Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A prisão de Joesley Batista e seu operador Ricardo Saud, neste fim de semana, merece mais do que um minuto de reflexão.
Em palavras que seriam confirmadas pelos fatos, numa conversa gravada, há quatro meses, Joesley disse ao fiel assessor Ricardo Saud: "Não vamos ser presos," anunciou e repetiu, sugerindo que tudo estava acertado para um acordo que só seria anunciado dois meses depois.
Na ocasião, Joesley mostrava-se tão convencido do que dizia que instruiu deu Saud comunicar a novidade numa reunião interna a se realizar em breve. A ideia, como se deduz pela gravação, era tranquilizar os presentes e tratar com desprezo qualquer sugestão de perigo próximo. Fazendo um certo mistério sobre o que se passava nos bastidores, Joesley pronunciou palavras de confiança ao interlocutor, inclusive no plano pessoal ("não estou sofrendo"). Ele também disse que era "professor" na escola onde o PGR era "aluno".
O diálogo de março seria pura bravata à la Delcidio Amaral de uma conversa animada por doses de uísque e conversas de cocheira sobre mulheres se os fatos principais não tivessem se confirmado.
Em junho, quando a mais premiada das delações de nossa história foi celebrada, os brasileiros e brasileiras descobriram que o Ministério Público havia assegurado a Joesley, sócios e familiares, o direito à liberdade e conforto em Nova York, num caso único caso de um condenado de sua estatura e responsabilidade. Exatamente como ele dissera.
Num país onde a gravação permanecia em segredo, o tratamento diferenciado despertou mal-estar e suspeita, logo descartados pelo rolo compressor ideológico dos tempos atuais -- não passaria de mais uma tentativa de sabotar a Lava-Jato. Naquele momento a credibilidade de Joesley era tamanha que, com o aval da Globo, em função de um diálogo gravado no Jaburu ele poderia ter-se tornado protagonista do segundo impeachment em apenas doze meses.
Em resumo: caso Michel Temer não tivesse aberto os cofres para salvar a própria pele, o mais recente prisioneiro da PF teria direito a uma medalha por seu papel na luta contra a corrupção. Muito provavelmente, até por falta de interessados, a fita sequer teria vindo a público. Tanto a gravação como o quase-impeachment envolvem episódios instrutivos sobre a natureza incerta de decisões tomadas pelas autoridades que, nome do combate a corrupção, dia após dia tomam posse de uma fatia maior dos poderes de uma República na qual a Constituição informa, em seu artigo 1, que todos os poderes emanam do povo e de seus representantes.
A prisão de Joesley implicou na suspensão do acordo de delação, medida inevitável diante do escândalo dentro do escândalo. Resolvida de modo unilateral pelo ministro-relator Edson Facchin, do STF, a decisão remete a outro fio desencapado das instituições brasileiras.
Em junho, por iniciativa do ministro Marco Aurélio Melo, o plenário debateu as prerrogativas de um juiz do STF na condução e aprovação das delações premiadas. Lembrando que as delações envolvem pactos que podem ter grande relevância para o país e não só para as partes envolvidas, Marco Aurélio achava que os onze ministros deveriam ter o direito de debater os acordos, rever seus termos e até desfazer o que encontrassem de errado. A outra parte sustentava que o ministro-relator deveria ter plena autonomia para supervisionar os acordos, cabendo ao plenário só dar qualquer palpite no momento da sentença final.
O resultado foi uma maioria de 7 votos a favor da decisão individual. Apoiada por Rodrigo Janot e defendida, na tribuna, por um dos advogados de Joesley, Pierpaolo Bottini, a decisão teve como base um argumento particular. Falou-se, em plenário que o STF deveria garantir a "lealdade" aos delatores e cumprir aquilo que era combinado.
O argumento é que não se poderia imaginar que aqueles cidadãos -- corruptores -- pudessem se dispor a colaborar com o Estado se houvesse o risco de o acordo ser desfeito. A palavra "lealdade" -- dirigindo-se a malfeitores confessos -- foi dita e repetida em vários momentos. "STF jura lealdade eterna a corruptos arrependidos," escrevi aqui neste espaço, na época, lembrando que o Supremo tem o dever de ser leal a Constituição inteira, inclusive artigos que defendem a educação, saúde pública e combate à miséria, e não costuma empregar argumentos dessa natureza para tomar decisões tão particulares.
Recolhidos à carceragem, Joesley e seu parceiro vão para a cadeia sem a companhia do procurador Marcelo Miller, identidade provável de um personagem várias vezes mencionado apenas como "Marcelo" na conversa gravada. Embora sua prisão tivesse sido pedida por Janot, Facchin considerou que não era necessária.
Conforme os dois interlocutores dizem na fita, "Marcelo" orienta estratégias para se aproximar do Ministério Público, dando conselhos úteis para uma aproximação proveitosa. Numa dica de natureza ideológica, que traduz o humor dos tempos de criminalização, diz que farão mais sucesso em seu esforço de aproximação do Ministério Público se passarem a tratar os políticos como "bandidos".
Ocorrida às vésperas do segundo depoimento de Lula a Sérgio Moro, a prisão de Joesley é uma coreografia útil para a imagem já desgastada da Lava Jato num momento em que se tenta fechar o cerco para asfixiar uma candidatura fortalecida pelas pesquisas e com novas energias depois da caravana pelo nordeste.
A prisão de Joesley Batista e seu operador Ricardo Saud, neste fim de semana, merece mais do que um minuto de reflexão.
Em palavras que seriam confirmadas pelos fatos, numa conversa gravada, há quatro meses, Joesley disse ao fiel assessor Ricardo Saud: "Não vamos ser presos," anunciou e repetiu, sugerindo que tudo estava acertado para um acordo que só seria anunciado dois meses depois.
Na ocasião, Joesley mostrava-se tão convencido do que dizia que instruiu deu Saud comunicar a novidade numa reunião interna a se realizar em breve. A ideia, como se deduz pela gravação, era tranquilizar os presentes e tratar com desprezo qualquer sugestão de perigo próximo. Fazendo um certo mistério sobre o que se passava nos bastidores, Joesley pronunciou palavras de confiança ao interlocutor, inclusive no plano pessoal ("não estou sofrendo"). Ele também disse que era "professor" na escola onde o PGR era "aluno".
O diálogo de março seria pura bravata à la Delcidio Amaral de uma conversa animada por doses de uísque e conversas de cocheira sobre mulheres se os fatos principais não tivessem se confirmado.
Em junho, quando a mais premiada das delações de nossa história foi celebrada, os brasileiros e brasileiras descobriram que o Ministério Público havia assegurado a Joesley, sócios e familiares, o direito à liberdade e conforto em Nova York, num caso único caso de um condenado de sua estatura e responsabilidade. Exatamente como ele dissera.
Num país onde a gravação permanecia em segredo, o tratamento diferenciado despertou mal-estar e suspeita, logo descartados pelo rolo compressor ideológico dos tempos atuais -- não passaria de mais uma tentativa de sabotar a Lava-Jato. Naquele momento a credibilidade de Joesley era tamanha que, com o aval da Globo, em função de um diálogo gravado no Jaburu ele poderia ter-se tornado protagonista do segundo impeachment em apenas doze meses.
Em resumo: caso Michel Temer não tivesse aberto os cofres para salvar a própria pele, o mais recente prisioneiro da PF teria direito a uma medalha por seu papel na luta contra a corrupção. Muito provavelmente, até por falta de interessados, a fita sequer teria vindo a público. Tanto a gravação como o quase-impeachment envolvem episódios instrutivos sobre a natureza incerta de decisões tomadas pelas autoridades que, nome do combate a corrupção, dia após dia tomam posse de uma fatia maior dos poderes de uma República na qual a Constituição informa, em seu artigo 1, que todos os poderes emanam do povo e de seus representantes.
A prisão de Joesley implicou na suspensão do acordo de delação, medida inevitável diante do escândalo dentro do escândalo. Resolvida de modo unilateral pelo ministro-relator Edson Facchin, do STF, a decisão remete a outro fio desencapado das instituições brasileiras.
Em junho, por iniciativa do ministro Marco Aurélio Melo, o plenário debateu as prerrogativas de um juiz do STF na condução e aprovação das delações premiadas. Lembrando que as delações envolvem pactos que podem ter grande relevância para o país e não só para as partes envolvidas, Marco Aurélio achava que os onze ministros deveriam ter o direito de debater os acordos, rever seus termos e até desfazer o que encontrassem de errado. A outra parte sustentava que o ministro-relator deveria ter plena autonomia para supervisionar os acordos, cabendo ao plenário só dar qualquer palpite no momento da sentença final.
O resultado foi uma maioria de 7 votos a favor da decisão individual. Apoiada por Rodrigo Janot e defendida, na tribuna, por um dos advogados de Joesley, Pierpaolo Bottini, a decisão teve como base um argumento particular. Falou-se, em plenário que o STF deveria garantir a "lealdade" aos delatores e cumprir aquilo que era combinado.
O argumento é que não se poderia imaginar que aqueles cidadãos -- corruptores -- pudessem se dispor a colaborar com o Estado se houvesse o risco de o acordo ser desfeito. A palavra "lealdade" -- dirigindo-se a malfeitores confessos -- foi dita e repetida em vários momentos. "STF jura lealdade eterna a corruptos arrependidos," escrevi aqui neste espaço, na época, lembrando que o Supremo tem o dever de ser leal a Constituição inteira, inclusive artigos que defendem a educação, saúde pública e combate à miséria, e não costuma empregar argumentos dessa natureza para tomar decisões tão particulares.
Recolhidos à carceragem, Joesley e seu parceiro vão para a cadeia sem a companhia do procurador Marcelo Miller, identidade provável de um personagem várias vezes mencionado apenas como "Marcelo" na conversa gravada. Embora sua prisão tivesse sido pedida por Janot, Facchin considerou que não era necessária.
Conforme os dois interlocutores dizem na fita, "Marcelo" orienta estratégias para se aproximar do Ministério Público, dando conselhos úteis para uma aproximação proveitosa. Numa dica de natureza ideológica, que traduz o humor dos tempos de criminalização, diz que farão mais sucesso em seu esforço de aproximação do Ministério Público se passarem a tratar os políticos como "bandidos".
Ocorrida às vésperas do segundo depoimento de Lula a Sérgio Moro, a prisão de Joesley é uma coreografia útil para a imagem já desgastada da Lava Jato num momento em que se tenta fechar o cerco para asfixiar uma candidatura fortalecida pelas pesquisas e com novas energias depois da caravana pelo nordeste.
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