Por Tom Walker, na revista Fórum:
Rendição! Capitulação! Traição! O Syriza ainda nem há um mês chegou ao governo mas já tem quem lhe escreva os obituários.
É claro que alguns na esquerda já os escreveram bem antes das eleições de janeiro. Vejam lá, o Syriza não declarou a revolução. Até agora, soa familiar. Mas nos últimos dias algumas forças mais sensatas parecem – como aconteceu nos primeiros dias com a negociação da coligação – ter-se descontrolado no seu horror ao acordo desta semana, acreditando na retórica exultante do governo alemão de que o Syriza sofreu uma humilhação total.
Este acordo foi descrito de forma oposta pelo primeiro-ministro grego Alexis Tsipras: ele chamou-lhe “um passo decisivo para deixar a austeridade, os resgates e a troika”. A menos que ele tenha abandonado de repente o planeta Terra, a coisa aqui tem mais que se lhe diga.
Para descobrirmos a verdade temos de olhar não apenas para o acordo, ou para a leitura que osmedia fazem à sua volta, mas verificarmos o que significará na prática aquilo que foi assinado.
Não há acordo para a austeridade
Muitas das notícias sobre o acordo partem do princípio que o Syriza “aderiu à austeridade” – o que seria uma inversão de marcha se fosse verdade. Mas isso assenta nalguma maldade quanto à terminologia.
O que o governo grego se comprometeu é a continuar a gerir um excedente orçamental primário, por oposição a um déficit. Isto só por si não é austeridade. Austeridade é a prática de equilibrar orçamentos através de cortes na despesa pública.
Ora, o acordo, como disse Tsipras, cancelou os cortes previstos pelo governo anterior nas pensões, bem como afastou os aumentos do IVA nos alimentos e medicamentos. As reformas que o Syriza vai apresentar como a sua parte neste acordo incluem uma enorme perseguição à fuga ao fisco e corrupção – o que significa um afastamento dos cortes de despesa através do aumento da receita através dos impostos.
A declaração do Eurogrupo também inclui alguma flexibilidade para excedentes primários serem os “adequados”, tendo em conta as circunstâncias econômicas. Por outras palavras, até que a economia grega regresse ao crescimento, as metas punitivas dos anteriores governos podem ser aliviadas – o que significa que não será preciso conseguir tanto dinheiro como anteriormente. Isto pode libertar algum dinheiro para atacar a crise humanitária grega, através das medidas prometidas pelo Syriza, como a eletricidade gratuita e os subsídios alimentares para os mais pobres.
E o ministro das finanças Grago Yanis Varoufakis acrescentou um adendo importante e pouco noticiado: “Ninguém vai pedir-nos para impor à nossa economia e sociedade medidas com as quais não concordamos… Se a lista das reformas não obtiver acordo, o acordo morreu”.
Espaço para respirar
Como é óbvio, dificilmente este é um programa ideal para alguém governar. Embora não seja verdade que a odiada Troika esteja de volta, a Grécia terá ela mesma de lidar com “as instituições” (o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o FMI) – a diferença é que agora pode negociar com as diferentes instituições uma a uma. A democracia grega continua parcialmente suspensa, pelo menos durante os quatro meses que dura este acordo, sujeita a negociação e supervisão.
Mas antes de condenarem, vejam a situação em que estava o Syriza antes. Várias fontes credíveis afirmam que, se não tivesse assinado o acordo, os bancos gregos teriam colapsado em poucos dias – e o Syriza iria arcar com as culpas por levar o país a uma nova crise. Como disse Varoufakis, “diziam aos gregos que se fôssemos eleitos e ficássemos no poder por mais alguns dias, os multibancos deixariam de funcionar. A decisão de hoje veio pôr fim a esse receio”.
O não pagamento das dívidas e a saída do euro podia ser preferível a longo prazo – embora o apoio a essa via continue muito baixo entre o povo grego – mas significaria um enorme caos e dor a curto prazo, o que a negociação do Syriza permitiu evitar.
Em qualquer caso, o acordo não está escrito em sangue. Pode ser terminado se tudo correr tão mal como dizem alguns comentadores. A opção da “Grexit” e o incumprimento não estão afastadas. Mas é claro que elas não fazem parte do mandato do Syriza, e quem propôs essa alternativa nas eleições só obteve uma pequena parte dos votos do Syriza. O não pagamento da dívida seria sempre um último recurso, não a jogada de abertura: só será politicamente possível se não restarem alternativas.
Deem uma oportunidade à Grécia
Na medida em que o Syriza está a ter de se comprometer – e está claramente a fazer compromissos que ficam aquém da rendição – isso representa não tanto o seu fracasso como o nosso. O Syriza sempre deixou claro que não podemos esperar que a Grécia derrote sozinha a austeridade.
Os vários ministros uuropeus que estão do outro lado da negociação com o governo grego precisam sentir a pressão. Precisamos de um enorme movimento por toda a Europa de solidariedade com a Grécia, e empenharmo-nos na construção desse movimento, em vez de ficarmos nas nossas poltronas sempre prontos a dizer “Eu bem avisei”.
Precisamos reunir tudo o que pudermos para alterar o equilíbrio político de forças na Europa. Temos agora um espaço de quatro meses para isso: façamos com que valha a pena.
Existe agora uma divisão entre a elite sobre o tema da austeridade, com o governo dos EUA, o Adam Smith Institute e vários economistas proeminentes que não costumam ser associados à esquerda apoiando as propostas da Grécia. Essa brecha está à espera de ser aberta.
Esta batalha está longe de acabar. Esta semana há mais momentos-chave e sem dúvida haverá muitas semanas e meses com aspectos difíceis à nossa frente. A última coisa que devemos fazer é abandonar o Syriza por não concretizar todas as nossas esperanças nas poucas semanas a seguir às eleições. E também não serve de nada andarmos para a frente e para trás entre o entusiasmo e o desânimo a propósito de cada rodada de negociação.
O futuro da austeridade na Europa depende agora do que aconteça à Grécia. Se desistirmos deles, estaremos desistindo também da nossa luta.
“Deem uma oportunidade à Grécia” foi um dos slogans dirigidos ao Banco Central Europeu et al. Aplica-se também a nós, na esquerda.
É claro que alguns na esquerda já os escreveram bem antes das eleições de janeiro. Vejam lá, o Syriza não declarou a revolução. Até agora, soa familiar. Mas nos últimos dias algumas forças mais sensatas parecem – como aconteceu nos primeiros dias com a negociação da coligação – ter-se descontrolado no seu horror ao acordo desta semana, acreditando na retórica exultante do governo alemão de que o Syriza sofreu uma humilhação total.
Este acordo foi descrito de forma oposta pelo primeiro-ministro grego Alexis Tsipras: ele chamou-lhe “um passo decisivo para deixar a austeridade, os resgates e a troika”. A menos que ele tenha abandonado de repente o planeta Terra, a coisa aqui tem mais que se lhe diga.
Para descobrirmos a verdade temos de olhar não apenas para o acordo, ou para a leitura que osmedia fazem à sua volta, mas verificarmos o que significará na prática aquilo que foi assinado.
Não há acordo para a austeridade
Muitas das notícias sobre o acordo partem do princípio que o Syriza “aderiu à austeridade” – o que seria uma inversão de marcha se fosse verdade. Mas isso assenta nalguma maldade quanto à terminologia.
O que o governo grego se comprometeu é a continuar a gerir um excedente orçamental primário, por oposição a um déficit. Isto só por si não é austeridade. Austeridade é a prática de equilibrar orçamentos através de cortes na despesa pública.
Ora, o acordo, como disse Tsipras, cancelou os cortes previstos pelo governo anterior nas pensões, bem como afastou os aumentos do IVA nos alimentos e medicamentos. As reformas que o Syriza vai apresentar como a sua parte neste acordo incluem uma enorme perseguição à fuga ao fisco e corrupção – o que significa um afastamento dos cortes de despesa através do aumento da receita através dos impostos.
A declaração do Eurogrupo também inclui alguma flexibilidade para excedentes primários serem os “adequados”, tendo em conta as circunstâncias econômicas. Por outras palavras, até que a economia grega regresse ao crescimento, as metas punitivas dos anteriores governos podem ser aliviadas – o que significa que não será preciso conseguir tanto dinheiro como anteriormente. Isto pode libertar algum dinheiro para atacar a crise humanitária grega, através das medidas prometidas pelo Syriza, como a eletricidade gratuita e os subsídios alimentares para os mais pobres.
E o ministro das finanças Grago Yanis Varoufakis acrescentou um adendo importante e pouco noticiado: “Ninguém vai pedir-nos para impor à nossa economia e sociedade medidas com as quais não concordamos… Se a lista das reformas não obtiver acordo, o acordo morreu”.
Espaço para respirar
Como é óbvio, dificilmente este é um programa ideal para alguém governar. Embora não seja verdade que a odiada Troika esteja de volta, a Grécia terá ela mesma de lidar com “as instituições” (o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o FMI) – a diferença é que agora pode negociar com as diferentes instituições uma a uma. A democracia grega continua parcialmente suspensa, pelo menos durante os quatro meses que dura este acordo, sujeita a negociação e supervisão.
Mas antes de condenarem, vejam a situação em que estava o Syriza antes. Várias fontes credíveis afirmam que, se não tivesse assinado o acordo, os bancos gregos teriam colapsado em poucos dias – e o Syriza iria arcar com as culpas por levar o país a uma nova crise. Como disse Varoufakis, “diziam aos gregos que se fôssemos eleitos e ficássemos no poder por mais alguns dias, os multibancos deixariam de funcionar. A decisão de hoje veio pôr fim a esse receio”.
O não pagamento das dívidas e a saída do euro podia ser preferível a longo prazo – embora o apoio a essa via continue muito baixo entre o povo grego – mas significaria um enorme caos e dor a curto prazo, o que a negociação do Syriza permitiu evitar.
Em qualquer caso, o acordo não está escrito em sangue. Pode ser terminado se tudo correr tão mal como dizem alguns comentadores. A opção da “Grexit” e o incumprimento não estão afastadas. Mas é claro que elas não fazem parte do mandato do Syriza, e quem propôs essa alternativa nas eleições só obteve uma pequena parte dos votos do Syriza. O não pagamento da dívida seria sempre um último recurso, não a jogada de abertura: só será politicamente possível se não restarem alternativas.
Deem uma oportunidade à Grécia
Na medida em que o Syriza está a ter de se comprometer – e está claramente a fazer compromissos que ficam aquém da rendição – isso representa não tanto o seu fracasso como o nosso. O Syriza sempre deixou claro que não podemos esperar que a Grécia derrote sozinha a austeridade.
Os vários ministros uuropeus que estão do outro lado da negociação com o governo grego precisam sentir a pressão. Precisamos de um enorme movimento por toda a Europa de solidariedade com a Grécia, e empenharmo-nos na construção desse movimento, em vez de ficarmos nas nossas poltronas sempre prontos a dizer “Eu bem avisei”.
Precisamos reunir tudo o que pudermos para alterar o equilíbrio político de forças na Europa. Temos agora um espaço de quatro meses para isso: façamos com que valha a pena.
Existe agora uma divisão entre a elite sobre o tema da austeridade, com o governo dos EUA, o Adam Smith Institute e vários economistas proeminentes que não costumam ser associados à esquerda apoiando as propostas da Grécia. Essa brecha está à espera de ser aberta.
Esta batalha está longe de acabar. Esta semana há mais momentos-chave e sem dúvida haverá muitas semanas e meses com aspectos difíceis à nossa frente. A última coisa que devemos fazer é abandonar o Syriza por não concretizar todas as nossas esperanças nas poucas semanas a seguir às eleições. E também não serve de nada andarmos para a frente e para trás entre o entusiasmo e o desânimo a propósito de cada rodada de negociação.
O futuro da austeridade na Europa depende agora do que aconteça à Grécia. Se desistirmos deles, estaremos desistindo também da nossa luta.
“Deem uma oportunidade à Grécia” foi um dos slogans dirigidos ao Banco Central Europeu et al. Aplica-se também a nós, na esquerda.
* Publicado originalmente no Red Pepper. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.
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