Por Paulo Fonteles Filho, em seu blog:
Na atualidade, os áulicos da direita promovem raivosa cruzada contra as forças progressistas e, patrocinados pela mídia conservadora, trombeteiam que o período ditatorial fora pródigo no combate à corrupção e aos corruptos. Acontece que, com os poderes Legislativos e Judiciários aviltados como instrumentos de fiscalização e punição, a perversão dos recursos públicos e as transgressões do poder aumentaram exponencialmente no período mais sangrento do Regime Militar.
É mais que sabido que a malversação dos recursos que pertencem a toda a sociedade não decorre apenas de graves falhas individuais, mas, sobretudo, têm em suas raízes as causas de seu tempo e os aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e ideológicos que demarcam e tipificam cada regime político. A sangria e o desmazelo com o que é público, ou seja, de toda a sociedade, se desenvolvem de acordo com as peculiaridades de cada regime e, fundamentalmente estão ligados à quadra histórica dessas experiências.
No país tupiniquim a corrupção sempre esteve presente e alcançou dimensões gigantescas durante mais de vinte anos de Regime Militar, evento histórico marcado pela censura, assassinatos, torturas, exílios, entrega das riquezas nacionais e desaparecimentos forçados.
Mas o alcance da corrupção também teve, em seus horizontes, aquilo que ensina a historiadora Herloisa Starling, na medida em que ela “ (...) se inscreve na natureza do regime militar também na sua associação com a tortura – o máximo de corrupção de nossa natureza humana. A prática da tortura política não foi fruto das ações incidentais de personalidades desequilibradas, e nessa constatação reside o escândalo e a dor. A existência da tortura não surgiu na história desse regime nem como algo que escapou ao controle, nem como efeito não controlado de uma guerra que se desenrolou apenas nos porões da ditadura, em momentos restritos.
Ao se materializar sob a forma de política de Estado durante a ditadura, em especial entre 1969 e 1977, a tortura se tornou inseparável da corrupção. Uma se sustentava na outra. O regime militar elevou o torturador à condição de intocável: promoções convencionais, gratificações salariais e até recompensa pública foram garantidas aos integrantes do aparelho de repressão política. Caso exemplar: a concessão da Medalha do Pacificador ao delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979)”.
A corrupção assegurou aos torturadores, além da cumplicidade, a legitimação de seus resultados porque, para a tortura funcionar é decisivo que na máquina judiciária existam servidores públicos dispostos a dar legalidade a processos estapafúrdios, confissões falsas, laudos periciais forjados e autópsias fraudadas. Ainda, na miríade da mais covarde das violências, nunca haveremos de esquecer o financiamento de todo esse processo cruento, notadamente realizado por grandes empresários, como Boillensen, sempre dispostos em fornecer dotações extra-orçamentárias para que a máquina da repressão política estivesse sempre azeitada para triturar opositores. Com base nesse tipo de financiamento é que surgiram o fenômeno dos grupos de extermínio, como a Scuderia Le Coq, de São Paulo.
Um dos aspectos para o agravamento da corrupção, seja na máquina de suplício instalada, seja pela roubalheira - termo chulo que explica - foi à redoma protetora sob a qual, os generais e seus aliados civis exerceram o poder no Brasil.
O fato é que as decisões mais importantes da nacionalidade e dos destinos de todos os brasileiros passaram a ser de competência exclusivíssima de um seleto grupo de militares, políticos, grandes empresários e burocratas que, com todos os canais de respiração da vida democrática açodados, atuaram, também, para transferir as riquezas produzidas pelos trabalhadores brasileiros para as mãos de bem poucos, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Ocorre que a imprensa, mesmo os apoiadores de primeira hora da quartelada de 64 como é o caso da Folha de São Paulo, fora submetida à censura durante anos e, no momento em que a ditadura experimentava seu período mais ufanista, cuja propaganda revelava um crescimento econômico de 10% ao ano no curso do sanguinário governo de Garrastazu Médici (1969-1974), desconfiar e fiscalizar os governantes, exigir prestações de contas e indicar abusos na administração estatal era considerado crime contra a ‘segurança nacional’, passível às mãos de febrentos verdugos.
No entanto, com a distensão política do regime no período do governo Geisel (1974-1979), as ‘tenebrosas transações’, como ensina o samba libertário de Chico Buarque de Holanda, vieram à tona e a opinião pública começou a perceber qual o feitio dos dirigentes brasileiros de então. Porém, mesmo depois de iniciado o processo de ‘abertura’ do governo Figueiredo (1979-1985), a fiscalização social sobre o poder público permaneceu indubitavelmente limitada.
O curso dos anos indicou que o Regime Militar promoveu um conjunto de reformas nos poderes Legislativo e Judiciário no sentido de que tais esferas se domesticassem e, inofensivas, jamais poderiam atuar enquanto instrumentos de fiscalização ou mesmo promover a punição dos representantes do poder estatal ou da iniciativa privada flagrados em atos lesivos aos interesses coletivos.
Não obstante às crescentes denúncias, que estouraram a partir de 1974, o número de pessoas punidas e de casos esclarecidos foi absolutamente pequeno, assim como nenhum integrante do alto escalão do poder fora punido, mesmo diante de escândalos de alta-voltagem como o da Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares), que ganhou concorrência suspeita para a exploração de madeiras nobres no Pará, além dos desvios da ponte Rio-Nitéroi e da Rodovia Transamazônica.
Importante indicador das medidas ‘defensivas’ estabelecidas pelo regime despótico, que ensejaram tranqüila desenvoltura de seus próceres pelo submundo das negociatas e irregularidades administrativas é o número de requerimentos para a constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito encaminhados à mesa da Câmara dos Deputados até 1968, crescentes, mas que, com a Reforma Constitucional de outubro de 1969, promovida pela Junta Militar que sucedeu Costa e Silva (1967-1969) determinou seriíssimas restrições aos instrumentos legais de investigação parlamentar.
Além disso, com a edição do Ato Institucional n° 5 (AI-5), em dezembro de 1968, o Congresso sofreu inúmeras cassações contra parlamentares atuantes e dispostos, mesmo nas limitadas condições da minoria oposicionista, em enfrentar o regime tirano. Assim, depois de mais de duas décadas de intensa atividade investigativa, entre 1946 até 1968, a Câmara dos Deputados ficou os anos do ‘milagre brasileiro’ (1969-1972) sem instalar sequer uma CPI.
Somente após 1975 é que a Câmara retoma, timidamente, seu papel investigativo, sobretudo depois da vitória do MDB no pleito de 1974: uma CPI para apurar irregularidades no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Apenas em 1980, entretanto, é que foi aprovada uma CPI requerida pela oposição, o famoso caso Lutfalla, envolvendo o então governador paulista, Paulo Maluf. O escândalo - investigado pela Comissão Geral de Inquéritos (CGI), instrumento criado pelo Poder Executivo - girava em torno de empréstimos realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDE) as empresas de Maluf, em crise falimentar.
O embaraço principal para os mais estreludos generais era o fato de que aquele ex-governador, reconhecidamente corrupto, se utilizava de enorme influência junto aos militares para emplacar interesses obscuros.
As obstruções governistas e as manobras regimentais, próprias da luta parlamentar, não foram os únicos fatores de entrave ao pleno funcionamento das CPI’s, seja no caso Lutfalla, seja em outros.
Em alguns casos, quando militares foram convocados para prestar depoimentos, estes se recusaram a dar qualquer informação relevante, como o ocorrido com o coronel Raimundo Saraiva, que depôs na CPI da Dívida Externa de 1983. O caso, esquecido no curso de mais de trinta anos, indicava o envolvimento do ministro Delfim Netto em transações irregulares com banqueiros franceses. Naqueles dias o coronel Saraiva era embaixador do governo Geisel em Paris.
Em outro caso, como o do general Newton Cruz, instado a dar esclarecimentos na CPI da Capemi, lançou mão da legislação que o protegia e não foi depor.
O Poder Judiciário que, em última instância poderia ter sido o instrumento de controle social sobre o poder, os bens e o erário público também sofreu limitações profundas, como foi à reforma do Judiciário de 1977, embutido no chamado Pacote de Abril. O produto do intento, no essencial, fez concentrar a força do judiciário na esfera federal.
O Supremo Tribunal Federal (STF), cujos juízes são nomeados pela Presidência da República aumentou seu poder em prejuízo dos tribunais estaduais e o Procurador Geral da República, representante do Executivo junto ao Judiciário, ampliou as suas atribuições. Qual resultado senão o açodamento do Judiciário e o aviltamento de suas funções? Em última instância, o Pacote de Abril deu ao despotismo militar o poder de interpretar as leis segundo suas conveniências.
Os que conspiraram para depor o governo legítimo de João Goulart (1961-1964), com o apoio a CIA através do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), assim o fizeram sob o discurso de combater o comunismo e a corrupção. Ocorre que, os homens que tomaram o poder em 1964, utilizaram-se de métodos terroristas para combater qualquer resistência democrática, mas, na luta contra a corrupção, pouco ou nada fizeram.
Referências Bibliográficas:
- AVRITZER; BIGNOTO, GUIMARAES, STARLING (Orgs) Corrupção ensaios e críticas, Editora UFMG, 2008.
- FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2001.
- GASPARI, Elio. Coleção As Ilusões Armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
- RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
* Paulo Fonteles Filho é membro do Grupo de Trabalho Araguaia do Governo Federal e Vice-Presidente do Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça.
* Paulo Fonteles Filho é membro do Grupo de Trabalho Araguaia do Governo Federal e Vice-Presidente do Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça.
4 comentários:
“Bebê” de Fernando Henrique nasceu sob o governo dele, nos anos 90; esquema do trensalão tucano foi repetido na Petrobras
Por conspícuos jornalistas Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes
publicado em 21 de março de 2015 às 10:05
“Essa corrupção não é uma senhora idosa, é uma mocinha, um bebê quase”
Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à Globo News
Da Redação
A mídia corporativa nunca apresentou o trensalão tucano da mesma forma que o fez com o mensalão petista. Não contextualizou as informações, nem usou gráficos ou detalhou os grupos políticos envolvidos no escândalo. Não publicou cadernos especiais.
Foi preciso um partido político interessado no caso, o PT, para fazê-lo.
Segundo uma apresentação organizada pelos petistas da Assembleia Legislativa de São Paulo, o esquema teve início no governo Fleury, entre 1990 e 1994. Aloysio Nunes era o vice-governador, cargo que acumulou com o de secretário de Transportes Metropolitanos. Mas o cartel das empresas fornecedoras decolou mesmo no primeiro mandato de Mário Covas, 1995-1998.
O cartel envolveu contratos de R$ 40 bilhões. O Ministério Público busca reaver R$ 2 bilhões.
Como denunciou Conceição Lemes neste espaço, há um nexo entre o esquema do trensalão, a Operação Castelo de Areia (que foi anulada) e a Operação Lava Jato.
Acrescente-se a isso a Lista de Furnas.
(...)
FONTE [LÍMPIDA!]: http://www.viomundo.com.br/denuncias/bebe-de-fernando-henrique-nasceu-sob-o-governo-dele-nos-anos-90-esquema-na-petrobras-foi-repetido-no-trensalao-dos-tucanos.html
... os pilantras de ontem nao justificam os canalhas de hoje. A impunidade continua.
Muito bom seu texto ! Parabéns
Só prá concluir: essa propsta de Nicolau se encaixa perfeitamrnte na lógica do Direito Penal do Inimigo
FINS E MEIOS
Brasil decide futuro com base no Direito Penal do Inimigo, Por Marcos de Vasconcellos
"(...) O professor de Direito Penal Rogério Greco resume: o Direito Penal do Inimigo tem sido usado com a finalidade de aplicar penas privativas de liberdade, com a minimização das garantias necessárias a esse fim. Greco (foto) desenha um itinerário: primeiro, o clima propício de uma sociedade exausta diante da insegurança e amedrontada ou indignada, com ganas de vingança. A sensação, captada pela mídia, desloca o debate do Direito das mãos dos profissionais para o microfone de apresentadores de programas de entretenimento ou jornalistas que passam a exigir leis mais duras, recrudescimento de penas e redução do amplo direito de defesa dos acusados
(...)
O fato de a operação mãos limpas ter quebrado a economia italiana e deixado o país em um vácuo político que culminou com a ascensão de Silvio Berlusconi — amigo próximo de Bettino Craxi, principal réu da mani pulite — não são vistos como erros da operação. O problema é dos outros, diz Moro. “Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia.”
\O fato de a operação mãos limpas ter quebrado a economia italiana e deixado o país em um vácuo político que culminou com a ascensão de Silvio Berlusconi — amigo próximo de Bettino Craxi, principal réu da mani pulite — não são vistos como erros da operação. O problema é dos outros, diz Moro. “Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia.”
(...)
Segue link para texto na íntegra
http://www.conjur.com.br/2015-jan-05/brasil-decide-futuro-base-direito-penal-inimigo
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