Por Camila Tribess, no site Brasil Debate:
O que reunia todas essas diferenças, para além da defesa da lei, da ordem e dos bons costumes? Tinham todos uma profunda aversão ao protagonismo crescente das classes trabalhadoras na história republicana brasileira depois de 1945. Não se tratava, muitas vezes, de algo racional. No mais das vezes, era uma reação instintiva, uma coisa epidérmica, uma náusea, um desgosto ver aquelas gentes simplórias, subalternas, ascender a posições de influência e mando. Vindas não se sabia de onde, como que emergindo dos bueiros, estavam agora nos palácios, nas solenidades. Pessoas bregas, cafonas, não se vestiam direito, nem sabiam falar, como poderiam ser autorizadas a fazer política e a frequentar os palácios? Era urgente fazê-las voltar ao lugar de onde nunca deveriam ter saído: o andar de baixo.
(Daniel Aragão Reis – O colapso do populismo: acerca de uma herança maldita. 2001)
Friedrich List, economista alemão adepto do protecionismo, foi popularizado recentemente por um economista sul coreano que questiona as “receitas” dos países ricos para os países em desenvolvimento. Surge assim uma expressão interessante que define bem o que muita gente das classes médias estão querendo hoje no Brasil: chutar a escada!
É impressionante e urgente ouvir e compreender como pessoas que de fato trabalharam muito para fazer uma faculdade, ter um bom emprego – apesar de milhões de dificuldades financeiras e sociais – hoje se colocam como exemplos de pessoas bem-sucedidas e sentem uma raiva inexplicável, um verdadeiro ódio de classe contra aqueles que estão trilhando caminho parecido ao seu.
Os inimigos são a empregada doméstica que conseguiu que o filho faça faculdade; o porteiro que conseguiu financiar uma viagem em 10x; a prima pobre que conseguiu comprar um apartamento pelo Minha Casa Minha Vida.
As classes hoje favorecidas do país conseguiram subir – pelo seu trabalho e esforço, mas principalmente por uma conjuntura favorável de crescimento econômico nacional – e agora, na hora da crise, querem “chutar a escada”, ou seja, aplicar medidas de governos de direita ou liberais que impeçam de fato que aqueles que ainda estão na base da pirâmide possam subir também.
Não querem justiça social nem políticas públicas que garantam diminuição das desigualdades. Seu ódio de classe não é contra quem os explora, mas sim contra os que, supostamente, podem concorrer com eles.
Querem empregada doméstica barata e sem direitos trabalhistas, querem escola particular para os seus filhos e que os filhos dos pobres continuem nas escolas públicas sucateadas. Querem os negros longe das universidades e querem ir fazer algum trabalho voluntário, contar histórias pra velhinhos em asilos e dar alguma esmola na rua para afagarem seus corações em processo de congelamento. O que não percebem é que na rifa das classes sociais e econômicas do país (ou seria do mundo?) as classes médias também perdem – e muito – seu poder político e econômico com as guinadas à direita.
A questão central dessa ideia de “chutar a escada” (ou seja, impedir que novos grupos ascendam socialmente) é garantir privilégios, mas nisso quem é especialista são as classes de fato detentoras de capital e que não hesitam em criar crises para lucrar com especulações. Engana-se aquele que acredita nas medidas de austeridade e liberalismo para garantir seus privilégios de classe média, de país médio.
Essas medidas, como apontou List, não são as que os países que querem se tornar desenvolvidos deveriam utilizar e, como atualizou Ha-Joon Chang, se estes mesmos países utilizassem seus próprios “conselhos”, não teriam economias desenvolvidas e fortes hoje.
Da mesma forma, com o perdão da analogia simplista, se essa classe média que hoje esbraveja contra os programas sociais e defende o ajuste fiscal liberal tivesse que crescer social e economicamente num contexto liberal, provavelmente não teria tido o sucesso que teve em um contexto diverso. É o clássico caso daqueles jovens que defendem o Estado mínimo, mas estudam para passar em concursos públicos. O problema é que quando essas pessoas que hoje querem chutar a escada perceberem que também dependem de salários, de aposentadorias e de incentivos do governo… bem, aí eles já terão sido jogados pra baixo, junto com a escada que ajudaram a chutar.
O que reunia todas essas diferenças, para além da defesa da lei, da ordem e dos bons costumes? Tinham todos uma profunda aversão ao protagonismo crescente das classes trabalhadoras na história republicana brasileira depois de 1945. Não se tratava, muitas vezes, de algo racional. No mais das vezes, era uma reação instintiva, uma coisa epidérmica, uma náusea, um desgosto ver aquelas gentes simplórias, subalternas, ascender a posições de influência e mando. Vindas não se sabia de onde, como que emergindo dos bueiros, estavam agora nos palácios, nas solenidades. Pessoas bregas, cafonas, não se vestiam direito, nem sabiam falar, como poderiam ser autorizadas a fazer política e a frequentar os palácios? Era urgente fazê-las voltar ao lugar de onde nunca deveriam ter saído: o andar de baixo.
(Daniel Aragão Reis – O colapso do populismo: acerca de uma herança maldita. 2001)
Friedrich List, economista alemão adepto do protecionismo, foi popularizado recentemente por um economista sul coreano que questiona as “receitas” dos países ricos para os países em desenvolvimento. Surge assim uma expressão interessante que define bem o que muita gente das classes médias estão querendo hoje no Brasil: chutar a escada!
É impressionante e urgente ouvir e compreender como pessoas que de fato trabalharam muito para fazer uma faculdade, ter um bom emprego – apesar de milhões de dificuldades financeiras e sociais – hoje se colocam como exemplos de pessoas bem-sucedidas e sentem uma raiva inexplicável, um verdadeiro ódio de classe contra aqueles que estão trilhando caminho parecido ao seu.
Os inimigos são a empregada doméstica que conseguiu que o filho faça faculdade; o porteiro que conseguiu financiar uma viagem em 10x; a prima pobre que conseguiu comprar um apartamento pelo Minha Casa Minha Vida.
As classes hoje favorecidas do país conseguiram subir – pelo seu trabalho e esforço, mas principalmente por uma conjuntura favorável de crescimento econômico nacional – e agora, na hora da crise, querem “chutar a escada”, ou seja, aplicar medidas de governos de direita ou liberais que impeçam de fato que aqueles que ainda estão na base da pirâmide possam subir também.
Não querem justiça social nem políticas públicas que garantam diminuição das desigualdades. Seu ódio de classe não é contra quem os explora, mas sim contra os que, supostamente, podem concorrer com eles.
Querem empregada doméstica barata e sem direitos trabalhistas, querem escola particular para os seus filhos e que os filhos dos pobres continuem nas escolas públicas sucateadas. Querem os negros longe das universidades e querem ir fazer algum trabalho voluntário, contar histórias pra velhinhos em asilos e dar alguma esmola na rua para afagarem seus corações em processo de congelamento. O que não percebem é que na rifa das classes sociais e econômicas do país (ou seria do mundo?) as classes médias também perdem – e muito – seu poder político e econômico com as guinadas à direita.
A questão central dessa ideia de “chutar a escada” (ou seja, impedir que novos grupos ascendam socialmente) é garantir privilégios, mas nisso quem é especialista são as classes de fato detentoras de capital e que não hesitam em criar crises para lucrar com especulações. Engana-se aquele que acredita nas medidas de austeridade e liberalismo para garantir seus privilégios de classe média, de país médio.
Essas medidas, como apontou List, não são as que os países que querem se tornar desenvolvidos deveriam utilizar e, como atualizou Ha-Joon Chang, se estes mesmos países utilizassem seus próprios “conselhos”, não teriam economias desenvolvidas e fortes hoje.
Da mesma forma, com o perdão da analogia simplista, se essa classe média que hoje esbraveja contra os programas sociais e defende o ajuste fiscal liberal tivesse que crescer social e economicamente num contexto liberal, provavelmente não teria tido o sucesso que teve em um contexto diverso. É o clássico caso daqueles jovens que defendem o Estado mínimo, mas estudam para passar em concursos públicos. O problema é que quando essas pessoas que hoje querem chutar a escada perceberem que também dependem de salários, de aposentadorias e de incentivos do governo… bem, aí eles já terão sido jogados pra baixo, junto com a escada que ajudaram a chutar.
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