Por Helena Sthephanowitz, na Rede Brasil Atual:
A teoria do domínio do fato para criminalizar governantes funciona bem quando se lida com ditadores, pois neste caso sobram provas de que é o tirano quem promove e acoberta crimes praticados dentro de sua estrutura de poder. A própria suspensão do Estado de direito tira do ditador seus álibis sobre crimes em série denunciados e encobertos. Regra geral, não há a quem denunciar efetivamente por crimes do Estado e não raro o denunciante se torna a próxima vítima da repressão.
Assim, foi fácil provar a responsabilidade criminal dos ditadores argentinos por sequestros, torturas e assassinatos. Fato semelhante ocorreu anteriormente, com o alto escalão nazista e depois, na antiga Alemanha Oriental, com os mandantes dos atiradores do muro de Berlim.
Muito mais complicado é aplicar a teoria do domínio do fato onde o Estado de direito vigora. A rigor, para aplicar tal teoria em um regime democrático, teria de se encontrar provas da participação criminosa também de agentes dos poderes independentes de controle externo do poder Executivo, ou seja, do Judiciário. Pois só a ação conjunta de todos esses agentes tem o poder que o ditador teria para exercer domínio sobre fatos criminosos.
Ressalve-se que presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares, assim como outros funcionários públicos podem cometer crimes de corrupção e, neste caso, obviamente devem ser punidos, mas através de provas convencionais. Nunca ou quase nunca é possível aplicar a teoria do domínio do fato nesses casos, a menos que se prove a conivência de agentes do Ministério Público, que detêm o domínio sobre as denúncias e ou de magistrados, que detêm o domínio sobre a sentença.
Imagine se você fosse eleito presidente da República. Simultaneamente são eleitos parlamentares com quem você terá de trabalhar pelos próximos quatro anos. Assim como quando você passa em um concurso não escolhe os colegas de repartição que irão trabalhar com você. Lembremos que uma eleição não deixa de ser um concurso em que a banca examinadora são os eleitores.
Você não nomeia e não demite parlamentares, eles vêm no pacote das eleições. Tampouco pode investigá-los por sua iniciativa, senão comete crime de responsabilidade por interferência em outro poder independente. É uma obrigação funcional sua governar com eles por quatro anos. Todo ser humano tem sua impressão sobre cada colega de trabalho, mas se você quiser ser produtivo, tem de guardar para si seus juízos de valores e não pode ficar fazendo intrigas.
Se for falar em domínio do fato, quem teria esse domínio sobre eventuais parlamentares eleitos com má fama de corruptos? O presidente que não escolhe quem é eleito, ou o Judiciário que os diploma por meio da Justiça Eleitoral e falhou ao nunca condená-los antes, a tempo de se tornarem inelegíveis?
Lembremos também: quem dá atestado de ficha limpa é o Judiciário, mesmo em casos de má fama notória. Para complicar, você, presidente que é, precisa obedecer o princípio da impessoalidade na administração pública. Portanto, institucionalmente, todos os deputados e senadores são iguais perante a lei.
Ao tomar posse na Presidência da República você jura promover o bem geral do povo brasileiro, conforme o artigo 78 da Constituição. Em teoria você pode escolher um "ministério dos sonhos" e só dirigentes de órgãos e empresas estatais de seu estrito agrado e confiança. Porém, por mais que esse time dos sonhos fizesse projetos maravilhosos para o povo, o Congresso Nacional eleito – que não é dos sonhos – não aprova nada.
Ao você ver que seu juramento de promover o bem geral fica só no papel, o que você faz se você quer realizar seu programa de governo? Aceita algumas imposições de parlamentares para indicar ministros e dirigentes de órgãos com o comprometimento de aprovar as medidas de governo no Congresso.
Você pode não gostar de algumas indicações. Mas se há intransigência em obstrução de votações no Congresso, o que fazer, mesmo a contragosto? Se não é ficha suja, se não há impedimento, se existe o princípio da impessoalidade na administração pública, você não está fazendo nada de errado ao nomear, nem tem domínio do fato sobre atos futuros dos nomeados se vierem a se corromper no cargo, o que fazer? Você tem de trabalhar e buscar maximizar resultados para o bem estar do povo, lidando o melhor possível com a realidade imperfeita que o cerca.
Se depois que você deixar a presidência, descobrirem que pessoas que você nomeou se corromperam, de quem é o domínio do fato? Você teve função executiva, não de controle, nem investigativa. Se nem o Ministério Público, que tem poderes para abrir investigações, inclusive com quebra de sigilos, nunca lhe avisou, como é que você pode saber o que os outros fizeram na clandestinidade?
Pois bem.
Os processos sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a força-tarefa da Lava Jato vem construindo apenas com "a convicção" de que ele teria o domínio do fato são ainda mais descabidos, pois, em seu governo, Lula tomou medidas para dissuadir a investida de corruptos, o que por si já dá um nó na referida teoria.
Se por um lado o ex-presidente fazia as nomeações necessárias à composição da base governista no Congresso, por outro, afastou interferências políticas na Polícia Federal – comuns nos governos anteriores. Também equipou o órgão com recursos humanos e materiais, manteve uma relação de autonomia com o Ministério Público Federal nomeando um procurador-geral da República escolhido pela classe, em vez de um engavetador, criou a Controladoria-Geral da República, sancionou leis para aumentar a pena de crimes de corrupção e penalizar empresas, propôs no âmbito do Ministério da Justiça a reforma do Judiciário, para agilizar processos, criou as leis da transparência e do acesso à informação.
Por um lado nomeava conforme as tradições políticas de obter governabilidade, por outro, dissuadia como se avisasse: "Olha, se não andar na linha, a Polícia Federal vai acabar pegando".
Então, se aplicar a teoria do domínio do fato, encontram-se provas abundantes e cabais de que o ex-presidente Lula agiu para dissuadir a corrupção, ao contrário de ditadores que a acobertam. O presidente abriu as portas foi para os investigadores, tanto da Polícia Federal, como do Ministério Público, agirem e pegarem quem se corrompeu.
Será, portanto, mais um vexame internacional que o Judiciário brasileiro poderá cometer, caso se aventure a aplicar teorias onde elas jamais se encaixam. Inclusive passará pela saia justa de ser questionado pela ausência de algum ex-PGR ou magistrado para pelo menos fechar a teoria.
Assim, foi fácil provar a responsabilidade criminal dos ditadores argentinos por sequestros, torturas e assassinatos. Fato semelhante ocorreu anteriormente, com o alto escalão nazista e depois, na antiga Alemanha Oriental, com os mandantes dos atiradores do muro de Berlim.
Muito mais complicado é aplicar a teoria do domínio do fato onde o Estado de direito vigora. A rigor, para aplicar tal teoria em um regime democrático, teria de se encontrar provas da participação criminosa também de agentes dos poderes independentes de controle externo do poder Executivo, ou seja, do Judiciário. Pois só a ação conjunta de todos esses agentes tem o poder que o ditador teria para exercer domínio sobre fatos criminosos.
Ressalve-se que presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares, assim como outros funcionários públicos podem cometer crimes de corrupção e, neste caso, obviamente devem ser punidos, mas através de provas convencionais. Nunca ou quase nunca é possível aplicar a teoria do domínio do fato nesses casos, a menos que se prove a conivência de agentes do Ministério Público, que detêm o domínio sobre as denúncias e ou de magistrados, que detêm o domínio sobre a sentença.
Imagine se você fosse eleito presidente da República. Simultaneamente são eleitos parlamentares com quem você terá de trabalhar pelos próximos quatro anos. Assim como quando você passa em um concurso não escolhe os colegas de repartição que irão trabalhar com você. Lembremos que uma eleição não deixa de ser um concurso em que a banca examinadora são os eleitores.
Você não nomeia e não demite parlamentares, eles vêm no pacote das eleições. Tampouco pode investigá-los por sua iniciativa, senão comete crime de responsabilidade por interferência em outro poder independente. É uma obrigação funcional sua governar com eles por quatro anos. Todo ser humano tem sua impressão sobre cada colega de trabalho, mas se você quiser ser produtivo, tem de guardar para si seus juízos de valores e não pode ficar fazendo intrigas.
Se for falar em domínio do fato, quem teria esse domínio sobre eventuais parlamentares eleitos com má fama de corruptos? O presidente que não escolhe quem é eleito, ou o Judiciário que os diploma por meio da Justiça Eleitoral e falhou ao nunca condená-los antes, a tempo de se tornarem inelegíveis?
Lembremos também: quem dá atestado de ficha limpa é o Judiciário, mesmo em casos de má fama notória. Para complicar, você, presidente que é, precisa obedecer o princípio da impessoalidade na administração pública. Portanto, institucionalmente, todos os deputados e senadores são iguais perante a lei.
Ao tomar posse na Presidência da República você jura promover o bem geral do povo brasileiro, conforme o artigo 78 da Constituição. Em teoria você pode escolher um "ministério dos sonhos" e só dirigentes de órgãos e empresas estatais de seu estrito agrado e confiança. Porém, por mais que esse time dos sonhos fizesse projetos maravilhosos para o povo, o Congresso Nacional eleito – que não é dos sonhos – não aprova nada.
Ao você ver que seu juramento de promover o bem geral fica só no papel, o que você faz se você quer realizar seu programa de governo? Aceita algumas imposições de parlamentares para indicar ministros e dirigentes de órgãos com o comprometimento de aprovar as medidas de governo no Congresso.
Você pode não gostar de algumas indicações. Mas se há intransigência em obstrução de votações no Congresso, o que fazer, mesmo a contragosto? Se não é ficha suja, se não há impedimento, se existe o princípio da impessoalidade na administração pública, você não está fazendo nada de errado ao nomear, nem tem domínio do fato sobre atos futuros dos nomeados se vierem a se corromper no cargo, o que fazer? Você tem de trabalhar e buscar maximizar resultados para o bem estar do povo, lidando o melhor possível com a realidade imperfeita que o cerca.
Se depois que você deixar a presidência, descobrirem que pessoas que você nomeou se corromperam, de quem é o domínio do fato? Você teve função executiva, não de controle, nem investigativa. Se nem o Ministério Público, que tem poderes para abrir investigações, inclusive com quebra de sigilos, nunca lhe avisou, como é que você pode saber o que os outros fizeram na clandestinidade?
Pois bem.
Os processos sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a força-tarefa da Lava Jato vem construindo apenas com "a convicção" de que ele teria o domínio do fato são ainda mais descabidos, pois, em seu governo, Lula tomou medidas para dissuadir a investida de corruptos, o que por si já dá um nó na referida teoria.
Se por um lado o ex-presidente fazia as nomeações necessárias à composição da base governista no Congresso, por outro, afastou interferências políticas na Polícia Federal – comuns nos governos anteriores. Também equipou o órgão com recursos humanos e materiais, manteve uma relação de autonomia com o Ministério Público Federal nomeando um procurador-geral da República escolhido pela classe, em vez de um engavetador, criou a Controladoria-Geral da República, sancionou leis para aumentar a pena de crimes de corrupção e penalizar empresas, propôs no âmbito do Ministério da Justiça a reforma do Judiciário, para agilizar processos, criou as leis da transparência e do acesso à informação.
Por um lado nomeava conforme as tradições políticas de obter governabilidade, por outro, dissuadia como se avisasse: "Olha, se não andar na linha, a Polícia Federal vai acabar pegando".
Então, se aplicar a teoria do domínio do fato, encontram-se provas abundantes e cabais de que o ex-presidente Lula agiu para dissuadir a corrupção, ao contrário de ditadores que a acobertam. O presidente abriu as portas foi para os investigadores, tanto da Polícia Federal, como do Ministério Público, agirem e pegarem quem se corrompeu.
Será, portanto, mais um vexame internacional que o Judiciário brasileiro poderá cometer, caso se aventure a aplicar teorias onde elas jamais se encaixam. Inclusive passará pela saia justa de ser questionado pela ausência de algum ex-PGR ou magistrado para pelo menos fechar a teoria.
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