quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Os entraves à comunicação pública no país

Do site do FNDC:

Um dos principais problemas enfrentados pela comunicação pública no Brasil é justamente a falta de entendimento do que seja, de fato, comunicação pública. Embora não seja novidade, a questão, mais uma vez, adquiriu relevância durante o Seminário Um Ano do Fórum Brasil de Comunicação Pública, realizado pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom) nesta terça (15/12), na Câmara dos Deputados.

Ingerência política na pauta dos programas jornalísticos, sucateamento da infraestrutura das emissoras e aparelhamento dos conselhos curadores foram temas comuns apontados por representantes de algumas entidades participantes do evento, como as associações brasileiras de TVs e Rádios Legislativas (Astral) e das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Fundação Piratini (TVE RS) e do Movimento Cultura Viva, além da representação dos trabalhadores e trabalhadoras da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Enquanto a EBC prossegue vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR) e enfrentando cortes no orçamento, por exemplo, emissoras estaduais padecem dos mesmos problemas e ainda precisam lidar com conselhos deliberativos totalmente alinhados com governos estaduais, como denunciaram Nico Prado Jr., do Movimento Cultura Viva, e Lucas Guarnieri, da Fundação Piratini, que participaram da Mesa 2: Autonomia e Participação nas Emissoras do Campo Público.

Pessimista, Prado Jr. afirmou não ver solução de curto prazo para a TV Cultura. Segundo ele, 90% da grade da programação infantil da emissora são importados e somente três horas diárias de programação são exibidas atualmente, sendo que mais de metade desse tempo é dedicado a programas jornalísticos. Além disso, pautas que não interessam ao governo estadual não são incluídas na programação ou são discutidas sob um viés totalmente partidário, onde prevalece a visão do governo Alckmin. “Exemplo disso foi a edição do Roda Viva que falou sobre o movimento de ocupação das escolas estaduais pelos alunos secundaristas com o ex-secretário estadual de educação Herman Voorwald. A bancada de entrevistadores foi escolhida a dedo. Não houve sequer uma palavra contrária à “reorganização” proposta pelo governo”.

Ainda segundo Prado Jr., o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta “simplesmente assina embaixo os desejos do governo e nunca questionou situações como as demissões em massa que ocasionaram queda na qualidade da programação”.

Guarnieri, por sua vez, afirmou que a TVE RS “tem sofrido com a bipolaridade política e a falta de autonomia de investimentos”. Segundo ele, entre 2006 e 2010 a Fundação Piratini quase fechou, o que não aconteceu devido à grande mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras. “Este ano, nosso orçamento foi de R$ 30 milhões, dos quais mais de 50% são destinados à folha de pagamento. Dos R$ 500 mil previstos inicialmente para investimentos, metade foram contingenciados. Para 2016, a previsão orçamentária é de R$ 30 milhões e mais contingenciamento”, resumiu.

De acordo com Guarnieri, o Conselho Curador da Fundação voltou a ser respeitado pela direção da casa e tem participação social expressiva, mas muitas vezes cumpre um papel “apenas avaliativo”. Outra situação relatada pelo representante dos trabalhadores e trabalhadoras é o assédio moral.

EBC

Soane Guerreiro, representante dos trabalhadores e trabalhadoras da EBC, usou o termo “porta giratória” para definir a vinculação da empresa à Secom/PR e afirmou que ela é ruim para a autonomia interna e para a sociedade e se reflete no conteúdo das emissoras. “Essa vinculação dificulta muito a diferenciação entre o que é público e o que é estatal”. Segundo ela, apesar dos avanços obtidos com a recente greve, cerca de 90% dos apresentadores da casa não são concursados e um dos programas mais premiados feito majoritariamente por profissionais da casa, o Caminhos da Reportagem, terá orçamento de R$ 180 mil para 2016, enquanto outros programas feitos por “profissionais de fora” têm orçamento de até R$ 2 milhões.

Para Israel do Vale, presidente da Abepec, o financiamento é um dos grandes dilemas do campo público. Segundo ele, é preciso repensar a distribuição dos recursos públicos destinados ao setor para construir um caminho que possa levar ao fortalecimento dessas emissoras. Bia Barbosa, mediadora das discussões sobre autonomia, avaliou que a dificuldade de compreensão do caráter da comunicação pública “não tem coloração partidária é consequência da falta de cultura sobre comunicação pública no país”.

Renata Mielli, secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, chamou atenção para a necessidade de políticas públicas capazes de garantir as conquistas obtidas no campo da comunicação pública até o momento. “Precisamos enfrentar a criminalização das rádios comunitárias, a desburocratização no processo de outorgas dessas emissoras, e garantir espaço para as emissoras públicas nos canais abertos”. Para Renata, também é preciso garantir condições de existência para as emissoras já outorgadas.

Renata chamou atenção para o retrocesso recente do campo da comunicação na Argentina, com a vitória do campo conservador para a presidência do país. “É verdade que tivemos avanços, como o Plano Nacional de Outorgas, a descentralização dos recursos federais destinados à publicidade, a regulamentação dos canais da Cultura e da Educação, mas isso tudo pode ser objeto de retrocesso dependendo do resultado das disputas que acontecem agora no país”.
TV Câmara

Outro participante do Seminário, o jornalista Lincoln Macário falou sobre a situação dos trabalhadores e trabalhadoras da TV Câmara após a intervenção promovida pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha, desde que assumiu o mandato. A emissora, aliás, completou 18 anos de fundação nesta terça e, diferente de outras emissoras do campo público, conseguiu se pautar pelo interesse público, sem sofrer intervenções indevidas, até Cunha assumir a presidência da Câmara. Para Macário, é preciso garantir a institucionalização do caráter público da emissora por meio de resoluções da Mesa Diretora da Casa.

Lincoln afirmou que os trabalhadores e trabalhadoras dos veículos de comunicação da Câmara têm resistido às investidas da presidência da Casa e até conseguido algumas vitórias, como a retirada de um funcionário lotado no gabinete da presidência da ilha de edição, mas ainda precisam enfrentar a cultura de que as emissoras do Legislativo Federal existem somente para fazer divulgação institucional.

Articulação nacional

Ao final das discussões, a deputada Luiza Erundina, coordenadora da Frentecom, sugeriu a criação de uma instância nacional de articulação de todos os órgãos e entidades de comunicação pública como uma estratégia de fortalecimento do setor e a formação de uma agenda voltada para as eleições municipais de 2016. “Precisamos debater a importância da comunicação pública com os candidatos a prefeito, pelo menos nas grandes capitais”, justificou a deputada. Com relação à situação há muito denunciada na Fundação Padre Anchieta, a parlamentar sugeriu a realização de uma audiência pública com a participação de deputados estaduais e federais.

Seminário

O Seminário também teve a participação do representante do Ministério das Comunicações, Octavio Penna Pieranti; do Secretário de Comunicação Integrada da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Alessandro Godinho; e do presidente da EBC, Américo Martins, e da vice-presidenta da Astral, Evelin Maciel.

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