Por Marília Ceci Cubero, no site Brasil Debate:
Keynes enxergava sua contribuição teórica como uma explicação para os motivos pelos quais o emprego e a produção estão suscetíveis a flutuações. No quadro de uma economia monetária da produção, encontrou a explicação para variação do emprego e da renda na tomada de decisão de gasto dos agentes econômicos, principalmente no que se refere à decisão de gasto em investimento.
A variação do gasto em investimentos decorre da necessidade dos agentes tomarem suas decisões em uma economia envolta por expectativas, na qual cálculos probabilísticos não têm a capacidade de abrandar a incerteza. Um dos problemas decisivos para a efetivação do investimento está na disponibilidade de fontes de financiamento adequadas às condições de maturação, risco e retorno esperado.
Atualmente no Brasil uma das fontes mais importantes de financiamento para o investimento público é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Para dimensionar sua importância, desde o ano 2002, o valor injetado na economia, bem como a sua aplicação nas áreas específicas, tem apresentado uma trajetória de grande expansão. Para o exercício de 2004 foram injetados R$67 bilhões, em contraposição, no ano de 2015 foi injetado um total de R$ 181 bilhões. Para o mesmo período, o valor destinado a habitação, saneamento e infraestrutura passou de R$ 10 bilhões para R$58 bilhões (FGTS, 2017).
Algumas características do FGTS
O FGTS é um fundo de poupança compulsória, caracterizado pela receita que se origina do recolhimento de impostos e contribuições, e pela função dual que cumpre a sociedade: a proteção ao trabalhador e o financiamento de políticas sociais (Pinheiro, 1998). Atualmente, sua estrutura institucional está baseada na Lei nº 8.036/90 e sua administração envolve o Conselho Curador, o Ministério do Trabalho, o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal.
O Fundo foi criado em 1966, tendo como principal objetivo que os empregados, em situações de demissões sem justa causa e aposentadoria, tivessem acesso a uma poupança individual, no montante de um salário por ano de trabalho. O segundo objetivo era que os recursos fossem incorporados ao Sistema Financeiro da Habitação e que, entre os períodos dos depósitos pelos empregadores e dos saques pelos trabalhadores, pudesse ser utilizado pelas políticas governamentais para financiar investimentos em habitação, infraestrutura urbana e saneamento.
Para entender a natureza do FGTS é importante destacar que seus recursos envolvem a participação de diferentes agentes, com diferentes interesses. Em primeiro lugar, observamos os empregadores, que tomam as contribuições como um custo; em segundo, temos os trabalhadores, que veem no seguro social um auxílio para momentos de dificuldade; por fim, o governo que utiliza o Fundo como funding para financiar políticas sociais (Pinheiro, 1998).
Dada essa caracterização, diversos debates se desenrolam, envolvendo temas como os efeitos do FGTS sobre o mercado de trabalho e o papel do Estado na apropriação e destinação dos recursos.
Cumpre destacar uma especificidade do Fundo: os recursos apresentam uma natureza cíclica. O FGTS é sensível às flutuações econômicas, pois sua arrecadação está correlacionada com o nível do emprego formal e com alterações estruturais na economia, como, por exemplo, o aumento do trabalho informal. Nessas circunstâncias, uma queda nas contribuições pode levar a profundos desequilíbrios, dificultando sua função de instrumento compensatório de emprego e renda (Carvalho, 1999).
Impactos da reforma trabalhista no FGTS
A reforma trabalhista recentemente aprovada (2017) é um importante elemento para se refletir sobre o FGTS hoje, visto que implica impactos na seguridade social e na arrecadação do funding para as políticas sociais. Defende-se aqui que a reforma ao transformar o trabalhador em um empreendedor de si próprio, na realidade está reduzindo a estabilidade e segurança do trabalho em nome da lógica empresarial de corte de custos.
Isso fica claro quando observamos que os contratos por tempo indeterminado perdem espaço para as modalidades de contratação como trabalho temporário, terceirização, jornada parcial, trabalho autônomo e trabalho intermitente (CESIT, 2017).
Um dos impactos mais diretos sobre o FGTS se refere à movimentação da conta vinculada do trabalhador (artigo 18 e 20 da Lei 8.036/90). Para as situações de demissão sem justa causa continua a valer a obrigatoriedade de o empregador pagar uma multa de 40% do montante depositado na conta deste trabalhador. A novidade fica por conta da possibilidade de demissão acordada, em que o empregador deverá pagar uma multa menor – no valor de 20% – e o trabalhador ainda só poderá sacar 80% do FGTS.
Aqui valem duas ressalvas: o empregador não é obrigado a aceitar este acordo e os trabalhadores perdem o direito ao seguro-desemprego. Além disso, algumas modalidades como trabalho temporário nem tem direito a receber a multa do FGTS. Com essas medidas o que temos é uma redução do custo de dispensa, tanto do empregador quanto do poder público (que não arcará com o seguro-desemprego), e o trabalhador ficando à mercê da efetivação da demissão acordada.
Outro ponto importante refere-se ao rebaixamento dos salários, que obviamente além de prejudicar os trabalhadores, atinge o montante do funding de financiamento das políticas de habitação, saneamento e infraestrutura. Nesse sentido, a reforma afeta negativamente as remunerações ao permitir que ocorra diminuição salarial sem a correspondente diminuição nas horas de trabalho.
Não apenas isso, a reforma também atribui outras categorias a remunerações que têm o caráter nitidamente salarial, por exemplo, ao tratar a Participação nos Lucros e Resultados como um bônus permite que esse valor não seja incorporado aos salários, não participando do cálculo do décimo terceiro, férias e recolhimento ao FGTS. O mesmo acontece com o pagamento de prêmios relacionados a programas de incentivo. Ou seja, são remunerações não incluídas aos salários, logo que não integram outros direitos, e que ainda podem ser suspensas a qualquer momento (CESIT, 2017).
Indiretamente os salários também tendem a reduzir como consequência do incentivo à terceirização e do aumento dos contratos temporários, visto que é consenso nas pesquisas do mercado de trabalho que os contratados diretamente e por prazo indeterminado são mais bem remunerados.
Em todos os casos, os efeitos são deletérios ao FGTS, fragilizando o maior e mais importante fundo parafiscal do Brasil, que há décadas cumpre a função de financiar as políticas de habitação, saneamento e infraestrutura urbana.
Fontes
CARVALHO, Carlos E.; PINHEIRO, Maurício M. S. FGTS: avaliação das propostas de reforma e extinção. IPEA, Texto para Discussão n. 671, 1999.
CESIT (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho). Dossiê: Reforma Trabalhista. Campinas, Unicamp, junho de 2017.
FGTS. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. 2017. Disponível em:.
PINHEIRO, Mauricio Mota Saboya. Fundos de poupança compulsória e financiamento da economia: 1990/1997. IPEA, Texto para discussão nº588. Setembro de 1998.
Keynes enxergava sua contribuição teórica como uma explicação para os motivos pelos quais o emprego e a produção estão suscetíveis a flutuações. No quadro de uma economia monetária da produção, encontrou a explicação para variação do emprego e da renda na tomada de decisão de gasto dos agentes econômicos, principalmente no que se refere à decisão de gasto em investimento.
A variação do gasto em investimentos decorre da necessidade dos agentes tomarem suas decisões em uma economia envolta por expectativas, na qual cálculos probabilísticos não têm a capacidade de abrandar a incerteza. Um dos problemas decisivos para a efetivação do investimento está na disponibilidade de fontes de financiamento adequadas às condições de maturação, risco e retorno esperado.
Atualmente no Brasil uma das fontes mais importantes de financiamento para o investimento público é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Para dimensionar sua importância, desde o ano 2002, o valor injetado na economia, bem como a sua aplicação nas áreas específicas, tem apresentado uma trajetória de grande expansão. Para o exercício de 2004 foram injetados R$67 bilhões, em contraposição, no ano de 2015 foi injetado um total de R$ 181 bilhões. Para o mesmo período, o valor destinado a habitação, saneamento e infraestrutura passou de R$ 10 bilhões para R$58 bilhões (FGTS, 2017).
Algumas características do FGTS
O FGTS é um fundo de poupança compulsória, caracterizado pela receita que se origina do recolhimento de impostos e contribuições, e pela função dual que cumpre a sociedade: a proteção ao trabalhador e o financiamento de políticas sociais (Pinheiro, 1998). Atualmente, sua estrutura institucional está baseada na Lei nº 8.036/90 e sua administração envolve o Conselho Curador, o Ministério do Trabalho, o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal.
O Fundo foi criado em 1966, tendo como principal objetivo que os empregados, em situações de demissões sem justa causa e aposentadoria, tivessem acesso a uma poupança individual, no montante de um salário por ano de trabalho. O segundo objetivo era que os recursos fossem incorporados ao Sistema Financeiro da Habitação e que, entre os períodos dos depósitos pelos empregadores e dos saques pelos trabalhadores, pudesse ser utilizado pelas políticas governamentais para financiar investimentos em habitação, infraestrutura urbana e saneamento.
Para entender a natureza do FGTS é importante destacar que seus recursos envolvem a participação de diferentes agentes, com diferentes interesses. Em primeiro lugar, observamos os empregadores, que tomam as contribuições como um custo; em segundo, temos os trabalhadores, que veem no seguro social um auxílio para momentos de dificuldade; por fim, o governo que utiliza o Fundo como funding para financiar políticas sociais (Pinheiro, 1998).
Dada essa caracterização, diversos debates se desenrolam, envolvendo temas como os efeitos do FGTS sobre o mercado de trabalho e o papel do Estado na apropriação e destinação dos recursos.
Cumpre destacar uma especificidade do Fundo: os recursos apresentam uma natureza cíclica. O FGTS é sensível às flutuações econômicas, pois sua arrecadação está correlacionada com o nível do emprego formal e com alterações estruturais na economia, como, por exemplo, o aumento do trabalho informal. Nessas circunstâncias, uma queda nas contribuições pode levar a profundos desequilíbrios, dificultando sua função de instrumento compensatório de emprego e renda (Carvalho, 1999).
Impactos da reforma trabalhista no FGTS
A reforma trabalhista recentemente aprovada (2017) é um importante elemento para se refletir sobre o FGTS hoje, visto que implica impactos na seguridade social e na arrecadação do funding para as políticas sociais. Defende-se aqui que a reforma ao transformar o trabalhador em um empreendedor de si próprio, na realidade está reduzindo a estabilidade e segurança do trabalho em nome da lógica empresarial de corte de custos.
Isso fica claro quando observamos que os contratos por tempo indeterminado perdem espaço para as modalidades de contratação como trabalho temporário, terceirização, jornada parcial, trabalho autônomo e trabalho intermitente (CESIT, 2017).
Um dos impactos mais diretos sobre o FGTS se refere à movimentação da conta vinculada do trabalhador (artigo 18 e 20 da Lei 8.036/90). Para as situações de demissão sem justa causa continua a valer a obrigatoriedade de o empregador pagar uma multa de 40% do montante depositado na conta deste trabalhador. A novidade fica por conta da possibilidade de demissão acordada, em que o empregador deverá pagar uma multa menor – no valor de 20% – e o trabalhador ainda só poderá sacar 80% do FGTS.
Aqui valem duas ressalvas: o empregador não é obrigado a aceitar este acordo e os trabalhadores perdem o direito ao seguro-desemprego. Além disso, algumas modalidades como trabalho temporário nem tem direito a receber a multa do FGTS. Com essas medidas o que temos é uma redução do custo de dispensa, tanto do empregador quanto do poder público (que não arcará com o seguro-desemprego), e o trabalhador ficando à mercê da efetivação da demissão acordada.
Outro ponto importante refere-se ao rebaixamento dos salários, que obviamente além de prejudicar os trabalhadores, atinge o montante do funding de financiamento das políticas de habitação, saneamento e infraestrutura. Nesse sentido, a reforma afeta negativamente as remunerações ao permitir que ocorra diminuição salarial sem a correspondente diminuição nas horas de trabalho.
Não apenas isso, a reforma também atribui outras categorias a remunerações que têm o caráter nitidamente salarial, por exemplo, ao tratar a Participação nos Lucros e Resultados como um bônus permite que esse valor não seja incorporado aos salários, não participando do cálculo do décimo terceiro, férias e recolhimento ao FGTS. O mesmo acontece com o pagamento de prêmios relacionados a programas de incentivo. Ou seja, são remunerações não incluídas aos salários, logo que não integram outros direitos, e que ainda podem ser suspensas a qualquer momento (CESIT, 2017).
Indiretamente os salários também tendem a reduzir como consequência do incentivo à terceirização e do aumento dos contratos temporários, visto que é consenso nas pesquisas do mercado de trabalho que os contratados diretamente e por prazo indeterminado são mais bem remunerados.
Em todos os casos, os efeitos são deletérios ao FGTS, fragilizando o maior e mais importante fundo parafiscal do Brasil, que há décadas cumpre a função de financiar as políticas de habitação, saneamento e infraestrutura urbana.
Fontes
CARVALHO, Carlos E.; PINHEIRO, Maurício M. S. FGTS: avaliação das propostas de reforma e extinção. IPEA, Texto para Discussão n. 671, 1999.
CESIT (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho). Dossiê: Reforma Trabalhista. Campinas, Unicamp, junho de 2017.
FGTS. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. 2017. Disponível em:
PINHEIRO, Mauricio Mota Saboya. Fundos de poupança compulsória e financiamento da economia: 1990/1997. IPEA, Texto para discussão nº588. Setembro de 1998.
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