Por Saul Leblon, no site Carta Maior:
O ‘efeito Orloff’ borbulha no imaginário do conservadorismo brasileiro após a vitória da direita na Argentina.
O raciocínio linear afirma que como as condições, sobretudo as condições políticas, são semelhantes, o desfecho eleitoral no Brasil, em 2018, será equivalente ao de domingo na Argentina.
Goza-se, algo precocemente, o ‘Macri’ tropical que venceria então o ‘Scioli’ brasileiro.
A crispação e a saturação políticas atribuídas ao kirchnerismo são transportadas para o outro lado da fronteira sem que ninguém se pergunte que ‘doença’ é essa, afinal, congênita’ às fileiras progressistas.
E, menos ainda, se o confronto, que é real, não decorreria do ataque diuturno das baterias rentistas, elitistas e midiáticas às políticas públicas progressistas, predominantes na América Latina na última década.
Outras evidências do viés ideológico saltam à vista.
A vitória de Macri cantada em verso e prosa como o início de uma nova era na Argentina - a da restauração neoliberal - apoiou-se em proporções muito semelhantes às que, no Brasil, segundo a mesma matemática política, teria evidenciado o esgotamento do ‘ciclo petista’.
Foram três pontos percentuais de diferença nos dois casos.
Brasil, 2014: Dilma, 51,64% X Aécio, 48,36%.
Argentina, 2015: Macri, 51,4% X Scioli, 48,58%.
Em termos absolutos, a vitória de Dilma se deu por uma diferença de três milhões e meio de votos; a de Macri, por 700 mil.
Um, reflete o esgotamento de um ciclo intervencionista; o outro, o começo de uma era radiosa de restauração do livres mercados?
Deve haver algum equívoco nessa aritmética versátil em que resultados tão parecidos levam a conclusões peremptoriamente opostas.
A verdade talvez esteja mais próxima daquilo que toscamente se denomina de empates históricos.
Capítulos na vida de uma sociedade em que interesses em confronto chegam a um impasse esgotante.
A reiteração ao longo do tempo desgasta, mastiga e cospe, sucessivamente, governos e partidos que se ofereçam como alternativa sem dispor, de fato, das respostas e, sobretudo, da organização requerida pela encruzilhada da sociedade.
Nesse ponto, justamente nesse ponto, reside o valor de governos comprometidos com a maior democratização da sociedade, para escrutinar o passo seguinte do desenvolvimento; em contraposição a outros que consideram imperativo revogar o controle social sobre os mercados - ainda que para isso tenham que subtrair direitos, submeter famílias assalariadas ao arrocho, alienar riquezas e abastardar conquistas constitucionais.
Curto e grosso: os próximos quatro anos na Argentina serão pedagógicos para quem acha que tanto faz o PT ou o PSDB no poder.
Não significa endossar o ciclo de governos iniciado aqui em 2003.
Tampouco os 12 anos do peronismo kirchnerista na Argentina.
A coerência progressista se ressente no Brasil - de forma ainda mais límpida agora que o tempo escoa no filtro golpista - da contrapartida de um engajamento social à altura das decisões que a reordenação da economia requer.
O gozo da elite brasileira com Macri é compreensível.
A Argentina do ciclo Kirchner é a metáfora de tudo o que o conservadorismo mais rejeita e teme que possa acontecer no Brasil.
Antes e acima de tudo, a politização dos impasses do desenvolvimento que estenda as fronteiras do debate para as ruas.
Se Cristina fez isso (parcialmente) e foi derrotada, não haveria saída à rendição completa do governo Dilma ao cuore dos mercados.
É esse desastre esférico e pedagógico que a popularidade de 50% da insolente Presidenta derrotada domingo sonega e que a estreita vantagem de Macri irradia.
A resiliência do empate histórico exige, assim, que o cinturão midiático ajude a agenda conservadora com doses tóxicas de amnésia política.
Lamuriosos artigos de colunistas insistem na tese da ‘saturação do populismo de confronto’, para legitimar a alvorada da ‘nova era’ inaugurada domingo, com a vitória da carcomida agenda neoliberal.
Não se omita erros, inconsistências e outras fragilidades sabidas e presumidas do peronismo kirchnerista.
Mas a tragédia local não tem seu marco zero na vitória de Néstor Kirchner em 2003.
Ao contrário.
O capítulo mais recente do calvário se deu nas mãos dos centuriões do mesmo receituário neoliberal, nos anos 90, e antes ainda, com o ciclo ditatorial.
Dentes de uma engrenagem indissociável sangraram a democracia, mataram e desapareceram com 30 mil pessoas; quebraram o país irremediavelmente, destruíram seu parque industrial; desmontaram suas empresas públicas; arrocharam o poder de compra das famílias assalariadas e pavimentaram o terreno para o golpe de misericórdia liberal: a renúncia do país à própria moeda.
Tudo isso eclipsado agora no anúncio da ‘nova era liberal’.
Trata-se de um publieditorial (publicidade disfarçada de jornalismo) para revender o pote de iogurte vencido com data adulterada.
Condições adversas de mercado mundial evidenciam um esgotamento mais profundo que ameaça devolver a América Latina ao limbo histórico: a democracia representativa já não consegue suprir o motor do desenvolvimento regional com o impulso transformador que ele requer.
O casal Kirchner afrontou vários limites.
Julgou e colocou generais da ditadura na cadeia; rejeitou a espoliação financeira da dívida externa; controlou preços; impôs um confisco às receitas extras do agronegócio; estatizou a Ferrocarriles Argentinos; estatizou a aereolineas; a previdência social, que se encontrava nas mãos da ganância da banca internacional; enfrentou panelaços e greves do capital.
O mau exemplo estendeu-se até a zona do intolerável.
O governo Cristina incluiu entre as suas prioridades a regulação da mídia, com medidas que afrontaram o monopólio da informação, última trincheira do conservadorismo antes das baionetas.
Não é preciso edulcorar - não se deve edulcorar - dificuldades e erros cometidos nesse percurso em meio a um campo minado.
No momento em que ao poder de mobilidade dos capitais se adiciona a retração das receitas exportadoras de commodities, a América Latina toda vê estreitar-se, perigosamente, seu espaço de soberania estratégica.
Com a indústria esfarelada nos anos 90 pela integração carnal com os EUA - e correspondentes acordos de livre mercado que Macri tentará ressuscitar - privada de acesso ao mercado financeiro mundial, a resistência argentina se ressentiu de uma âncora de apoio que somente agora a China - e o banco dos Brics em fraldas - esboça oferecer.
Não é um ‘erro da crispação kirchnerista’, como quer o colunismo embarcado nos mercados.
A margem de manobra para destravar o horizonte social e econômico coagula-se em toda a América Latina.
O desgaste é inerente ao exercício de um poder que não pode ir além e nem dá sinais concretos de que é capaz de resistir ao aquém na garantia daquilo que foi conquistado - empregos, estabilidade, poder de compra, confiança no futuro, oportunidades e cidadania.
A crispação verdadeira é objetiva e não de maus modos.
A transição de ciclo econômico mundial eliminou o lubrificante externo que permitia avançar pela linha de menor resistência, com ganhos incrementais que se adicionavam à base da pirâmide sem erodir seu topo.
Essa engenharia de coexistência pacífica perdeu o chão firme na longa convalescença de uma crise mundial que se revela um novo normal de baixo crescimento e renovada guerra de espoliação cambial e financeira.
O vale tudo para restituir democracias e mercados ao ‘bom caminho’ está em pleno curso, com a ferocidade conhecida e os aliados locais sabidos.
É nesse entrecho da crise global que se dá a retorno da direita aos palácios de governo da América Latina.
Os blindados editoriais edulcoram o arrocho embutido nessa restauração e não poupam fogo na arte de desinformar.
Compreende-se a sofreguidão.
A virulência previsível do revival na Argentina, associada à longa contagem regressiva para as urnas no Brasil, não assegura, antes constitui uma ameaça à consagração de um ‘Macri’ por essas bandas em 2018.
O festejado efeito Orloff, na verdade, pode assumir contornos de uma pedagógica ressaca no discernimento social.
A cura, porém, não ocorrerá sem luta.
Subtrair da emissão conservadora o monopólio na mediação do debate do desenvolvimento é essencial.
O que empurra o governo Dilma para a agenda do conservadorismo é a virtual inexistência desse chão firme organizado e reflexivo.
No vácuo, predomina a gosma parlamentar.
Essa que transforma em impasse cada medida de urgência para tirar o país do desvio paralisante em que se encontra, como a capitalização da Petrobrás, a reativação do parque empreiteiro, o investimento em infraestrutura e a ampliação da receita através da CPMF.
Não é uma geleia exclusiva.
Há cinco anos, o mundo quase não encontra tempo para respirar.
Manchetes em cascata regurgitam evidências de um magma em erupção.
Desde a eclosão da crise imobiliária nos EUA, a partir de 2007, os fatos se precipitam como a lama que escorre incontrolável pelo vale do rio Doce.
As barragens se romperam, mas a história patina.
Os contornos de uma crise sistêmica asfixiam a luta pelo desenvolvimento e ameaçam devolver a América Latina ao calabouço da Alca e das privatizações dos anos 90.
Restrita aos seus próprios termos, a engrenagem das finanças desreguladas não dispõe de alternativa para o seu próprio colapso.
Uma crise se desdobra em outra. Iniciativas convencionais e cúpulas ‘decisivas’ adquirem a validade de um pote de iogurte.
Sugar nações que lutam pelo seu desenvolvimento, canibalizando seus mercados, sua demanda, triturando o que restou de seu parque industrial e privatizando suas riquezas é um ponto de fuga acalentado quase explicitamente.
A desigualdade construída em décadas de supremacia dos mercados sobre o escrutínio da sociedade pulsa a sede dos alcoólatras na recaída .
Governos que se escudam na busca de indulgência, antecipando-se ao arrocho, correm o risco de serem rejeitados pelo algoz e pelas vítimas.
Nessa rota de colisão, as urnas argentinas reforçam o alerta ao campo progressista brasileiro – inclusive à contrapartida da esquerda que lá votou em branco, numa disputa decidida por 700 mil votos.
A prostração rumo ao matadouro, de quem advoga a rendição à agenda de mercado - ou o salve-se quem puder, dos grupos que agem isoladamente e pretendem se ‘preservar para o pós PT’ - são a própria ração do desespero.
Ambos empanturram a sociedade para ceder a qualquer coisa que, a exemplo de Macri, prometa ’mudar de ares’.
Ainda resta algum tempo para reverter a descrença em engajamento motivado por propostas críveis, associadas a sua extensão organizativa.
É aconselhável ouvir o que as urnas argentinas disseram, sem o intérprete conservador que as vocaliza aqui.
O que elas disseram e que é preciso ir além de Cristina - e não ficar aquém dela.
O ‘efeito Orloff’ borbulha no imaginário do conservadorismo brasileiro após a vitória da direita na Argentina.
O raciocínio linear afirma que como as condições, sobretudo as condições políticas, são semelhantes, o desfecho eleitoral no Brasil, em 2018, será equivalente ao de domingo na Argentina.
Goza-se, algo precocemente, o ‘Macri’ tropical que venceria então o ‘Scioli’ brasileiro.
A crispação e a saturação políticas atribuídas ao kirchnerismo são transportadas para o outro lado da fronteira sem que ninguém se pergunte que ‘doença’ é essa, afinal, congênita’ às fileiras progressistas.
E, menos ainda, se o confronto, que é real, não decorreria do ataque diuturno das baterias rentistas, elitistas e midiáticas às políticas públicas progressistas, predominantes na América Latina na última década.
Outras evidências do viés ideológico saltam à vista.
A vitória de Macri cantada em verso e prosa como o início de uma nova era na Argentina - a da restauração neoliberal - apoiou-se em proporções muito semelhantes às que, no Brasil, segundo a mesma matemática política, teria evidenciado o esgotamento do ‘ciclo petista’.
Foram três pontos percentuais de diferença nos dois casos.
Brasil, 2014: Dilma, 51,64% X Aécio, 48,36%.
Argentina, 2015: Macri, 51,4% X Scioli, 48,58%.
Em termos absolutos, a vitória de Dilma se deu por uma diferença de três milhões e meio de votos; a de Macri, por 700 mil.
Um, reflete o esgotamento de um ciclo intervencionista; o outro, o começo de uma era radiosa de restauração do livres mercados?
Deve haver algum equívoco nessa aritmética versátil em que resultados tão parecidos levam a conclusões peremptoriamente opostas.
A verdade talvez esteja mais próxima daquilo que toscamente se denomina de empates históricos.
Capítulos na vida de uma sociedade em que interesses em confronto chegam a um impasse esgotante.
A reiteração ao longo do tempo desgasta, mastiga e cospe, sucessivamente, governos e partidos que se ofereçam como alternativa sem dispor, de fato, das respostas e, sobretudo, da organização requerida pela encruzilhada da sociedade.
Nesse ponto, justamente nesse ponto, reside o valor de governos comprometidos com a maior democratização da sociedade, para escrutinar o passo seguinte do desenvolvimento; em contraposição a outros que consideram imperativo revogar o controle social sobre os mercados - ainda que para isso tenham que subtrair direitos, submeter famílias assalariadas ao arrocho, alienar riquezas e abastardar conquistas constitucionais.
Curto e grosso: os próximos quatro anos na Argentina serão pedagógicos para quem acha que tanto faz o PT ou o PSDB no poder.
Não significa endossar o ciclo de governos iniciado aqui em 2003.
Tampouco os 12 anos do peronismo kirchnerista na Argentina.
A coerência progressista se ressente no Brasil - de forma ainda mais límpida agora que o tempo escoa no filtro golpista - da contrapartida de um engajamento social à altura das decisões que a reordenação da economia requer.
O gozo da elite brasileira com Macri é compreensível.
A Argentina do ciclo Kirchner é a metáfora de tudo o que o conservadorismo mais rejeita e teme que possa acontecer no Brasil.
Antes e acima de tudo, a politização dos impasses do desenvolvimento que estenda as fronteiras do debate para as ruas.
Se Cristina fez isso (parcialmente) e foi derrotada, não haveria saída à rendição completa do governo Dilma ao cuore dos mercados.
É esse desastre esférico e pedagógico que a popularidade de 50% da insolente Presidenta derrotada domingo sonega e que a estreita vantagem de Macri irradia.
A resiliência do empate histórico exige, assim, que o cinturão midiático ajude a agenda conservadora com doses tóxicas de amnésia política.
Lamuriosos artigos de colunistas insistem na tese da ‘saturação do populismo de confronto’, para legitimar a alvorada da ‘nova era’ inaugurada domingo, com a vitória da carcomida agenda neoliberal.
Não se omita erros, inconsistências e outras fragilidades sabidas e presumidas do peronismo kirchnerista.
Mas a tragédia local não tem seu marco zero na vitória de Néstor Kirchner em 2003.
Ao contrário.
O capítulo mais recente do calvário se deu nas mãos dos centuriões do mesmo receituário neoliberal, nos anos 90, e antes ainda, com o ciclo ditatorial.
Dentes de uma engrenagem indissociável sangraram a democracia, mataram e desapareceram com 30 mil pessoas; quebraram o país irremediavelmente, destruíram seu parque industrial; desmontaram suas empresas públicas; arrocharam o poder de compra das famílias assalariadas e pavimentaram o terreno para o golpe de misericórdia liberal: a renúncia do país à própria moeda.
Tudo isso eclipsado agora no anúncio da ‘nova era liberal’.
Trata-se de um publieditorial (publicidade disfarçada de jornalismo) para revender o pote de iogurte vencido com data adulterada.
Condições adversas de mercado mundial evidenciam um esgotamento mais profundo que ameaça devolver a América Latina ao limbo histórico: a democracia representativa já não consegue suprir o motor do desenvolvimento regional com o impulso transformador que ele requer.
O casal Kirchner afrontou vários limites.
Julgou e colocou generais da ditadura na cadeia; rejeitou a espoliação financeira da dívida externa; controlou preços; impôs um confisco às receitas extras do agronegócio; estatizou a Ferrocarriles Argentinos; estatizou a aereolineas; a previdência social, que se encontrava nas mãos da ganância da banca internacional; enfrentou panelaços e greves do capital.
O mau exemplo estendeu-se até a zona do intolerável.
O governo Cristina incluiu entre as suas prioridades a regulação da mídia, com medidas que afrontaram o monopólio da informação, última trincheira do conservadorismo antes das baionetas.
Não é preciso edulcorar - não se deve edulcorar - dificuldades e erros cometidos nesse percurso em meio a um campo minado.
No momento em que ao poder de mobilidade dos capitais se adiciona a retração das receitas exportadoras de commodities, a América Latina toda vê estreitar-se, perigosamente, seu espaço de soberania estratégica.
Com a indústria esfarelada nos anos 90 pela integração carnal com os EUA - e correspondentes acordos de livre mercado que Macri tentará ressuscitar - privada de acesso ao mercado financeiro mundial, a resistência argentina se ressentiu de uma âncora de apoio que somente agora a China - e o banco dos Brics em fraldas - esboça oferecer.
Não é um ‘erro da crispação kirchnerista’, como quer o colunismo embarcado nos mercados.
A margem de manobra para destravar o horizonte social e econômico coagula-se em toda a América Latina.
O desgaste é inerente ao exercício de um poder que não pode ir além e nem dá sinais concretos de que é capaz de resistir ao aquém na garantia daquilo que foi conquistado - empregos, estabilidade, poder de compra, confiança no futuro, oportunidades e cidadania.
A crispação verdadeira é objetiva e não de maus modos.
A transição de ciclo econômico mundial eliminou o lubrificante externo que permitia avançar pela linha de menor resistência, com ganhos incrementais que se adicionavam à base da pirâmide sem erodir seu topo.
Essa engenharia de coexistência pacífica perdeu o chão firme na longa convalescença de uma crise mundial que se revela um novo normal de baixo crescimento e renovada guerra de espoliação cambial e financeira.
O vale tudo para restituir democracias e mercados ao ‘bom caminho’ está em pleno curso, com a ferocidade conhecida e os aliados locais sabidos.
É nesse entrecho da crise global que se dá a retorno da direita aos palácios de governo da América Latina.
Os blindados editoriais edulcoram o arrocho embutido nessa restauração e não poupam fogo na arte de desinformar.
Compreende-se a sofreguidão.
A virulência previsível do revival na Argentina, associada à longa contagem regressiva para as urnas no Brasil, não assegura, antes constitui uma ameaça à consagração de um ‘Macri’ por essas bandas em 2018.
O festejado efeito Orloff, na verdade, pode assumir contornos de uma pedagógica ressaca no discernimento social.
A cura, porém, não ocorrerá sem luta.
Subtrair da emissão conservadora o monopólio na mediação do debate do desenvolvimento é essencial.
O que empurra o governo Dilma para a agenda do conservadorismo é a virtual inexistência desse chão firme organizado e reflexivo.
No vácuo, predomina a gosma parlamentar.
Essa que transforma em impasse cada medida de urgência para tirar o país do desvio paralisante em que se encontra, como a capitalização da Petrobrás, a reativação do parque empreiteiro, o investimento em infraestrutura e a ampliação da receita através da CPMF.
Não é uma geleia exclusiva.
Há cinco anos, o mundo quase não encontra tempo para respirar.
Manchetes em cascata regurgitam evidências de um magma em erupção.
Desde a eclosão da crise imobiliária nos EUA, a partir de 2007, os fatos se precipitam como a lama que escorre incontrolável pelo vale do rio Doce.
As barragens se romperam, mas a história patina.
Os contornos de uma crise sistêmica asfixiam a luta pelo desenvolvimento e ameaçam devolver a América Latina ao calabouço da Alca e das privatizações dos anos 90.
Restrita aos seus próprios termos, a engrenagem das finanças desreguladas não dispõe de alternativa para o seu próprio colapso.
Uma crise se desdobra em outra. Iniciativas convencionais e cúpulas ‘decisivas’ adquirem a validade de um pote de iogurte.
Sugar nações que lutam pelo seu desenvolvimento, canibalizando seus mercados, sua demanda, triturando o que restou de seu parque industrial e privatizando suas riquezas é um ponto de fuga acalentado quase explicitamente.
A desigualdade construída em décadas de supremacia dos mercados sobre o escrutínio da sociedade pulsa a sede dos alcoólatras na recaída .
Governos que se escudam na busca de indulgência, antecipando-se ao arrocho, correm o risco de serem rejeitados pelo algoz e pelas vítimas.
Nessa rota de colisão, as urnas argentinas reforçam o alerta ao campo progressista brasileiro – inclusive à contrapartida da esquerda que lá votou em branco, numa disputa decidida por 700 mil votos.
A prostração rumo ao matadouro, de quem advoga a rendição à agenda de mercado - ou o salve-se quem puder, dos grupos que agem isoladamente e pretendem se ‘preservar para o pós PT’ - são a própria ração do desespero.
Ambos empanturram a sociedade para ceder a qualquer coisa que, a exemplo de Macri, prometa ’mudar de ares’.
Ainda resta algum tempo para reverter a descrença em engajamento motivado por propostas críveis, associadas a sua extensão organizativa.
É aconselhável ouvir o que as urnas argentinas disseram, sem o intérprete conservador que as vocaliza aqui.
O que elas disseram e que é preciso ir além de Cristina - e não ficar aquém dela.
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