Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A leitura dos jornais e revistas no fim de semana pode levar a uma constatação espantosa: a de que a principal característica da cultura de massas, neste início de século, é o triunfo da representação sobre a realidade. A grande massa dos seres humanos, principalmente aqueles que têm acesso ao sistema da mídia e aceitam seus conteúdos pelo valor de face, está sendo conduzida para o campo da ilusão porque os simulacros dominam a vida social vivida no ecossistema midiático. No interior desse ecossistema, a verdade pode ou não existir: ela não tem a menor importância, porque tudo é negociado no campo ficcional dos signos.
O processo de rompimento entre a vida real e o simulacro que a substitui, no campo da cultura, parece seguir a receita observada pelo filósofo Jean Baudrillard: primeiro, a imagem é o reflexo de uma realidade profunda; depois, passa a mascarar e deformar a realidade; em seguida, substitui a própria realidade; finalmente, descola-se da realidade e passa a existir como universo paralelo.
Esse fenômeno acompanha a expansão da cultura de massa, que segue a mídia de massa em sua onipresença global. As tecnologias digitais de informação e comunicação aceleram esse processo e jogam um papel central na conquista de novos espaços onde a modernidade foi retardada no passado recente. Portanto, trata-se de um movimento que alcança a humanidade como um todo, permitindo projetar um futuro próximo em que a comunicação irá formar a massa homogênea de uma tribo planetária.
Os pessimistas acham que esse processo conduzirá ao fim da cultura pela imposição de requisitos de segurança, que serão demandados pela própria sociedade, num escambo pela liberdade. Os otimistas entendem que uma sociedade homogênea logo sentirá os efeitos da entropia, e a ruptura será uma questão de tempo.
No Brasil, esse processo tem como característica o fato de que a mídia tradicional cumpre o papel de determinar o que é positivo ou negativo nessa agenda. Essa centralidade se agrava com a concentração da propriedade dos meios e dos recursos financeiros que eles produzem: a principal rede de televisão coleta a maior parte da receita publicitária e se habilita a produzir ainda mais influência, com recursos públicos providos por concessões tributárias.
Ibrahimovic e Al-Qaeda
Quando os meios hegemônicos defendem valores que coincidem com os de determinado perfil partidário – exatamente como faz o Tea Party nos Estados Unidos – o noticiário e as opiniões predominantes na agenda pública tendem a construir uma ideologia conservadora, mesmo na parcela da população que supostamente se beneficia de políticas que procuram estimular a consciência de si e o autorrespeito.
Se, no campo político e econômico, a mídia hegemônica considera positivamente apenas as ideias e iniciativas conservadoras, esse viés ideológico vai influenciar também sua visão da política cultural.
A política, em seu sentido etimológico e nos significados que adquiriu ao longo da modernidade, já não representa a ciência da governação ou a arte da negociação para compatibilizar interesses difusos da sociedade. Sequestrada pela máquina midiática, passou a ser um simulacro que já não guarda relação com sua origem: os contratos que regulam a vida comum na pólis.
Portanto, quando observamos a imprensa no contexto que costumamos chamar de cultura, estamos apenas olhando a representação feita por empresas privadas que se associam a determinados protagonistas, num negócio particular que se faz no espaço público e privilegia manifestações que servem a esse propósito específico. A ideia de Estado que esse consórcio projeta reduz a pólis à praça do mercado, e a cultura se transforma em mais um item nas prateleiras.
As tecnologias que aceleram o efeito globalizante da sociedade de massa pasteurizam a percepção de mundo e impõem relações artificiais entre o sujeito e o objeto da cultura. O esporte, o cinema, a música e outros vetores da cultura de massa levam os signos para todo os cantos do planeta: a imagem de uma base militar do exército iemenita tomada pela Al-Qaeda, divulgada neste mês pela agência France Presse (ver aqui), mostra um homem vestindo a camisa número 11 do jogador Zlatan Ibrahimovic e a saia masculina típica de sua cultura.
Toda a sociedade humana parece mergulhar nesse sistema de signos que se distancia progressivamente das realidades específicas de cada povo, mas também deve-se observar, no âmbito nacional, como uma cultura de simulacro cria valores artificiais no contexto local.
A cultura midiatizada não é mais cultura – é produto. Para entendê-la, é preciso construir um artifício, a etnometodologia, mas isso não cabe na modesta observação diária da imprensa.
O processo de rompimento entre a vida real e o simulacro que a substitui, no campo da cultura, parece seguir a receita observada pelo filósofo Jean Baudrillard: primeiro, a imagem é o reflexo de uma realidade profunda; depois, passa a mascarar e deformar a realidade; em seguida, substitui a própria realidade; finalmente, descola-se da realidade e passa a existir como universo paralelo.
Esse fenômeno acompanha a expansão da cultura de massa, que segue a mídia de massa em sua onipresença global. As tecnologias digitais de informação e comunicação aceleram esse processo e jogam um papel central na conquista de novos espaços onde a modernidade foi retardada no passado recente. Portanto, trata-se de um movimento que alcança a humanidade como um todo, permitindo projetar um futuro próximo em que a comunicação irá formar a massa homogênea de uma tribo planetária.
Os pessimistas acham que esse processo conduzirá ao fim da cultura pela imposição de requisitos de segurança, que serão demandados pela própria sociedade, num escambo pela liberdade. Os otimistas entendem que uma sociedade homogênea logo sentirá os efeitos da entropia, e a ruptura será uma questão de tempo.
No Brasil, esse processo tem como característica o fato de que a mídia tradicional cumpre o papel de determinar o que é positivo ou negativo nessa agenda. Essa centralidade se agrava com a concentração da propriedade dos meios e dos recursos financeiros que eles produzem: a principal rede de televisão coleta a maior parte da receita publicitária e se habilita a produzir ainda mais influência, com recursos públicos providos por concessões tributárias.
Ibrahimovic e Al-Qaeda
Quando os meios hegemônicos defendem valores que coincidem com os de determinado perfil partidário – exatamente como faz o Tea Party nos Estados Unidos – o noticiário e as opiniões predominantes na agenda pública tendem a construir uma ideologia conservadora, mesmo na parcela da população que supostamente se beneficia de políticas que procuram estimular a consciência de si e o autorrespeito.
Se, no campo político e econômico, a mídia hegemônica considera positivamente apenas as ideias e iniciativas conservadoras, esse viés ideológico vai influenciar também sua visão da política cultural.
A política, em seu sentido etimológico e nos significados que adquiriu ao longo da modernidade, já não representa a ciência da governação ou a arte da negociação para compatibilizar interesses difusos da sociedade. Sequestrada pela máquina midiática, passou a ser um simulacro que já não guarda relação com sua origem: os contratos que regulam a vida comum na pólis.
Portanto, quando observamos a imprensa no contexto que costumamos chamar de cultura, estamos apenas olhando a representação feita por empresas privadas que se associam a determinados protagonistas, num negócio particular que se faz no espaço público e privilegia manifestações que servem a esse propósito específico. A ideia de Estado que esse consórcio projeta reduz a pólis à praça do mercado, e a cultura se transforma em mais um item nas prateleiras.
As tecnologias que aceleram o efeito globalizante da sociedade de massa pasteurizam a percepção de mundo e impõem relações artificiais entre o sujeito e o objeto da cultura. O esporte, o cinema, a música e outros vetores da cultura de massa levam os signos para todo os cantos do planeta: a imagem de uma base militar do exército iemenita tomada pela Al-Qaeda, divulgada neste mês pela agência France Presse (ver aqui), mostra um homem vestindo a camisa número 11 do jogador Zlatan Ibrahimovic e a saia masculina típica de sua cultura.
Toda a sociedade humana parece mergulhar nesse sistema de signos que se distancia progressivamente das realidades específicas de cada povo, mas também deve-se observar, no âmbito nacional, como uma cultura de simulacro cria valores artificiais no contexto local.
A cultura midiatizada não é mais cultura – é produto. Para entendê-la, é preciso construir um artifício, a etnometodologia, mas isso não cabe na modesta observação diária da imprensa.
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