões.
O jornalismo indiferente
Foi na Folha que se inventou, por exemplo, o duvidoso método de contar multidões, que nunca funcionou – pela simples razão de que a multidão se move e não espera o repórter do jornal calcular quantas pessoas se aglomeram por metro quadrado numa praça. Na época em que se discutia, como numa operação de guerra, como definir o volume de uma manifestação de rua, um editor veterano saiu-se com esta: “É mais fácil contar as orelhas e dividir por dois, pois estatisticamente há menos pessoas com uma orelha só do que, por exemplo, com uma perna só”.
O experimentalismo da Folha contaminou os outros jornais, afetando, no curto prazo, jornais como o Zero Hora de Porto Alegre, e o Globo. Mas essa tendência não se consolidaria se as mudanças não coincidissem com o ingresso massivo, no mercado, da geração que chamaremos de “indie”.
A expressão é tirada do movimento que levou às paradas o chamado rock independente, gênero surgido nos anos 1980 que tinha como pressuposto a produção musical dissociada das grandes gravadoras. No caso do jornalismo, e especialmente na Folha de S. Paulo, “indie” era aquele indivíduo que não havia passado pelos grupos produtores de ideias nas décadas anteriores, ou seja, procurava-se o jornalista sem definição ideológica a priori. No projeto do diário paulista, esse profissional seria capaz de dar ao jornalismo um caráter mais “científico”, ao contrário do modelo clássico, que era chamado, em tom depreciativo, de “jornalismo impressionista”.
Acontece que não há ideia sem ideologia, ou seja, da intensa produção de ideias sempre irá resultar um pacote ideológico, mesmo em condições de uma suposta pureza científica do pensamento.
Ao impor às redações a ilusória condição de assepsia ideológica, a nova concepção dada ao jornalismo brasileiro apenas estimulou o predomínio de uma ideologia conservadora. Assim, o perfil “indie” deixou de representar “independência” e passou a se caracterizar como “indiferença” – como o padrão de um jornalismo sem paixão.
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