segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Um punhado de otários consumistas

Por Ladislau Dowbor, na Rede Brasil Atual:

Eu costumava jogar futebol bem, e ia com meu pai ver o Corinthians jogar no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Mas, principalmente, brincávamos entre nós, onde e quando podíamos, com bolas improvisadas ou reais. Isso não é nostalgia dos bons tempos, mas um sentimento confuso de que quando o esporte foi reduzido a ver grandes caras fazendo grandes coisas na TV, enquanto a gente mastiga alguma coisa e bebe uma cerveja, não é o esporte, mas a cultura no seu sentido mais amplo, que se transformou numa questão de produção e consumo. Não em alguma coisa que nós próprios criamos.

Em Toronto, fiquei pasmo ao ver tanta gente brincando em tantos lugares, crianças e gente idosa, porque espaços públicos ao ar livre podem ser encontrados em todo canto. Aparentemente, eles sobrevivem divertindo-se juntos. Mas isso não é o mainstream, obviamente. A indústria de entretenimento penetrou em cada moradia, em todo computador, todo telefone celular, sala de espera, ônibus. Somos um terminal, em um estranho e gigante bate-papo global, com evidentes exceções, financiado pela publicidade.

A enorme indústria de publicidade é por sua vez financiada por uma meia dúzia de corporações gigantes cuja estratégia de sobrevivência e expansão é baseada na transformação das pessoas em consumidores. O sistema funciona porque adotamos, docilmente, comportamentos consumistas obsessivos, em vez de fazer música, pintar uma paisagem, cantar com um grupo de amigos, jogar futebol ou nadar numa piscina com nossas crianças.

Que monte de idiotas consumistas nós somos, com nossos apartamentos de dois ou três quartos, sofá, TV, computador e telefone celular, assistindo o que outras pessoas fazem.

Quem precisa de uma família? No Brasil o casamento dura 14 anos e está diminuindo, nossa média é de 3,1 pessoas por moradia. Na Europa são 2,4. Nos Estados Unidos, 25% das moradias têm um casal com crianças. O mesmo na Suécia. A obesidade prospera, graças ao sofá, a geladeira, o aparelho de TV e as guloseimas. Prosperam também as cirurgias infantis de obesidade. E você pode comprar um relógio de pulso que pode dizer quão rápido seu coração está batendo depois de andar dois quarteirões. E uma mensagem já foi enviada ao seu médico. O que tudo isso significa?

Entendo cultura como a maneira pela qual organizamos nossas vidas. Família, trabalho, esportes, música, dança, tudo o que torna minha vida digna de ser vivida. Leio livros, e tiro um cochilo depois do almoço, como todo ser humano deveria fazer. Todos os mamíferos dormem depois de comer, somos os únicos ridículos bípedes que correm para o trabalho. Claro, há esse terrível negócio do PIB. Todas as coisas prazerosas que mencionei não aumentam o PIB – muito menos minha sesta na rede. Elas apenas melhoram nossa qualidade de vida. E o PIB é tão importante que o Reino Unido incluiu estimativas sobre prostituição e venda de drogas para aumentar as taxas de crescimento.

Necessitamos de um choque de realidade. A desventura da Terra não vai desaparecer, levantar paredes e cercas não vai resolver nada, o desastre climático não vai ser interrompido (a não ser se alterarmos nosso mix de tecnologia e energia), o dinheiro não vai fluir aonde deveria (a não ser que o regulemos), as pessoas não criarão uma força política forte o suficiente para apoiar as mudanças necessárias (a não ser que estejam efetivamente informadas sobre nossos desafios estruturais). Enquanto isso, Olimpíadas e MSN (Messi, Suárez, Neymar para os analfabetos) nos mantêm ocupados em nossos sofás. Como ficará, com toda a franqueza, o autor destas linhas. Sursum corda.

* Ladislau Dowbor é professor nas pós-graduações em Economia e em Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e consultor das Nações Unidas. Este texto é trecho de “Crônica em meio à crise global”, cuja íntegra está no site Outras Palavras. bit.ly/cronica_dowbor.

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