segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O ódio no ato pró-golpe em Brasília

Por Najla Passos, no site Carta Maior:



Cerca de seis mil pessoas participaram da manifestação pró-impeachment na capital federal, neste domingo (13), conforme levantamento da Polícia Militar. Os organizadores estimaram em 30 mil. O protesto, marcado para às 10h, demorou para pegar porque, com a organização descentralizada, parte dos manifestantes acabou indo direto para o Congresso Nacional e outra parte se concentrou em frente ao Museu da República. Os dois grupos se encontraram em frente ao Congresso por volta das 11h30, mas, logo em seguida, uma chuva rápida dissipou os presentes. Às 13h, o protesto já havia terminado.

Antes disso, o grupo já posicionado em frente ao Congresso, sob coordenação do Movimento Brasil Livre (MBL), cantou o hino nacional e gritou palavras de ordem contra a presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT. Nas falas que se sucederam no carro de som, Lula era sistematicamente associado às palavras “bandido” e “safado”. Já Dilma, vinha sempre seguida do adjetivo “vagabunda”.

Do carro de som, os organizadores conclamavam os participantes dispersos a se reunirem em frente ao Congresso porque “a Globo News estava anunciando que só tinham 600 pessoas na manifestação em Brasília”. No local, faixas faziam alusão à “mídia vendida” que, inexplicavelmente, na avaliação dos organizadores, atua em favor do PT.

A boneca inflável batizada por eles de “BanDilma” era protegida por um cordão de manifestantes. “Nós já identificamos petistas infiltrados e, como eles nos odeiam, vão tentar furar nossa boneca. Precisamos que todos nos ajudem a defendê-la”, conclamavam do carro de som. A ameaça real, no entanto, era outra: um enxame de abelhas que habitava uma colmeia próxima ao local onde a boneca foi inflamada atacou alguns manifestantes.

Eram aposentados, homens e mulheres embrulhados na bandeira do Brasil, jovens de bicicleta, patins e skates. No geral, um público de perfil social bem previsível: branco e de classe média. Abundavam as camisas da seleção brasileira, os óculos de grife, os tênis de marcas importadas... até salto alto e colares de ouro não eram raros.

Nos gramados do Congresso, crianças brincavam com as miniaturas dos bonecos da “BanDilma” e do “Lula Presidiário”. Senhoras empurravam carrinhos de bebê com seus pets de raça. Havia fila para se conseguir uma máscara do juiz Sérgio Moro, o responsável pela Lava Jato. Máscaras de Lula e Dilma travestidos de zumbis também eram comuns.

Os revoltados off line

No carro de som, os organizadores da marcha criticavam o “comunismo instaurado no país” e prometiam uma manifestação democrática, onde todos teriam voz. Com o microfone aberto ao público, a professora Eliane Pedrosa, natural de Pernambuco, pediu a palavra. Negou que tenham sido os nordestinos que elegeram Dilma, como ela costuma ouvir. “As urnas foram todas adulteradas”, afirmou.

Um senhor que se dizia piloto de aviação civil de uma companhia aérea paulista alertou os demais sobre os reais interesses petistas. Segundo ele, o PT trabalha para os ingleses, que desde o descobrimento querem colonizar o Brasil.

O consultor de empresas e professor Eduardo Bakler aconselhou os presentes a terem cuidado com o que chamou de “narrativa mentirosa vendida pela mídia”, segundo a qual a crise econômica teria causas externas. “A economia não está parada por causa da crise. E a crise só vai acabar quando essa senhora sair da presidência”, tentava justificar.

Roberto Pantoja – um cirurgião plástico da capital já condenado por erro médico – abusou da criatividade para defender que o impeachment seja cozinhado em banho-maria, como quer o presidente da Câmara e a oposição, para ganharem tempo suficiente para conseguir mais apoio para o golpe.

“Tem político querendo um impeachment rápido para mudar o ministro da Justiça e, com isso, mudar toda a Polícia Federal (PF) também. Mas isso a gente não quer. Nós queremos o impeachment, mas com a PF como está aí”, argumentou.

Sobre Cunha, defesa ou omissão

Um homem que se identificou como professor de lutas marciais, do Movimento Esportistas da Luta por um Brasil mais Ético, afirmou, categórico, que o maior problema do Brasil é o Congresso Nacional, o Legislativo. Mas apontou uma solução que em nada dialogo com o diagnóstico: a cassação da presidenta do Executivo.

Nenhuma palavra sequer sobre as arbitrariedades cometidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na condução do processo de impeachment ou mesmo sobre os crimes que lhe são atribuídos pela mesma Polícia Federal e pelo mesmo Ministério Público que várias faixas parabenizavam.

Em toda a manifestação, a reportagem não conseguiu identificar nenhuma faixa propondo o Fora Cunha. Ao contrário, simpatizantes do deputado carregavam um cartaz com os dizeres: “Cunha boi de piranha”.

Democrática, mas nem tanto...

A manifestação dita “democrática”, na qual “todos teriam voz”, durou pouco. Quando a presidente da Associação das Esposas dos Militares das Forças Armadas, Ivone Luzardo, tomou o microfone para fazer apologia a um outro tipo de golpe, que ela chama de “intervenção militar constitucional”, sua palavra foi imediatamente cassada.

No carro de som, os organizadores pediam que os “intervencionistas” respeitassem a opção do movimento pelo impeachment. “Estamos todos do mesmo lado, gente”, gritava a principal animadora do evento, na tentativa de acalmar os ânimos. Ninguém citou a coincidência entre a data do protesto e o 47º aniversário do Ato Institucional nº 5, que deu início ao período mais duro da ditadura militar no país.

Os organizadores não deram direito à fala ao deputado Antônio Imbassay (PSDB-BA), que passou por lá para apoiar a manifestação. Mas destacaram sua presença e o elogiaram bastante. “Nós criticamos os políticos, mas também sabemos reconhecer aqueles que estão do lado das nossas causas”, destacou a animadora, do carro de som.

Ódio ao PT une grupos diversos

As faixas levadas pelos manifestantes desvelavam a ampla diversidade de posições unificadas pelo único propósito comum: o ódio ao PT. À revelia das posições inclusivas e progressistas do Papa Francisco, um grupo de católicos ressuscitou encíclicas dos papas Leão 23 e Pio 12. “Todo católico que apoia socialismo/comunismo está excomungado”, dizia a faixa que portavam. Os maçons também marcaram presença, com faixas que apresentavam “os filhos de Salomão 2311 contra a corrupção”.

Bernardo Cerveró - o filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, preso e condenado por participar do esquema de propinas da estatal - foi alçado ao posto de novo herói nacional. Ele foi o responsável por repassar ao Ministério Público a gravação que sustentou a prisão do senador petista Delcídio do Amaral, acusado de tentar obstruir a justiça.

“Parabéns, Bernardo Cerveró”, dizia uma faixa.

O programa Bolsa Família, premiado internacionalmente por ter ajudado a retirar milhões de brasileiros da miséria, voltou a ser objeto da crítica conservadora. “Bolsa Família: o maior programa de compra de votos do mundo”, diziam vários cartazes distribuídos no protesto. O velho preconceito contra a deficiência do ex-presidente Lula também voltou a aflorar. “Imagina se ele tivesse todos os dedos”, dizia outra faixa.

Contra o golpe do STF

No carro de som, os organizadores ressaltavam o clima de “esquenta” deste protesto que, segundo eles, precisa ganhar mais adesão para provocar o impeachment. A principal orientação para a semana é a de que todos os manifestantes fiquem de olho no Supremo Tribunal Federal (STF) que, segundo eles, ameaça “dar um golpe na democracia brasileira e impedir o impeachment constitucional”.

Para a semana, eles conclamavam os presentes a participarem dos protestos que pretendem organizar em frente a casa dos onze ministros da corte máxima, em especial do ministro Edson Fachin, responsável pela liminar que suspendeu a tramitação do impeachment até que o STF defina as regras do jogo, em sessão marcada para a próxima quarta (13). Para os manifestantes, foram corretas as manobras de Cunha que resultaram na eleição da chapa da oposição para conduzir o processo na Câmara, via voto secreto.

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