quinta-feira, 27 de outubro de 2016

As eleições do desencanto com a política

Por Benedito Tadeu César, no site Carta Maior:

Diferentemente do que noticiou a grande imprensa corporativa e do que tentam nos fazer crer alguns analistas oficiais, o resultado do 1º Turno das eleições municipais de 2016 não representou a vitória das forças políticas que depuseram Dilma Rousseff e que se dedicaram ao aniquilamento do PT e de seu projeto de governo e de país.

O resultado expressou, em primeiro lugar, o desencanto com as instituições políticas e, ainda, o crescimento de candidaturas apresentadas como “antipolíticas” ou “novas” na política.

O somatório das abstenções (não comparecimento), dos votos brancos e dos nulos, que em ciência política é denominado de alienação eleitoral (com o significado de que o eleitor abre mão de sua capacidade de interferir no resultado do processo eleitoral) registrou, em 2016, um aumento expressivo frente às eleições anteriores.

Tomando-se os exemplos das capitais dos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, verifica-se, de acordo com os dados do TSE, que a alienação eleitoral praticamente dobrou durante o período das cinco eleições municipais realizadas de 2000 até 2016.

Como se pode verificar nos gráficos e tabelas abaixo, a alienação eleitoral para a Prefeitura de São Paulo saltou de 22,60% em 2000 para 34,70% em 2016, enquanto praticamente dobrou em Porto Alegre em igual período, passando de 19,04% em 2000 para 38,40% em 2016.


Os gráficos e as tabelas acima e abaixo permitem observar que, se ocorreu um salto brusco do crescimento da alienação eleitoral na eleição do corrente ano nas duas capitais em questão, este salto foi mais intenso em Porto Alegre. Nesta capital, além disso, os votos nulos praticamente dobraram entre 2012 e 2016, saindo de 4,82% para atingir 8,88%. Fenômeno similar foi observado também com relação à votação para a Câmara Municipal, mas que não será aqui analisado.


O crescimento significativo da alienação eleitoral ocorreu em todo o país. A análise dos resultados eleitorais de 2016, realizada a partir dos dados fornecidos pelo TSE, permite constatar que, em 11 das 26 capitais onde foram realizadas eleições municipais neste ano, a alienação eleitoral foi superior à votação do candidato mais votado no 1º turno. O caso de São Paulo é emblemático, pois o candidato eleito já no 1º turno obteve votação inferior à alienação eleitoral.

Mais grave do que este fato, em três capitais, a saber, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a alienação eleitoral superou o somatório dos votos conferidos aos dois primeiros colocados, ou seja, o total de “não voto” foi superior aos votos totais obtidos pelos dois candidatos mais votados e que disputarão o 2º turno, como se pode constatar no quadro abaixo.

Cumpre alertar que, neste quadro, os percentuais de votos dos candidatos apresentados diferem daqueles fornecidos pelo TSE, uma vez que o TSE calcula os percentuais eleitorais tomando por base apenas os votos válidos, ou seja, excluindo as abstenções e os votos nulos e brancos, enquanto os dados apresentados no quadro foram calculados sobre o total do eleitorado apto a votar, única maneira de se trabalhar com a mesma base numérica para o cálculo da alienação eleitoral e dos votos em cada candidato.

Alienação eleitoral e votação dos candidatos melhor colocados nas capitais no 1º turno em 2016
Capital




Como se pode observar, não se tratam de resultados eleitorais que legitimem fortemente os eleitos e/ou os candidatos que chegaram ao 2º turno e, muito menos, que impliquem ampla aprovação popular e eleitoral aos projetos de governo que eles representam.

A análise da geografia eleitoral nas capitais brasileiras, isto é, da distribuição espacial dos votos segundo as zonas eleitorais e os bairros, evidencia que foram nas regiões com eleitores de mais baixa renda onde se observou as maiores incidências de alienação eleitoral, ou seja, de “não votos”. Estas áreas, normalmente localizadas nas periferias das grandes cidades e capitais, são áreas onde o PT detinha a preferência da maioria do eleitorado.

O caso de São Paulo é, novamente, emblemático, uma vez que não apenas o candidato petista perdeu grande parte do eleitorado das regiões de menor poder aquisitivo e que havia votado nele em 2012, como foi também nessas regiões onde ocorreu o maior percentual de alienação eleitoral ou de “não votos”.

É expressivo, além disso, o fato de Porto Alegre e Belo Horizonte terem sido administradas pelo PT durante longos anos e serem duas das três capitais onde a alienação eleitoral suplantou o somatório dos votos obtidos pelos dois candidatos que chegaram ao 2º turno, conforme referido acima.

O desencanto com o PT e, mais do que isto, o desencanto com a política de modo geral, provocou o crescimento do “não voto” e fez com que candidatos “alternativos”, que se apresentaram como “novidade” e/ou como “não políticos”, obtivessem a maioria dos votos válidos. Maioria obtida em grande parte das capitais apenas porque parcela expressiva do eleitorado (média de 29,54% e mediana de 28,27%) se alienou do processo, deixando de votar em qualquer dos candidatos concorrentes.

Em relação aos candidatos “alternativos” vencedores no 1º turno ou levados ao 2º turno eleitoral nas capitais analisadas, vejam-se os exemplos da vitória de João Dória Jr, em São Paulo, um empresário que se apresenta como “não político”, e a ida ao 2º turno de Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, senador e antes de tudo pastor evangélico, e, ainda, de Nelson Marchezan Jr., em Porto Alegre, deputado federal, filho do líder do governo Figueiredo (o último da ditadura civil-militar de 1964/85) e apoiado pelas forças políticas tradicionais mais conservadoras no estado, o qual se apresenta como um “novo político”.

Se o PT foi o partido que mais perdeu postos e eleitores nestas eleições e o PSDB o que obteve o maior crescimento percentual, enquanto o PMDB manteve-se ainda como o partido detentor do maior número de Prefeituras e o segundo em eleitorado, isto se deveu muito mais ao desencanto do eleitorado com a política, em geral, e com o PT em particular, do que ao encantamento com as propostas e/ou os candidatos peessedebistas e/ou peemedebistas.

Considerando-se os resultados eleitorais nacionais registrados em 2012 e em 2016, verifica-se que o PT perdeu 60,1% do eleitorado total que havia conquistado na eleição municipal anterior e passou da primeira para a quinta posição nestas eleições, enquanto o PSDB teve um crescimento eleitoral total de 25,1% e passou a ocupar a primeira posição.

O bom desempenho eleitoral do PSDB pode ser atribuído ao fato de ele ser o partido que tradicionalmente polarizou com o PT, caracterizando-se como o seu antípoda ideológico, e, talvez, principalmente pelo fato de as denúncias envolvendo muitas de suas principais lideranças não terem sido investigadas judicial e criminalmente e nem terem sido exploradas pela grande imprensa, como ocorreu principalmente com o PT e suas lideranças e, secundariamente, com o PMDB.

Tão significativo quanto a diminuição eleitoral do PT e o crescimento do PSDB, foi o decréscimo registrado na votação nacional de boa parte dos partidos tradicionais, aqui considerados como os partidos com presença histórica nas disputas eleitorais e/ou que já haviam obtido resultados eleitorais expressivos em eleições municipais anteriores. Neste grupo de partidos, apenas o PDT, o PPS e o DEM cresceram eleitoralmente e, mesmo assim, o fizeram de modo débil: o primeiro cresceu 2%, o segundo 4,4% e o último 6,3%.

Todos os demais partidos aqui considerados como tradicionais, incluindo-se neste grupo também os partidos de esquerda, exceto o PT e o PPL (que cresceu 8,2%, mas que passou de apenas 146.686 para 158.650 votos), sofreram uma diminuição eleitoral total de 27% frente aos votos que haviam conquistado em 2012. Entre estes partidos, o campeão de perdas foi o PMDB, que teve uma redução de 12,5% em seu eleitorado, o que representa quase a metade do decréscimo eleitoral deste conjunto de partidos.




Na verdade, os grandes vencedores do 1º turno das eleições municipais deste ano, considerando-se os resultados obtidos nacionalmente, foram os partidos de orientação religiosa ou de defesa de interesses clientelísticos. O PR obteve um crescimento eleitoral de 14,9%, o PSD de 32%, o PRB de 48,4%, o PSL de 50,2%, o PTN de 97,1% e o PHS de 196%.

Somados, os votos obtidos pelo PR, PMM, PRB, PSL, PTN e PHS representam 19.204.917 eleitores, o equivalente a 13% dos votos válidos consignados em todo o país. Isto faz com que o eleitorado deste conjunto de partidos se torne numericamente mais expressivo do que o do PMDB ou do PSDB tomados isoladamente, já que o primeiro obteve 14.877.621 ou 10% dos votos válidos e o segundo 17.612.606 ou 12% desses votos nacionalmente.

A tendência é, portanto, o aumento do poder de pressão e de chantagem política desse conjunto de partidos e, a se repetir o mesmo fenômeno nas eleições nacionais de 2018, o revigoramento do chamado “presidencialismo de coalizão” brasileiro, reforçado em suas práticas de barganha.

Afastado dos partidos e dos candidatos que anteriormente mereciam a sua preferência, o eleitorado se dividiu. Cerca de 1/3 dos eleitores das capitais decidiu-se pela alienação eleitoral, abdicando de seu direito de interferir no resultado eleitoral, enquanto cerca de 1/4 do total dos eleitores do país decidiu votar em partidos alternativos, ou seja, em partidos que não tinham obtido expressão nas eleições anteriores.

Verifica-se, deste modo, que uma parcela importante do eleitorado total do país não votou nos candidatos e/ou os partidos que tiveram maior responsabilidade nos governos anteriores ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, nem votou nos candidatos e/ou partidos que interferiram diretamente na sua derrubada e que dão sustentação política ao atual governo federal.

Assim, mais do que uma eleição que legitime os atuais governantes em nível federal e que autorize seu projeto de governo, o 1º turno das eleições municipais de 2016 revela a existência de um eleitorado à deriva, a ser disputado pelos diferentes partidos, e que está sendo ganho, até aqui, em grande parte, pelos partidos que defendem não projetos políticos para o país, mas interesses de parcelas restritas da sociedade e que, por este motivo, encontram-se, quase sempre, distantes dos interesses públicos.

Fica claro, além disso, que todo o esforço para a desconstrução do PT e de seus políticos não foi suficiente para liquidá-los. Não obstante a perda significativa de seu eleitorado e do número de Prefeituras sob o seu comando, o PT manteve-se entre os maiores partidos nacionais, como o 5º maior partido brasileiro em termos eleitorais, o que lhe reserva, ainda, um grande potencial de crescimento.

Nas eleições municipais de 2016, foram a criminalização da política e o desencanto do eleitorado, na verdade, os grandes vencedores do 1º turno. Um resultado altamente preocupante, porque contribui para que lideranças oportunistas possam se apossar do poder de Estado e se manter nele por meio de ações ilegítimas, ainda que travestidas pelos ritos legais.

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