Por Guilherme Boulos, no site Outras Palavras:
A discussão se há ou não um golpe em curso no Brasil deixou de ser uma controvérsia acadêmica. Invadiu ruas e praças. Está nas mesas de botequim.
Muitos fazem analogia com 1964, quando os militares derrubaram o presidente João Goulart e estabeleceram uma ditadura que durou 20 anos. Há paralelos, é verdade: o engajamento de entidades empresariais, a atuação partidária da maioria da imprensa e o uso abusivo do mote da corrupção – empunhado inclusive por corruptos notórios– para insuflar manifestações de rua.
Mas há também muitas diferenças.
Em 1964, o governo de Jango encampou o programa das reformas de base, que incluía os projetos de lei das reformas agrária e urbana, controle da remessa de lucros para o exterior, dentre outras medidas que enfrentavam a elite econômica. Por isso foi derrubado.
A situação com Dilma é outra. É verdade que setores da burguesia e da classe média urbana se incomodam com as políticas sociais dos governos petistas, com a ampliação do crédito popular e o aumento da massa salarial. Mas é igualmente verdade que, no segundo mandato, Dilma tem aplicado a regressão dessas próprias políticas.
A agenda atual do governo nada tem de popular. É a agenda da austeridade, com corte de investimentos sociais. São as reformas da previdência e fiscal, exigidas pela banca. Querem derrubar Dilma não por terem seus projetos contrariados, mas pela avaliação de que seu governo não tem força para levá-los adiante.
Essa é uma importante diferença entre 1964 e 2016. Outra é a participação dos militares. Não há tanques nas ruas e –até onde se sabe– tampouco agitação nas casernas.
Mas, mesmo assim, há golpe. É isso que precisa ser compreendido: o golpismo de ontem não é o mesmo que o de hoje. Os golpes militares clássicos saíram de moda. Não há mais espaço para a marcha do general Olímpio Mourão nem para o bombardeio do Palácio de La Moneda.
Os golpes de hoje são de novo tipo. São “forçagens” na institucionalidade, com respaldo parlamentar e –por vezes– legitimação judicial.
Em Honduras, o presidente Manoel Zelaya foi derrubado em 2009 por um golpe com legitimação da Corte do país. Um avião o exilou na Costa Rica. Determinaram sua prisão por “crime de traição”. Mas o mundo inteiro acusou o golpe. O país foi suspenso pela OEA. Até vozes reacionárias tiveram que se expressar.
No Paraguai, em 2012, o presidente Fernando Lugo foi deposto por um impeachment sem razão jurídica, acusado apenas pelo “fraco desempenho de suas funções”. Golpe cuspido e escarrado, reconhecido internacionalmente como tal. O Paraguai foi suspenso do Mercosul.
Na ocasião, o jurista brasileiro Pedro Serrano disse: “O que houve foi um ‘julgamento’ a jato e de exceção. O prazo de defesa foi exíguo, sem a oferta da devida dilação probatória, as acusações têm caráter preponderantemente ideológico e não de juízo de ilicitude na conduta. A decisão já se encontrava decidida e escrita antes da apresentação da defesa”.
O modelo de golpe orquestrado pela direita brasileira –com amplo apoio no empresariado e na mídia– é o paraguaio. Querem estabelecer para nossa democracia (já limitada) o parâmetro da ainda mais frágil democracia paraguaia.
Junto com o retrocesso institucional vem o clima macarthista de intolerância, o desrespeito a garantias constitucionais e, seguramente, um aprofundamento do ataque aos direitos sociais das maiorias. O Brasil pode demorar décadas para se recuperar deste golpe e cicatrizar as feridas.
Por isso este é um momento de resistência. Não pelas políticas do governo de Dilma, mas apesar delas. Resistência pelas liberdades democráticas, pelo direito de ir às ruas com a cor que quiser para defender o que quiser. Resistência contra uma imprensa partidarizada e um Judiciário seletivo. Resistência por saber o que vem depois.
Nesta quinta-feira (24) haverá mobilizações pelo país em defesa da democracia e de uma saída popular para a crise. Em São Paulo, o largo da Batata estará repleto de povo –de todas as cores e origens– com a coragem dos resistentes. No próximo dia 31 milhares se concentrarão pelas mesmas causas em Brasília.
Resistir é preciso. Ao menos nisso, o Paraguai não será aqui.
A discussão se há ou não um golpe em curso no Brasil deixou de ser uma controvérsia acadêmica. Invadiu ruas e praças. Está nas mesas de botequim.
Muitos fazem analogia com 1964, quando os militares derrubaram o presidente João Goulart e estabeleceram uma ditadura que durou 20 anos. Há paralelos, é verdade: o engajamento de entidades empresariais, a atuação partidária da maioria da imprensa e o uso abusivo do mote da corrupção – empunhado inclusive por corruptos notórios– para insuflar manifestações de rua.
Mas há também muitas diferenças.
Em 1964, o governo de Jango encampou o programa das reformas de base, que incluía os projetos de lei das reformas agrária e urbana, controle da remessa de lucros para o exterior, dentre outras medidas que enfrentavam a elite econômica. Por isso foi derrubado.
A situação com Dilma é outra. É verdade que setores da burguesia e da classe média urbana se incomodam com as políticas sociais dos governos petistas, com a ampliação do crédito popular e o aumento da massa salarial. Mas é igualmente verdade que, no segundo mandato, Dilma tem aplicado a regressão dessas próprias políticas.
A agenda atual do governo nada tem de popular. É a agenda da austeridade, com corte de investimentos sociais. São as reformas da previdência e fiscal, exigidas pela banca. Querem derrubar Dilma não por terem seus projetos contrariados, mas pela avaliação de que seu governo não tem força para levá-los adiante.
Essa é uma importante diferença entre 1964 e 2016. Outra é a participação dos militares. Não há tanques nas ruas e –até onde se sabe– tampouco agitação nas casernas.
Mas, mesmo assim, há golpe. É isso que precisa ser compreendido: o golpismo de ontem não é o mesmo que o de hoje. Os golpes militares clássicos saíram de moda. Não há mais espaço para a marcha do general Olímpio Mourão nem para o bombardeio do Palácio de La Moneda.
Os golpes de hoje são de novo tipo. São “forçagens” na institucionalidade, com respaldo parlamentar e –por vezes– legitimação judicial.
Em Honduras, o presidente Manoel Zelaya foi derrubado em 2009 por um golpe com legitimação da Corte do país. Um avião o exilou na Costa Rica. Determinaram sua prisão por “crime de traição”. Mas o mundo inteiro acusou o golpe. O país foi suspenso pela OEA. Até vozes reacionárias tiveram que se expressar.
No Paraguai, em 2012, o presidente Fernando Lugo foi deposto por um impeachment sem razão jurídica, acusado apenas pelo “fraco desempenho de suas funções”. Golpe cuspido e escarrado, reconhecido internacionalmente como tal. O Paraguai foi suspenso do Mercosul.
Na ocasião, o jurista brasileiro Pedro Serrano disse: “O que houve foi um ‘julgamento’ a jato e de exceção. O prazo de defesa foi exíguo, sem a oferta da devida dilação probatória, as acusações têm caráter preponderantemente ideológico e não de juízo de ilicitude na conduta. A decisão já se encontrava decidida e escrita antes da apresentação da defesa”.
O modelo de golpe orquestrado pela direita brasileira –com amplo apoio no empresariado e na mídia– é o paraguaio. Querem estabelecer para nossa democracia (já limitada) o parâmetro da ainda mais frágil democracia paraguaia.
Junto com o retrocesso institucional vem o clima macarthista de intolerância, o desrespeito a garantias constitucionais e, seguramente, um aprofundamento do ataque aos direitos sociais das maiorias. O Brasil pode demorar décadas para se recuperar deste golpe e cicatrizar as feridas.
Por isso este é um momento de resistência. Não pelas políticas do governo de Dilma, mas apesar delas. Resistência pelas liberdades democráticas, pelo direito de ir às ruas com a cor que quiser para defender o que quiser. Resistência contra uma imprensa partidarizada e um Judiciário seletivo. Resistência por saber o que vem depois.
Nesta quinta-feira (24) haverá mobilizações pelo país em defesa da democracia e de uma saída popular para a crise. Em São Paulo, o largo da Batata estará repleto de povo –de todas as cores e origens– com a coragem dos resistentes. No próximo dia 31 milhares se concentrarão pelas mesmas causas em Brasília.
Resistir é preciso. Ao menos nisso, o Paraguai não será aqui.
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