Por Roberto Amaral, em seu blog:
O círculo de giz caucasiano - ou seja, a aliança de ferro e fogo entre as forças políticas conservadoras, o poder econômico, a mídia ensandecida, o Ministério Público e o Poder Judiciário – que desde os primeiros dias de 2015 se organiza e opera visando à destruição política de Luiz Inácio Lula da Silva (menos por ele, mais pelo que representa para as grandes massas), não é fato novo na política brasileira, monótona na repetição de suas tragédias, incorrigível na persistente intolerância da Casa Grande a tudo que possa sugerir progresso social e emergência econômica e política popular, numa História na qual o povo foi sempre um exilado, tolerado apenas como massa de manobra para a conciliação comandada do alto pela classe dominante.
O grande projeto das forças que nos governam desde sempre, e governam independentemente do caráter dos governos, tem sido assegurar-se de que, na democracia representativa permitida, a opção eleitoral, qualquer que seja, precisará conservar o mando do poder econômico e suas alianças conjunturais. Toda vez que esse mando é ameaçado, mesmo que o agente possa ser um dos seus, a direita e as forças ditas liberais não titubeiam em fraturar as instituições democráticas. Afinal, quase tudo por elas é admitido, principalmente a troca dos nomes dos governantes, mas é inaceitável a mudança de governo, nomeadamente quando ameaça com a ascensão daquelas forças destinadas pelo pacto dominante à simples figuração.
A releitura desse processo em episódios passados nos ajudará a compreender a conjuntura que estamos vivendo desde as eleições de 2014 e a inaceitada vitória de Dilma Rousseff.
Em 1950, a candidatura de Getúlio Vargas (o ditador derrubado em 1945), simbolizava a emergência das massas, o governo das forças trabalhistas, de par com um nacionalismo que compreenderia o monopólio estatal do petróleo e um desenvolvimento econômico autônomo. Propostas inaceitáveis pelo establishment. A reação revelou-se imediata e radical, e para formulá-la foi nomeado o jornalista Carlos Lacerda (um Bolsonaro alfabetizado), que a ditou em artigo na Tribuna da Imprensa (1º/6/1950): “O Sr. Getúlio Vargas senador não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
Há alguma diferença essencial entre esse dictak e o que ameaça a candidatura Lula?
Com aquele discurso, Lacerda vocalizava os interesses e os projetos da classe dominante de então – os interesses da plutocracia paulista associados aos projetos dos trustes internacionais, que dialogavam com os setores mais atrasados das Forças Armadas, naquela altura useiras e vezeiras em intervenções na política e na vida institucional, distorção que acompanha toda a vida republicana até a grande ruptura de 1964.
Não se fez necessária a “revolução” brandida por Lacerda. Como sabemos, Vargas foi eleito, tomou posse, governou aos trancos e barrancos e purgou todos esses feitos com sua deposição e suicídio na madrugada de 24 de agosto de 1954 (traído pelo seu vice), acusado de corrupção pela direita fóbica, e de “lacaio do imperialismo” pelo Partido Comunista daqueles tempos.
O que se segue é sabido, mas convém recordá-lo para melhor compreendermos a natureza do golpe de 2016, ainda em andamento, e para nos precatarmos ante o que, cozido hoje, está por nos ser servido amanhã.
Com a queda de Vargas assume a presidência da República o vice, Café filho, uma antecipação de Michel Temer, marionete conduzida pelos cordéis articulados pela direita, capitaneada na política pela UDN, na imprensa por O Globo e Estadão, e entre os militares liderada pelo brigadeiro Eduardo Gomes (ministro da Aeronáutica) e general Juarez Távora (Chefe da Casa Militar), artífices do golpe. Ocorre que a nova força dominante já encontraria a disputa eleitoral de 1955 a caminho, com dois candidatos nas ruas: Juscelino Kubitscheck (governador de Minas Gerais) e Ademar de Barros (ex-interventor em São Paulo). Sem condições de impedir o pleito, a alternativa era manipulá-lo, afastando da disputa o adversário afagado pelos eleitores, JK.
Repetia-se, assim, em 1955, pelas mesmas razões, a sentença que se abatera em 1950 sobre Vargas, e que se abate hoje sobre Lula.
Tudo foi feito para impedir, primeiro, a candidatura de JK, inclusive com a edição de um “Manifesto” dos ministros militares proclamando a inconveniência de sua candidatura. Viabilizada esta, porém, lança-se a direita de corpo e alma na candidatura do Marechal Juarez Távora, que seria derrotada nas eleições. É o que se tenta agora, mas desta feita sem esperanças eleitorais, com a candidatura do governador Geraldo Alckmin.
Por mil e uma maquinações, mil e um recursos jurídicos e políticos, conspirações civis e militares, derrotada nas eleições, as forças reacionárias intentam impedir a diplomação dos eleitos. Diplomados Juscelino e seu vice João Goulart, após longa batalha judicial, a direita e o governo fantoche articulam, finalmente, mais um golpe de Estado, na hora H sustado pela dissidência do Marechal Henrique Lott, ministro da Guerra. É o episódio que a História registra como o contragolpe de 11 de novembro de 1955, que, garantindo a legalidade, assegurou a posse dos eleitos.
Precatada, logrando impedir a governança de Dilma Rousseff, a direita abriu caminho para o golpe de 2016, e na sua sequência aplica-se na implantação de um regime de exceção fundado na ação antipopular, antidesenvolvimentista e antinacional, o governo de uma súcia de corruptos comandada pelo próprio vice perjuro feito presidente. Esse governo, para realizar seu projeto, precisa projetar-se no tempo após extinto, e para tal persegue um objetivo crucial, qual seja: deter, por quaisquer meios, mas de preferência por aqueles meios que conservem diante da opinião púbica um verniz de legalidade, a destruição de Lula, que começa pela tentativa de impedimento de sua candidatura, ante a impossibilidade de derrotá-lo nas urnas. O fato objetivo, culpabilidade ou inocência de Lula, é questão secundária – para seus adversários anunciados mas igualmente para o Ministério Público e o Poder Judiciário, seus juízes de piso e seus ministros – pois a condenação transformou-se numa necessidade para a sobrevivência do atuais mandatários do poder extorquido do povo.
A explicação dessa fase do golpe de 2016 está estampada em matéria do Estadão assinada por Danilo Cersosimo (20/12/2017):
“O Barômetro Político Estadão-Ipsos de dezembro continua a registrar tendência de alta na aprovação do ex-presidente Lula, que atinge agora 45% (era de 24% há exatamente um ano). Sua desaprovação, que era de 72% em dezembro do ano passado, está agora em 54%”.
Mas não é só, pois, relembrando a solidão da direita em 1950 e em 1955, o governador Geraldo Alckmin “viu novamente sua desaprovação subir – de 67% para 72% – e sua aprovação retroagir de 24% para 19%, cessando momentaneamente uma pequena tendência de alta que parecia se configurar”.
Em 1955 as tentativas de bloquear a caminhada de Juscelino despertaram a reação não apenas das forças progressistas, suas aliadas, mas de consideráveis segmentos democráticos e liberais, mesmo de forças conservadoras comprometidas com a ordem constitucional, e o maior símbolo dessa resistência foi o advogado Sobral Pinto.
Em 1961, com o veto dos militares à posse de João Goulart, as forças populares se organizaram na grande “cadeia da legalidade” que unificou o País na defesa da Constituição. A posse foi assegurada, mas, num acordo de cúpula, os poderes do presidente da República foram castrados com a aprovação da emenda parlamentarista.
Desta feita, tudo está planejado. É preciso impedir a candidatura Lula, com sua condenação, com sua prisão, com sua impugnação; se o candidato superar essa gincana, deverá ser derrotado nas eleições. Eleito (se eleições tivermos), só tomará posse se o Congresso aprovar emenda que visa ao “presidencialismo mitigado”, a fórmula imoral e inconstitucional redigida por Gilmar Mendes (sempre ele) e articulada por Michel Temer. Num de seus artigos, a Emenda Constitucional proposta pelo líder do governo no STF prevê (parágrafo único do art. 82): “Ninguém poderá exercer mais de dois mandatos presidenciais, consecutivos ou não”. Mais casuísmo, mais desfaçatez, é impossível.
Romero Jucá, em artigo que assinou e a Folha publicou (20.12.17), diz claramente da disposição da súcia de valer-se de todos os meios possíveis para conservar-se no poder: “Não enfrentamos esse tsunami todo para aceitar de bom grado propostas que tentam devolver o Brasil ao início do século.” Ele quis dizer: “Não colocamos um golpe em andamento, com todo o custo correspondente, para permitir que a esquerda retome o poder na primeira oportunidade.”
A alternativa ao golpe e à sua perpetuação, ensina a história republicana, é a mobilização popular.
É a mobilização que cabe a todos os democratas, porque, a partir de agora, com o golpismo anunciado pelo comportamento heterodoxo (mas nada surpreendente) do Tribunal da 4ª Região, não se trata, mais, de defender Lula, tão-só, muito menos de defender seu partido: trata-se, acima de tudo, de defender a legalidade democrática, sem a qual todos perderemos, mas perderão principalmente os trabalhadores. A história volta para as mãos dos movimentos sociais.
O círculo de giz caucasiano - ou seja, a aliança de ferro e fogo entre as forças políticas conservadoras, o poder econômico, a mídia ensandecida, o Ministério Público e o Poder Judiciário – que desde os primeiros dias de 2015 se organiza e opera visando à destruição política de Luiz Inácio Lula da Silva (menos por ele, mais pelo que representa para as grandes massas), não é fato novo na política brasileira, monótona na repetição de suas tragédias, incorrigível na persistente intolerância da Casa Grande a tudo que possa sugerir progresso social e emergência econômica e política popular, numa História na qual o povo foi sempre um exilado, tolerado apenas como massa de manobra para a conciliação comandada do alto pela classe dominante.
O grande projeto das forças que nos governam desde sempre, e governam independentemente do caráter dos governos, tem sido assegurar-se de que, na democracia representativa permitida, a opção eleitoral, qualquer que seja, precisará conservar o mando do poder econômico e suas alianças conjunturais. Toda vez que esse mando é ameaçado, mesmo que o agente possa ser um dos seus, a direita e as forças ditas liberais não titubeiam em fraturar as instituições democráticas. Afinal, quase tudo por elas é admitido, principalmente a troca dos nomes dos governantes, mas é inaceitável a mudança de governo, nomeadamente quando ameaça com a ascensão daquelas forças destinadas pelo pacto dominante à simples figuração.
A releitura desse processo em episódios passados nos ajudará a compreender a conjuntura que estamos vivendo desde as eleições de 2014 e a inaceitada vitória de Dilma Rousseff.
Em 1950, a candidatura de Getúlio Vargas (o ditador derrubado em 1945), simbolizava a emergência das massas, o governo das forças trabalhistas, de par com um nacionalismo que compreenderia o monopólio estatal do petróleo e um desenvolvimento econômico autônomo. Propostas inaceitáveis pelo establishment. A reação revelou-se imediata e radical, e para formulá-la foi nomeado o jornalista Carlos Lacerda (um Bolsonaro alfabetizado), que a ditou em artigo na Tribuna da Imprensa (1º/6/1950): “O Sr. Getúlio Vargas senador não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
Há alguma diferença essencial entre esse dictak e o que ameaça a candidatura Lula?
Com aquele discurso, Lacerda vocalizava os interesses e os projetos da classe dominante de então – os interesses da plutocracia paulista associados aos projetos dos trustes internacionais, que dialogavam com os setores mais atrasados das Forças Armadas, naquela altura useiras e vezeiras em intervenções na política e na vida institucional, distorção que acompanha toda a vida republicana até a grande ruptura de 1964.
Não se fez necessária a “revolução” brandida por Lacerda. Como sabemos, Vargas foi eleito, tomou posse, governou aos trancos e barrancos e purgou todos esses feitos com sua deposição e suicídio na madrugada de 24 de agosto de 1954 (traído pelo seu vice), acusado de corrupção pela direita fóbica, e de “lacaio do imperialismo” pelo Partido Comunista daqueles tempos.
O que se segue é sabido, mas convém recordá-lo para melhor compreendermos a natureza do golpe de 2016, ainda em andamento, e para nos precatarmos ante o que, cozido hoje, está por nos ser servido amanhã.
Com a queda de Vargas assume a presidência da República o vice, Café filho, uma antecipação de Michel Temer, marionete conduzida pelos cordéis articulados pela direita, capitaneada na política pela UDN, na imprensa por O Globo e Estadão, e entre os militares liderada pelo brigadeiro Eduardo Gomes (ministro da Aeronáutica) e general Juarez Távora (Chefe da Casa Militar), artífices do golpe. Ocorre que a nova força dominante já encontraria a disputa eleitoral de 1955 a caminho, com dois candidatos nas ruas: Juscelino Kubitscheck (governador de Minas Gerais) e Ademar de Barros (ex-interventor em São Paulo). Sem condições de impedir o pleito, a alternativa era manipulá-lo, afastando da disputa o adversário afagado pelos eleitores, JK.
Repetia-se, assim, em 1955, pelas mesmas razões, a sentença que se abatera em 1950 sobre Vargas, e que se abate hoje sobre Lula.
Tudo foi feito para impedir, primeiro, a candidatura de JK, inclusive com a edição de um “Manifesto” dos ministros militares proclamando a inconveniência de sua candidatura. Viabilizada esta, porém, lança-se a direita de corpo e alma na candidatura do Marechal Juarez Távora, que seria derrotada nas eleições. É o que se tenta agora, mas desta feita sem esperanças eleitorais, com a candidatura do governador Geraldo Alckmin.
Por mil e uma maquinações, mil e um recursos jurídicos e políticos, conspirações civis e militares, derrotada nas eleições, as forças reacionárias intentam impedir a diplomação dos eleitos. Diplomados Juscelino e seu vice João Goulart, após longa batalha judicial, a direita e o governo fantoche articulam, finalmente, mais um golpe de Estado, na hora H sustado pela dissidência do Marechal Henrique Lott, ministro da Guerra. É o episódio que a História registra como o contragolpe de 11 de novembro de 1955, que, garantindo a legalidade, assegurou a posse dos eleitos.
Precatada, logrando impedir a governança de Dilma Rousseff, a direita abriu caminho para o golpe de 2016, e na sua sequência aplica-se na implantação de um regime de exceção fundado na ação antipopular, antidesenvolvimentista e antinacional, o governo de uma súcia de corruptos comandada pelo próprio vice perjuro feito presidente. Esse governo, para realizar seu projeto, precisa projetar-se no tempo após extinto, e para tal persegue um objetivo crucial, qual seja: deter, por quaisquer meios, mas de preferência por aqueles meios que conservem diante da opinião púbica um verniz de legalidade, a destruição de Lula, que começa pela tentativa de impedimento de sua candidatura, ante a impossibilidade de derrotá-lo nas urnas. O fato objetivo, culpabilidade ou inocência de Lula, é questão secundária – para seus adversários anunciados mas igualmente para o Ministério Público e o Poder Judiciário, seus juízes de piso e seus ministros – pois a condenação transformou-se numa necessidade para a sobrevivência do atuais mandatários do poder extorquido do povo.
A explicação dessa fase do golpe de 2016 está estampada em matéria do Estadão assinada por Danilo Cersosimo (20/12/2017):
“O Barômetro Político Estadão-Ipsos de dezembro continua a registrar tendência de alta na aprovação do ex-presidente Lula, que atinge agora 45% (era de 24% há exatamente um ano). Sua desaprovação, que era de 72% em dezembro do ano passado, está agora em 54%”.
Mas não é só, pois, relembrando a solidão da direita em 1950 e em 1955, o governador Geraldo Alckmin “viu novamente sua desaprovação subir – de 67% para 72% – e sua aprovação retroagir de 24% para 19%, cessando momentaneamente uma pequena tendência de alta que parecia se configurar”.
Em 1955 as tentativas de bloquear a caminhada de Juscelino despertaram a reação não apenas das forças progressistas, suas aliadas, mas de consideráveis segmentos democráticos e liberais, mesmo de forças conservadoras comprometidas com a ordem constitucional, e o maior símbolo dessa resistência foi o advogado Sobral Pinto.
Em 1961, com o veto dos militares à posse de João Goulart, as forças populares se organizaram na grande “cadeia da legalidade” que unificou o País na defesa da Constituição. A posse foi assegurada, mas, num acordo de cúpula, os poderes do presidente da República foram castrados com a aprovação da emenda parlamentarista.
Desta feita, tudo está planejado. É preciso impedir a candidatura Lula, com sua condenação, com sua prisão, com sua impugnação; se o candidato superar essa gincana, deverá ser derrotado nas eleições. Eleito (se eleições tivermos), só tomará posse se o Congresso aprovar emenda que visa ao “presidencialismo mitigado”, a fórmula imoral e inconstitucional redigida por Gilmar Mendes (sempre ele) e articulada por Michel Temer. Num de seus artigos, a Emenda Constitucional proposta pelo líder do governo no STF prevê (parágrafo único do art. 82): “Ninguém poderá exercer mais de dois mandatos presidenciais, consecutivos ou não”. Mais casuísmo, mais desfaçatez, é impossível.
Romero Jucá, em artigo que assinou e a Folha publicou (20.12.17), diz claramente da disposição da súcia de valer-se de todos os meios possíveis para conservar-se no poder: “Não enfrentamos esse tsunami todo para aceitar de bom grado propostas que tentam devolver o Brasil ao início do século.” Ele quis dizer: “Não colocamos um golpe em andamento, com todo o custo correspondente, para permitir que a esquerda retome o poder na primeira oportunidade.”
A alternativa ao golpe e à sua perpetuação, ensina a história republicana, é a mobilização popular.
É a mobilização que cabe a todos os democratas, porque, a partir de agora, com o golpismo anunciado pelo comportamento heterodoxo (mas nada surpreendente) do Tribunal da 4ª Região, não se trata, mais, de defender Lula, tão-só, muito menos de defender seu partido: trata-se, acima de tudo, de defender a legalidade democrática, sem a qual todos perderemos, mas perderão principalmente os trabalhadores. A história volta para as mãos dos movimentos sociais.
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