Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Não é preciso ter muita imaginação para antecipar a explicação convencional para a derrota histórica sofrida pelo Partido dos Trabalhadores nas eleições municipais, em particular em São Paulo, maior cidade brasileira e tradicional referência para o debate político. Passaremos os próximos dias a ouvir que o PT foi punido por seus próprios erros e pagou por eles. Adversários históricos do partido que desde o nascimento esteve no centro das principais lutas dos trabalhadores e da população mais pobre do país irão profetizar a inevitável derrocada final, que seria a confirmação da desorientação política, de uma suposta falta de valores morais e até ausência de títulos acadêmicos por parte de seu núcleo dirigente.
Mesmo reconhecendo que seria difícil imaginar um resultado mais desastroso para o PT e para o imenso conjunto de interesses que buscou representar desde o célebre encontro no Colégio Sion, é preciso questionar fazer algumas ponderações.
Não tenho dúvidas de que a dolorosa sequência de derrotas nas grandes capitais ocorrida ontem, com uma única vitória expressiva no primeiro turno – em Rio Branco – mostra que o PT está pagando por erros políticos cometidos, em escala nacional. Em várias oportunidades, o partido não esteve à altura da difícil tarefa de governar em nome dos interesses da maioria dos brasileiros e deixou de realizar mudanças de fundo - inclusive de comportamento - essenciais para o país. Boa parte de seus dirigentes cultivou a ilusão de que a vitória nas urnas iria lhes dar acesso ao clube de privilégios exclusivos da classe dominante que desde a chegada de Pedro Alvares Cabral às Terras de Santa Cruz administra o país com seu egoísmo, uma reserva baixa de escrúpulos e certeza absoluta na impunidade.
Quebraram a cara, como já havia notado o professor Wanderley Guilherme dos Santos, um dos mais profundos e coerentes intelectuais do país, que em agosto de 2015 escreveu sobre a tragédia “da vitória do capitalismo sobre a liderança dos trabalhadores”.
Ao assumir, nos primeiros meses do segundo mandato de Dilma Rousseff, um programa de ajuste econômico que retirou apoio daquela parcela que havia ido às ruas para garantir uma vitória ameaçada até o último minuto, o governo petista isolou-se das forças que poderiam lhe dar sustentação nas horas mais difíceis. Um erro essencial.
Mesmo assim, seria desonesto deixar de reconhecer a importância das mudanças implementadas no país a partir da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, em 2003. As quatro vitórias sucessivas em eleições presidenciais, fato inédito na história do país e raríssimo em qualquer lugar do mundo, falam por si. Mesmo limitado, com imperfeições e incoerências, o conjunto de mudanças ocorridas no período produziu melhorias inéditas na distribuição de renda, na abertura de oportunidades e no padrão de vida da parcela mais explorada da população.
A pergunta a fazer, em outubro de 2016, quatorze anos após a vitória da esperança que venceu o medo, consiste em entender porque boa parte dos eleitores brasileiros abandonou a disputa política e preferiu se ausentar, evitando comprometer seu voto e sua consciência. O universo de interesses que deu origem a este bloco político sempre foi alvo de um massacre impiedoso - frequentemente desonesto - por parte dos meios de comunicação. A questão é: por que, agora, a campanha teve efeito? Qual a novidade?
Os grandes números mostram que estas foram as eleições do desencanto, da “negação consciente da política”, como escreveu Marcos Paulino, diretor do Datafolha.
Mais de 1 em cada 3 eleitores não foi às urnas e, quando o fez, não escolheu candidato. Vencedor na eleição de maior impacto nacional, João Dória teve menos votos do que a soma de nulos, brancos e abstenções. Em busca de apoio, Dória fez uma campanha de acordo com o espírito da coisa, numa receita óbvia para qualquer assessoria de marketing: apresentou-se como não-político, ainda que em seu caso fosse um discurso que é correto definir como botox ideológico.
Embora nunca tenha disputado um cargo eletivo, o que é uma das formas de atuar politicamente, certamente uma das mais nobres, pois apoiada no voto popular, Dória fez sua história como empresário. Como lobista profissional – não se veja aí nenhum juízo de valor – construiu fortuna auxiliando executivos e dirigentes de empresas privadas a batalhar por seus interesses nos labirintos do Estado brasileiro. Ele próprio conseguiu alimentar investimentos na área editorial com polpudas verbas de publicidade do governo de São Paulo. O nome disso é política, vamos combinar.
Num privilégio permito apenas aos muito ricos, Dória foi o principal patrocinador da própria campanha.
Beneficiário da vitória de maior impacto, Dória teve menos votos do que a soma de abstenções, nulos e brancos. Sustentado por Geraldo Alckmin, o mais opaco dos líderes tucanos, sua candidatura foi sabotada por lideranças tradicionais do PSDB paulista, que alimentaram a opção por Marta Suplicy. Só aderiram ao candidato do próprio partido quando o risco de naufrágio – e de um segundo turno contra Fernando Haddad, uma ameaça mesmo em posição de fraqueza – já se colocava no horizonte, o que dá uma ideia do caráter instável das tendencias em cada momento.
Em 1989, na primeira eleição presidencial após a ditadura, o país elegeu um político com um perfil parecido: Fernando Collor. Naquela eleição, o partido político mais identificado com a luta pela democratização, o PMDB de Ulysses Guimarães, teve menos de 10% dos votos, quatro anos depois das Diretas-Já, a maior campanha política da história do país.
Na prática, a votação de ontem envolve um fator essencial, que analistas de olhar sisudo e sombrancelhas grossas não gostam de admitir por razões óbvias. É o resultado previsível de uma prolongada campanha seletiva e articulada de desmoralização do Partido dos Trabalhadores e das forças que representa, na qual investigações necessárias sobre a corrupção do Estado brasileiro se transformaram num instrumento de deslegitimação de seus dirigentes, a começar por Luiz Inácio Lula da Silva.
Criminalizado na AP 470, o Partido dos Trabalhadores foi golpeado de forma ainda mais dura pela Lava Jato. Em investigações que jamais atingiram partidos e lideranças envolvidos em práticas idênticas, reconhecidas em ampla documentação, construiu-se um imaginário repulsivo numa história com vários ângulos, retratos, inclusive páginas de caráter inegavelmente glorioso.
O PT foi derrotado num fim de semana no qual José Dirceu, seu principal dirigente depois de Lula, cumpre pena na Lava Jato depois de ser condenado na AP 470. Antônio Palocci, ministro da Fazenda e um dos personagens mais influentes na economia e no trato com grandes empresários, encontra-se submetido a uma prisão preventiva decretada 48 horas antes pelo juiz Sérgio Moro, produzindo as manchetes previsíveis. O próprio Lula foi colocado na posição de alvo de uma caçada política cuja finalidade é obter sua neutralização da luta política, a começar pelas eleições de 2018.
Enquanto isso, Eduardo Cunha segue onde sempre esteve. Solto. Um dia poderemos saber quem é o "Santo" tucano nos emails da Odebrecht? Quem é o Careca?
Não se trata de tentar justificar um crime pelo outro e achar que podemos dormir tranquilos. Essa lição nossas crianças já aprenderam.
O debate aqui é outro. Quando olha para um lado só, faz opções e exibe preferências fáceis de apontar, a Justiça atravessa a fronteira da política. Deixa de ser cega, isenta, para mostrar tendencias e opções. Mantem-se, como acontece desde os tempos coloniais, como instrumento das "forças sociais que controlam" o Estado brasileiro, para empregar o diagnótico claro da sociologia Maria Sylvia de Carvalho Franco. Como disse Wanderley Guilherme, referindo-se a reação dirigida ao Partido dos Trabalhadores: "a reação ao instruso foi imediata. A cada política em benefício dos miseráveis, mais se acentuava a perseguição ao novo jogador, insistindo em reclamar parte do botim tradicional da economia brasileira."
Na dureza das delações premiadas e prisões preventivas, apresentadas num ambiente de circo pelo pensamento unico da mídia, desmontou-se o tripé social e político que deu sustentação a um projeto de desenvolvimento que unia grandes empresários do setor produtivos, empresas estatais e lideranças populares.
Em 2016, na pior crise econômica de sua história, o desemprego crescente é real, o salário baixo também. A falta de perspectiva, mais ainda.
O bode expiatório petista é falso, porém. Esta é a tragédia, com todas as falhas e incongruências que podem ser colocadas nas costas do PT e seus aliados. A crise atual é inseparável do programa irresponsável de sabotagem econômica levado a cabo pelos adversários de Dilma, que deram uma versão adaptada de uma máxima atribuída ao ex-governado Orestes Quercia. Agiram uma formula destrutiva: "quebramos o país mas derrubamos o governo."
Não foi só. Como explicou Gesner Oliveira, insuspeito economista de linhagem tucana, "uma Lava Jato mal conduzida” pode custar R$ 200 bilhões no PIB e mais de 2 milhões de empregos. “É um passo na direção da depressão”, concluiu, num artigo em junho de 2015.
A vitória de João Dória – e também a votação de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro –representa a conclusão eleitoral de um processo no qual operações necessárias contra a corrupção se transformam num instrumento de desmoralização do conjunto do sistema político.
Um mês depois do impeachment sem crime de responsabilidade, o país vive uma situação que repete o desastre da política italiana depois da Operação Mãos Limpas Após a derrocada do Partido Socialista e da Democracia Cristã, seguido pelo desmanche do Partido Comunista Italiano, a política da península passou a ser dominada por Sylvio Berlusconi, empresário dono de patrimônio na casa dos bilhões de dólares – entre os quais, as principais emissoras privadas do TV do país, insubstituível máquina de propaganda numa conjuntura de partidos combalidos e lideranças na defensiva.
Mais conhecido por episódios folclóricos e escândalos variados, Berlusconi foi o condutor de uma guinada conservadora na política italiana, que levou a medidas muito semelhantes aquilo que se discute no Brasil de Michel Temer e seus aliados Dória e Crivella: privatização de serviços públicos, desnacionalização da economia, enfraquecimento do Estado de bem-estar social. Com apoio permanente da mídia, que, com honrosas exceções, lhe dispensava um tratamento próprio de um ditador, Berlusconi conseguiu ocupar o cargo de primeiro ministro em duas ocasiões, acumulando sete anos e meio no posto – o mais longo reinado depois da ditadura fascista de Benito Mussolini.
Esta é a questão maior surgida ontem.
Não é preciso ter muita imaginação para antecipar a explicação convencional para a derrota histórica sofrida pelo Partido dos Trabalhadores nas eleições municipais, em particular em São Paulo, maior cidade brasileira e tradicional referência para o debate político. Passaremos os próximos dias a ouvir que o PT foi punido por seus próprios erros e pagou por eles. Adversários históricos do partido que desde o nascimento esteve no centro das principais lutas dos trabalhadores e da população mais pobre do país irão profetizar a inevitável derrocada final, que seria a confirmação da desorientação política, de uma suposta falta de valores morais e até ausência de títulos acadêmicos por parte de seu núcleo dirigente.
Mesmo reconhecendo que seria difícil imaginar um resultado mais desastroso para o PT e para o imenso conjunto de interesses que buscou representar desde o célebre encontro no Colégio Sion, é preciso questionar fazer algumas ponderações.
Não tenho dúvidas de que a dolorosa sequência de derrotas nas grandes capitais ocorrida ontem, com uma única vitória expressiva no primeiro turno – em Rio Branco – mostra que o PT está pagando por erros políticos cometidos, em escala nacional. Em várias oportunidades, o partido não esteve à altura da difícil tarefa de governar em nome dos interesses da maioria dos brasileiros e deixou de realizar mudanças de fundo - inclusive de comportamento - essenciais para o país. Boa parte de seus dirigentes cultivou a ilusão de que a vitória nas urnas iria lhes dar acesso ao clube de privilégios exclusivos da classe dominante que desde a chegada de Pedro Alvares Cabral às Terras de Santa Cruz administra o país com seu egoísmo, uma reserva baixa de escrúpulos e certeza absoluta na impunidade.
Quebraram a cara, como já havia notado o professor Wanderley Guilherme dos Santos, um dos mais profundos e coerentes intelectuais do país, que em agosto de 2015 escreveu sobre a tragédia “da vitória do capitalismo sobre a liderança dos trabalhadores”.
Ao assumir, nos primeiros meses do segundo mandato de Dilma Rousseff, um programa de ajuste econômico que retirou apoio daquela parcela que havia ido às ruas para garantir uma vitória ameaçada até o último minuto, o governo petista isolou-se das forças que poderiam lhe dar sustentação nas horas mais difíceis. Um erro essencial.
Mesmo assim, seria desonesto deixar de reconhecer a importância das mudanças implementadas no país a partir da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, em 2003. As quatro vitórias sucessivas em eleições presidenciais, fato inédito na história do país e raríssimo em qualquer lugar do mundo, falam por si. Mesmo limitado, com imperfeições e incoerências, o conjunto de mudanças ocorridas no período produziu melhorias inéditas na distribuição de renda, na abertura de oportunidades e no padrão de vida da parcela mais explorada da população.
A pergunta a fazer, em outubro de 2016, quatorze anos após a vitória da esperança que venceu o medo, consiste em entender porque boa parte dos eleitores brasileiros abandonou a disputa política e preferiu se ausentar, evitando comprometer seu voto e sua consciência. O universo de interesses que deu origem a este bloco político sempre foi alvo de um massacre impiedoso - frequentemente desonesto - por parte dos meios de comunicação. A questão é: por que, agora, a campanha teve efeito? Qual a novidade?
Os grandes números mostram que estas foram as eleições do desencanto, da “negação consciente da política”, como escreveu Marcos Paulino, diretor do Datafolha.
Mais de 1 em cada 3 eleitores não foi às urnas e, quando o fez, não escolheu candidato. Vencedor na eleição de maior impacto nacional, João Dória teve menos votos do que a soma de nulos, brancos e abstenções. Em busca de apoio, Dória fez uma campanha de acordo com o espírito da coisa, numa receita óbvia para qualquer assessoria de marketing: apresentou-se como não-político, ainda que em seu caso fosse um discurso que é correto definir como botox ideológico.
Embora nunca tenha disputado um cargo eletivo, o que é uma das formas de atuar politicamente, certamente uma das mais nobres, pois apoiada no voto popular, Dória fez sua história como empresário. Como lobista profissional – não se veja aí nenhum juízo de valor – construiu fortuna auxiliando executivos e dirigentes de empresas privadas a batalhar por seus interesses nos labirintos do Estado brasileiro. Ele próprio conseguiu alimentar investimentos na área editorial com polpudas verbas de publicidade do governo de São Paulo. O nome disso é política, vamos combinar.
Num privilégio permito apenas aos muito ricos, Dória foi o principal patrocinador da própria campanha.
Beneficiário da vitória de maior impacto, Dória teve menos votos do que a soma de abstenções, nulos e brancos. Sustentado por Geraldo Alckmin, o mais opaco dos líderes tucanos, sua candidatura foi sabotada por lideranças tradicionais do PSDB paulista, que alimentaram a opção por Marta Suplicy. Só aderiram ao candidato do próprio partido quando o risco de naufrágio – e de um segundo turno contra Fernando Haddad, uma ameaça mesmo em posição de fraqueza – já se colocava no horizonte, o que dá uma ideia do caráter instável das tendencias em cada momento.
Em 1989, na primeira eleição presidencial após a ditadura, o país elegeu um político com um perfil parecido: Fernando Collor. Naquela eleição, o partido político mais identificado com a luta pela democratização, o PMDB de Ulysses Guimarães, teve menos de 10% dos votos, quatro anos depois das Diretas-Já, a maior campanha política da história do país.
Na prática, a votação de ontem envolve um fator essencial, que analistas de olhar sisudo e sombrancelhas grossas não gostam de admitir por razões óbvias. É o resultado previsível de uma prolongada campanha seletiva e articulada de desmoralização do Partido dos Trabalhadores e das forças que representa, na qual investigações necessárias sobre a corrupção do Estado brasileiro se transformaram num instrumento de deslegitimação de seus dirigentes, a começar por Luiz Inácio Lula da Silva.
Criminalizado na AP 470, o Partido dos Trabalhadores foi golpeado de forma ainda mais dura pela Lava Jato. Em investigações que jamais atingiram partidos e lideranças envolvidos em práticas idênticas, reconhecidas em ampla documentação, construiu-se um imaginário repulsivo numa história com vários ângulos, retratos, inclusive páginas de caráter inegavelmente glorioso.
O PT foi derrotado num fim de semana no qual José Dirceu, seu principal dirigente depois de Lula, cumpre pena na Lava Jato depois de ser condenado na AP 470. Antônio Palocci, ministro da Fazenda e um dos personagens mais influentes na economia e no trato com grandes empresários, encontra-se submetido a uma prisão preventiva decretada 48 horas antes pelo juiz Sérgio Moro, produzindo as manchetes previsíveis. O próprio Lula foi colocado na posição de alvo de uma caçada política cuja finalidade é obter sua neutralização da luta política, a começar pelas eleições de 2018.
Enquanto isso, Eduardo Cunha segue onde sempre esteve. Solto. Um dia poderemos saber quem é o "Santo" tucano nos emails da Odebrecht? Quem é o Careca?
Não se trata de tentar justificar um crime pelo outro e achar que podemos dormir tranquilos. Essa lição nossas crianças já aprenderam.
O debate aqui é outro. Quando olha para um lado só, faz opções e exibe preferências fáceis de apontar, a Justiça atravessa a fronteira da política. Deixa de ser cega, isenta, para mostrar tendencias e opções. Mantem-se, como acontece desde os tempos coloniais, como instrumento das "forças sociais que controlam" o Estado brasileiro, para empregar o diagnótico claro da sociologia Maria Sylvia de Carvalho Franco. Como disse Wanderley Guilherme, referindo-se a reação dirigida ao Partido dos Trabalhadores: "a reação ao instruso foi imediata. A cada política em benefício dos miseráveis, mais se acentuava a perseguição ao novo jogador, insistindo em reclamar parte do botim tradicional da economia brasileira."
Na dureza das delações premiadas e prisões preventivas, apresentadas num ambiente de circo pelo pensamento unico da mídia, desmontou-se o tripé social e político que deu sustentação a um projeto de desenvolvimento que unia grandes empresários do setor produtivos, empresas estatais e lideranças populares.
Em 2016, na pior crise econômica de sua história, o desemprego crescente é real, o salário baixo também. A falta de perspectiva, mais ainda.
O bode expiatório petista é falso, porém. Esta é a tragédia, com todas as falhas e incongruências que podem ser colocadas nas costas do PT e seus aliados. A crise atual é inseparável do programa irresponsável de sabotagem econômica levado a cabo pelos adversários de Dilma, que deram uma versão adaptada de uma máxima atribuída ao ex-governado Orestes Quercia. Agiram uma formula destrutiva: "quebramos o país mas derrubamos o governo."
Não foi só. Como explicou Gesner Oliveira, insuspeito economista de linhagem tucana, "uma Lava Jato mal conduzida” pode custar R$ 200 bilhões no PIB e mais de 2 milhões de empregos. “É um passo na direção da depressão”, concluiu, num artigo em junho de 2015.
A vitória de João Dória – e também a votação de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro –representa a conclusão eleitoral de um processo no qual operações necessárias contra a corrupção se transformam num instrumento de desmoralização do conjunto do sistema político.
Um mês depois do impeachment sem crime de responsabilidade, o país vive uma situação que repete o desastre da política italiana depois da Operação Mãos Limpas Após a derrocada do Partido Socialista e da Democracia Cristã, seguido pelo desmanche do Partido Comunista Italiano, a política da península passou a ser dominada por Sylvio Berlusconi, empresário dono de patrimônio na casa dos bilhões de dólares – entre os quais, as principais emissoras privadas do TV do país, insubstituível máquina de propaganda numa conjuntura de partidos combalidos e lideranças na defensiva.
Mais conhecido por episódios folclóricos e escândalos variados, Berlusconi foi o condutor de uma guinada conservadora na política italiana, que levou a medidas muito semelhantes aquilo que se discute no Brasil de Michel Temer e seus aliados Dória e Crivella: privatização de serviços públicos, desnacionalização da economia, enfraquecimento do Estado de bem-estar social. Com apoio permanente da mídia, que, com honrosas exceções, lhe dispensava um tratamento próprio de um ditador, Berlusconi conseguiu ocupar o cargo de primeiro ministro em duas ocasiões, acumulando sete anos e meio no posto – o mais longo reinado depois da ditadura fascista de Benito Mussolini.
Esta é a questão maior surgida ontem.
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