quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Feliz ano velho ou feliz ano novo?

Por Guilherme Mello, no site Vermelho:

Sempre ao início de um novo ano os economistas são consultados, seja para diagnosticar o ano anterior, seja para utilizar seus obscuros conhecimentos para desvendar o futuro. Mais próximos dos antigos alquimistas que dos modernos químicos, os economistas se apressam a desfilar uma série de previsões com graus de detalhe que ironicamente alcançam a segunda casa decimal.

Inflação, crescimento, taxa de câmbio, resultados fiscais, taxas de desemprego, produção industrial, todas variáveis previamente quantificadas com base em elaborados modelos econométricos, que no mais das vezes apenas transferem o passado recente para o futuro, com o acréscimo de algumas pitadas de convicção política/ideológica do formulador do modelo.

Pois vejamos o que as sábias vozes dos alquimistas midiáticos têm a nos dizer alvorecer de 2018. O balanço de 2017 realizado pela maioria dos economistas traz um saldo positivo: o fim da recessão, o controle inflacionário, a retomada da geração de empregos, a melhoria na produção agrícola, a queda nos juros e a excepcional valorização no mercado acionário. Desfilar essa série de dados, em particular para aqueles que acreditam que a atual equipe econômica colocou o país no rumo certo, parece evidência incontestável de um ano positivo para o país.

O diabo, como de costume, mora nos detalhes. Se é verdade que o PIB parou de cair, marcando o fim do período recessivo, também é verdade que essa é a recuperação mais lenta dentre todas as crises já vividas pelo país. Comemorar 1% de crescimento após dois anos de queda acumulada de mais de 7% do PIB parece uma piada bem ao (mal) gosto de meus colegas de profissão. A “recuperação” do PIB não nos deixa nem um pouco próximos do nível que encontrávamos em 2014, demonstrando que a saída da recessão não significa o fim da depressão.

No campo inflacionário, comemoramos o erro. Sim, por que a inflação ficará abaixo do piso da meta inflacionária definida pelo governo, deixando claro que a política de queda dos juros e estimulo econômico foi tímida e tardia, prolongando indevidamente a recessão e aprofundando um processo deflacionário que já vinha em curso desde o início de 2016.

Ademais, boa parte da queda de preços se deveu à supersafra de alimentos, que até segunda ordem está mais sob controle do ministério de São Pedro do que de São Meirelles. Diante da queda de preço dos alimentos e da ausência de choques cambiais, caberia ao governo estimular a economia, ampliando o crédito e os investimentos públicos, mas o que se viu foi uma letargia ortodoxa que manteve o Brasil na lama por mais um ano, ainda disputando a liderança no ranking de juros reais do mundo.

Por fim, se é verdade que o mercado acionário, acessível a poucas pessoas, teve um ano de ganhos extraordinários da esteira do excesso de liquidez global, também é verdade que o emprego, o salário e a renda real tiveram desempenho pífio, na esteira da recuperação anêmica da economia nacional.

A relativa estabilização na taxa de desemprego (leve alta de 0,1% na comparação entre o trimestre encerrado em novembro de 2017 com o encerrado em novembro de 2016) esconde a deterioração do emprego formal, que atingiu a menor taxa em cinco anos, segundo dados da PNAD de dezembro/2017. A informalidade e a precarização das relações de trabalho, impulsionadas pela recente reforma trabalhista, dão a tônica de uma falsa recuperação da renda real, resultante mais de uma inflação anormalmente baixa do que de um real impulso no mercado de trabalho.

Diante deste quadro pouco animador para a grande maioria da população brasileira, o que podemos esperar de 2018? Se nos valermos da praxe dos economistas de que o futuro costuma repetir o passado recente, as perspectivas não são nada alvissareiras. Mesmo que desconsideremos o fato de que 2018 será supostamente um ano eleitoral, costumeiramente marcado por profundas oscilações na confiança dos investidores e dos empresários, e o Estado estará encalacrado com sua autoimposta austeridade orçamentária, impedindo o avanço dos investimentos públicos e gastos sociais, a mera continuidade da lenta recuperação econômica (em grande medida puxada por fatores excepcionais, como a safra agrícola recorde e a liberação dos saldos inativos do FGTS) parece incapaz de dar tração ao crescimento e recuperar as condições de vida do brasileiro médio em um prazo razoável.

É possível que vejamos uma taxa de crescimento ligeiramente maior que a deste ano, a depender da dinâmica do setor externo e do consumo das famílias, mas nada que aponte para um novo ciclo de desenvolvimento, muito menos para qualquer mudança na esgarçada estrutura produtiva ou na injusta estrutura social brasileira. A inflação dificilmente ficará novamente abaixo da meta, em particular se houver alguma desvalorização cambial como consequência da incerteza eleitoral.

Por fim, o desemprego pode apresentar ligeira retração, mas baseado em empregos informais, precários e de baixa remuneração, seguindo o padrão verificado neste ano. Obviamente que todas estas “percepções” podem se alterar caso uma crise global, anunciada como iminente por alguns famosos economistas internacionais, se precipite em 2018, o que jogaria qualquer esperança de recuperação (mesmo que vagarosa) por água abaixo.

Se estas perspectivas parecem por demais pessimistas, cabe ressaltar que 2018 pode nos guardar surpresas positivas também. Se o estado de exceção que vivemos nos últimos anos não se aprofundar, é possível que presenciemos uma eleição democrática, onde diferentes projetos de país se confrontarão e poderão apontar novos rumos para a economia brasileira a partir de 2019. Será um ano de acerto de contas com nossos sonhos e possibilidades, que poderá determinar se, ao cabo, estaremos comemorando um feliz ano velho, com o prosseguimento da depressão e o aprofundamento da repressão, ou um verdadeiro feliz ano novo, com a retomada do desenvolvimento e da democracia em sua forma plena.

* Guilherme Santos Mello é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon-Unicamp).

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