Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
O Brasil se tornou um caso de polícia. Frente à banalização do desprezo pela democracia e pelo Estado de Direito, está valendo a força do guarda da esquina. Muitos falam em judicialização da política, como se os tribunais tivessem arrogado a si a tarefa de comandar o interesse público. No entanto, o mais perto da realidade seria afirmar uma policialização da política, quando a tarefa de governar fica submetida à ação discricionária dos agentes da segurança com sua obediência estrita.
O grau absurdo foi alcançado com decisão do golpista Michel Temer, ao decretar “o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal”. Jogou as armas contra o povo. Criticada até mesmo pelo Exército, que não quer ser considerado mero agente disciplinador ao alcance do medo e da mediocridade dos ocupantes do poder, a medida se alimenta de um lado na covardia e de outro na ameaça simbólica que recupera a memória da ditadura militar.
A covardia se manifesta no jogo de empurra, que parte do presidente não eleito, passa pelo patético ministro da Defesa Raul Jungmann (mezzo demissionário, mezzo garantidor) e chega ao fraco presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Filho indigno de três pais sem honra, o decreto sedimenta a ética da traição que nutre o grupo que se abancou no Planalto com o golpe. Não há um pacto de lealdade entre eles, mas um jogo velado entre comparsas desconfiados. Tudo em nome de salvar a própria pele.
Já a porção de ameaça vem com a lembrança dos coturnos sobre Brasília, com a sombra de um golpe redivivo. Neste sentido, o imaginário das Forças Armadas garantiria o potencial regressivo ansiado por parte minoritária da sociedade, ao mesmo tempo em que alimentaria o pesadelo da ditadura, com a consequente aceitação de um mal menor. Se o cálculo foi esse, é preciso negar a Temer até mesmo a sensatez, fora outros defeitos de caráter. Jogou contra a democracia, contra a sociedade e contra a política. Isolou-se ainda mais, se é que isso é possível, e apressou sua queda inevitável.
Os sinais da violência da sociedade brasileira, amparada por essa visão policialesca, não são emitidos apenas de Brasília. Há chamas de arbítrio por todos os lados. Usar a polícia para cumprir ações políticas tem sido uma saída que varre o país de Norte a Sul, das questões agrárias às ações de saúde, nas regiões mais isoladas e no centro da maior cidade do Brasil.
As ações realizadas na região da Cracolândia, em São Paulo, são exemplos dessa vertente antidemocrática, anti-humanista, autoritária e bruta. Na contramão de todos os estudos e protocolos internacionais sobre tratamento de dependentes químicos e alimentada por uma obtusa análise social da questão, as administrações estadual e municipal criminalizam as pessoas, usam da violência, destroem ações de acolhimento e propõem internação sem consentimento. Ação higienista, conseguiu, além do saldo de estupidez, deslocar o problema algumas quadras e destruir um trabalho consequente realizado nos últimos anos.
Em outro contexto, em vários pontos do país, a violência no campo recrudesce de forma espantosa. Massacres se sucedem, com ações de facínoras contratados e, como ocorreu no dia 24, com a participação das polícias militar e civil. Nove homens e uma mulher foram mortos num acampamento em Pau D’Arco, próximo ao município de Redenção, no Pará. Outras 14 pessoas foram baleadas. É o segundo grande massacre envolvendo disputa de terras nos últimos meses. Em abril, nove trabalhadores rurais foram exterminados em Colniza, no Mato Grosso, a bala e golpes de facão. Este ano, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra, já são 36 assassinatos.
Brasília, São Paulo e Redenção são apenas os exemplos mais recentes da sombra do estado policial que se estende sobre o país. Em situações assim, a melhor saída é sempre chamar o povo e começar tudo de novo. O grau zero da democracia.
Quando a determinação popular se apresenta, começam a se fechar as brechas do autoritarismo. Há muitas formas de se fazer isso, e a eleição direta é a mais imediata delas. A sociedade tem mostrado amadurecimento para levar adiante esse projeto, lutando com as armas da crítica, do protesto e da mobilização.
Se for preciso mais, saberá de onde tirar.
O Brasil se tornou um caso de polícia. Frente à banalização do desprezo pela democracia e pelo Estado de Direito, está valendo a força do guarda da esquina. Muitos falam em judicialização da política, como se os tribunais tivessem arrogado a si a tarefa de comandar o interesse público. No entanto, o mais perto da realidade seria afirmar uma policialização da política, quando a tarefa de governar fica submetida à ação discricionária dos agentes da segurança com sua obediência estrita.
O grau absurdo foi alcançado com decisão do golpista Michel Temer, ao decretar “o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal”. Jogou as armas contra o povo. Criticada até mesmo pelo Exército, que não quer ser considerado mero agente disciplinador ao alcance do medo e da mediocridade dos ocupantes do poder, a medida se alimenta de um lado na covardia e de outro na ameaça simbólica que recupera a memória da ditadura militar.
A covardia se manifesta no jogo de empurra, que parte do presidente não eleito, passa pelo patético ministro da Defesa Raul Jungmann (mezzo demissionário, mezzo garantidor) e chega ao fraco presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Filho indigno de três pais sem honra, o decreto sedimenta a ética da traição que nutre o grupo que se abancou no Planalto com o golpe. Não há um pacto de lealdade entre eles, mas um jogo velado entre comparsas desconfiados. Tudo em nome de salvar a própria pele.
Já a porção de ameaça vem com a lembrança dos coturnos sobre Brasília, com a sombra de um golpe redivivo. Neste sentido, o imaginário das Forças Armadas garantiria o potencial regressivo ansiado por parte minoritária da sociedade, ao mesmo tempo em que alimentaria o pesadelo da ditadura, com a consequente aceitação de um mal menor. Se o cálculo foi esse, é preciso negar a Temer até mesmo a sensatez, fora outros defeitos de caráter. Jogou contra a democracia, contra a sociedade e contra a política. Isolou-se ainda mais, se é que isso é possível, e apressou sua queda inevitável.
Os sinais da violência da sociedade brasileira, amparada por essa visão policialesca, não são emitidos apenas de Brasília. Há chamas de arbítrio por todos os lados. Usar a polícia para cumprir ações políticas tem sido uma saída que varre o país de Norte a Sul, das questões agrárias às ações de saúde, nas regiões mais isoladas e no centro da maior cidade do Brasil.
As ações realizadas na região da Cracolândia, em São Paulo, são exemplos dessa vertente antidemocrática, anti-humanista, autoritária e bruta. Na contramão de todos os estudos e protocolos internacionais sobre tratamento de dependentes químicos e alimentada por uma obtusa análise social da questão, as administrações estadual e municipal criminalizam as pessoas, usam da violência, destroem ações de acolhimento e propõem internação sem consentimento. Ação higienista, conseguiu, além do saldo de estupidez, deslocar o problema algumas quadras e destruir um trabalho consequente realizado nos últimos anos.
Em outro contexto, em vários pontos do país, a violência no campo recrudesce de forma espantosa. Massacres se sucedem, com ações de facínoras contratados e, como ocorreu no dia 24, com a participação das polícias militar e civil. Nove homens e uma mulher foram mortos num acampamento em Pau D’Arco, próximo ao município de Redenção, no Pará. Outras 14 pessoas foram baleadas. É o segundo grande massacre envolvendo disputa de terras nos últimos meses. Em abril, nove trabalhadores rurais foram exterminados em Colniza, no Mato Grosso, a bala e golpes de facão. Este ano, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra, já são 36 assassinatos.
Brasília, São Paulo e Redenção são apenas os exemplos mais recentes da sombra do estado policial que se estende sobre o país. Em situações assim, a melhor saída é sempre chamar o povo e começar tudo de novo. O grau zero da democracia.
Quando a determinação popular se apresenta, começam a se fechar as brechas do autoritarismo. Há muitas formas de se fazer isso, e a eleição direta é a mais imediata delas. A sociedade tem mostrado amadurecimento para levar adiante esse projeto, lutando com as armas da crítica, do protesto e da mobilização.
Se for preciso mais, saberá de onde tirar.
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