Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A demora da presidente Carmen Lúcia para marcar a sessão do plenário do Supremo Tribunal Federal para deliberar sobre o pedido de Habeas Corpus do presidente Lula revela um comportamento preocupante para a Justiça brasileira e para o país.
Num momento em que os prognósticos apontam para um placar apertado, a postura da presidente só compromete a credibilidade do STF como guardião da Constituição brasileira, tarefa que seus integrantes têm o compromisso de desempenhar com isenção e respeito à lei.
Mais do que nunca sugere uma postura parcial, contrária aos direitos do réu, favorável a acusação, já apontada pela expressão “apequenar”, quando se referia a possibilidade do STF debater o caso de Lula.
Num país habituado, pelo próprio Supremo, a transformar as grandes decisões do tribunal num programa que se acompanha ao vivo pela TV, com direito a uma seleção de melhores momentos nos telejornais, qualquer falha no quesito transparência será um absurdo difícil de aceitar. Depois de cortejar a popularidade por todos os meios desde a AP 470, o STF ficou com medo da praça pública?
Vamos reconhecer, para começar, que não estamos diante de nenhum ato de confronto institucional, nenhuma provocação ou proposta de desobediência civil. Trata-se tão somente de encaminhar uma decisão pacífica, legal e legítima do ministro Luiz Facchin, integrante do STF, como Carmen Lúcia, que, com seu apoio ostensivo, fez dele relator da Lava Jato após a tragédia que levou a vida de Teori Zavaski.
Qualquer postura em contrário equivale a desautorizar o próprio ministro e o conjunto do STF – na esperança de que a população aceitará fazer o papel de bobo, sem perceber o que está acontecendo nos meses que antecedem a eleição vista como a melhor porta de saída de uma crise que sufoca o país desde abril de 2016.
É curioso registrar que, num país onde cresce a influência de poderes sem-voto, desta vez até os ministros do STF correm o risco de serem impedidos de votar por decisão da presidente. Pode?
A postura de “empurrar com a barriga”, irá gerar um mal-estar crescente e inevitável, que envolve a concessão de um habeas corpus coerente com o artigo 5 da Constituição. A surpresa ainda é maior quando se recorda o percurso que levou Facchin a um lugar tão destacado no tribunal e no atual momento político.
Após a morte de Teori, o país entrou em estado de choque. Em termos jurídicos e políticos, no entanto, o mais importante, desde o primeiro dia, era o perfil do novo relator. Não há dúvida que o mais racional seria encontrar o sucessor entre os ministros da quarta turma. Mais familiarizados com o caso, não havia necessidade serem atualizados em todas as minúcias. Havia um problema de outra natureza aí.
Mesmo com ênfase diferenciada, nenhum dos quatro possíveis candidatos era visto como um magistrado de confiança absoluta nos círculos irredutíveis da Lava Jato. Mesmo de fora, exigindo um transplante interno, a candidatura Facchin, que se encontrava na Primeira Turma, tornou-se uma opção por isso. Com um currículo alinhado com votos que priorizam a punição dos réus no lugar do respeito pelos seus direitos, quando se ofereceu para mudar de turma e ficar com a vaga, Facchin foi recebido como o homem certo no lugar certo. Sempre em minoria na Segunda Turma, a decisão de dirigir a palavra final sobre o habeas corpus de Lula para o plenário foi uma forma de precaução, pois ali a derrota por 3 a 2, favorável a Lula, era uma decisão probabilíssima.
A indicação de Facchin envolveu um esforço para contornar outro inconveniente: esperar pela chegada de um novo ministro ao Tribunal, que deveria ser indicado por Temer e aprovado pelo Senado. Havia uma questão preliminar e o STF decidiu agir de outro modo. Como as denúncias da Lava Jato já haviam entrado no Jaburu, qualquer brecha que fosse aberta para permitir que Temer indicasse justamente o ministro encarregado da Operação, seria denunciada como uma operação para deixar a raposa tomar conta do galinheiro. Só reforçaria o ambiente de suspeita que cercou o desastre aéreo que tirou a vida de Teori.
Havia também o fator tempo, que sempre foi levado em conta na Operação na medida em que o calendário das condenações passou a cruzar-se com o calendário eleitoral. Era óbvio que uma decisão dramática e difícil – como os direitos de Lula, por exemplo – perderia toda validade política caso não fosse resolvida na hora certa.
A partir do voto de Facchin, chamar a votação em plenário tornou-se a decisão correta e natural. Não deve ser “empurrada com a barriga”, como tantos casos que adormecem na Justiça na expectativa de serem esquecidos pelos interessados. Foi o que ocorreu com o auxílio-moradia dos magistrados, aprovado há quatro anos em liminar, que só irá a votos em março, depois que se transformou numa farra nacional e num fato óbvio de desgaste de uma instituição que faz do discurso moral a tônica de suas manifestações.
O habeas-corpus de Lula é de outra natureza. Não envolve uma condenável mordomia acessível a uma fatia do serviço público, que deve ser revogada sem mais demora.
Diz respeito à preservação dos direitos dos brasileiros e do regime democrático. São fundamentos da República que estão em jogo. É necessário que o plenário do STF discuta o habeas corpus para Lula com urgência, pois diz respeito a decisões que separam a democracia de uma ditadura.
Não custa lembrar que a decisão de debater o auxílio-moradia num momento em que os fanáticos da Lava Jato fazem tudo para desviar as atenções sobre o habeas-corpus já começa a ser interpretada como um lance de marketing. As questões não devem ser misturadas. Cármen Lúcia tem obrigação de marcar o debate sobre o auxílio-moradia e poderia ter feito isso há mais tempo.
Mas a decisão não passará de um exercício bisonho de demagogia judicial se servir para evitar o debate sobre o habeas corpus de Lula.
Alguma dúvida?
A demora da presidente Carmen Lúcia para marcar a sessão do plenário do Supremo Tribunal Federal para deliberar sobre o pedido de Habeas Corpus do presidente Lula revela um comportamento preocupante para a Justiça brasileira e para o país.
Num momento em que os prognósticos apontam para um placar apertado, a postura da presidente só compromete a credibilidade do STF como guardião da Constituição brasileira, tarefa que seus integrantes têm o compromisso de desempenhar com isenção e respeito à lei.
Mais do que nunca sugere uma postura parcial, contrária aos direitos do réu, favorável a acusação, já apontada pela expressão “apequenar”, quando se referia a possibilidade do STF debater o caso de Lula.
Num país habituado, pelo próprio Supremo, a transformar as grandes decisões do tribunal num programa que se acompanha ao vivo pela TV, com direito a uma seleção de melhores momentos nos telejornais, qualquer falha no quesito transparência será um absurdo difícil de aceitar. Depois de cortejar a popularidade por todos os meios desde a AP 470, o STF ficou com medo da praça pública?
Vamos reconhecer, para começar, que não estamos diante de nenhum ato de confronto institucional, nenhuma provocação ou proposta de desobediência civil. Trata-se tão somente de encaminhar uma decisão pacífica, legal e legítima do ministro Luiz Facchin, integrante do STF, como Carmen Lúcia, que, com seu apoio ostensivo, fez dele relator da Lava Jato após a tragédia que levou a vida de Teori Zavaski.
Qualquer postura em contrário equivale a desautorizar o próprio ministro e o conjunto do STF – na esperança de que a população aceitará fazer o papel de bobo, sem perceber o que está acontecendo nos meses que antecedem a eleição vista como a melhor porta de saída de uma crise que sufoca o país desde abril de 2016.
É curioso registrar que, num país onde cresce a influência de poderes sem-voto, desta vez até os ministros do STF correm o risco de serem impedidos de votar por decisão da presidente. Pode?
A postura de “empurrar com a barriga”, irá gerar um mal-estar crescente e inevitável, que envolve a concessão de um habeas corpus coerente com o artigo 5 da Constituição. A surpresa ainda é maior quando se recorda o percurso que levou Facchin a um lugar tão destacado no tribunal e no atual momento político.
Após a morte de Teori, o país entrou em estado de choque. Em termos jurídicos e políticos, no entanto, o mais importante, desde o primeiro dia, era o perfil do novo relator. Não há dúvida que o mais racional seria encontrar o sucessor entre os ministros da quarta turma. Mais familiarizados com o caso, não havia necessidade serem atualizados em todas as minúcias. Havia um problema de outra natureza aí.
Mesmo com ênfase diferenciada, nenhum dos quatro possíveis candidatos era visto como um magistrado de confiança absoluta nos círculos irredutíveis da Lava Jato. Mesmo de fora, exigindo um transplante interno, a candidatura Facchin, que se encontrava na Primeira Turma, tornou-se uma opção por isso. Com um currículo alinhado com votos que priorizam a punição dos réus no lugar do respeito pelos seus direitos, quando se ofereceu para mudar de turma e ficar com a vaga, Facchin foi recebido como o homem certo no lugar certo. Sempre em minoria na Segunda Turma, a decisão de dirigir a palavra final sobre o habeas corpus de Lula para o plenário foi uma forma de precaução, pois ali a derrota por 3 a 2, favorável a Lula, era uma decisão probabilíssima.
A indicação de Facchin envolveu um esforço para contornar outro inconveniente: esperar pela chegada de um novo ministro ao Tribunal, que deveria ser indicado por Temer e aprovado pelo Senado. Havia uma questão preliminar e o STF decidiu agir de outro modo. Como as denúncias da Lava Jato já haviam entrado no Jaburu, qualquer brecha que fosse aberta para permitir que Temer indicasse justamente o ministro encarregado da Operação, seria denunciada como uma operação para deixar a raposa tomar conta do galinheiro. Só reforçaria o ambiente de suspeita que cercou o desastre aéreo que tirou a vida de Teori.
Havia também o fator tempo, que sempre foi levado em conta na Operação na medida em que o calendário das condenações passou a cruzar-se com o calendário eleitoral. Era óbvio que uma decisão dramática e difícil – como os direitos de Lula, por exemplo – perderia toda validade política caso não fosse resolvida na hora certa.
A partir do voto de Facchin, chamar a votação em plenário tornou-se a decisão correta e natural. Não deve ser “empurrada com a barriga”, como tantos casos que adormecem na Justiça na expectativa de serem esquecidos pelos interessados. Foi o que ocorreu com o auxílio-moradia dos magistrados, aprovado há quatro anos em liminar, que só irá a votos em março, depois que se transformou numa farra nacional e num fato óbvio de desgaste de uma instituição que faz do discurso moral a tônica de suas manifestações.
O habeas-corpus de Lula é de outra natureza. Não envolve uma condenável mordomia acessível a uma fatia do serviço público, que deve ser revogada sem mais demora.
Diz respeito à preservação dos direitos dos brasileiros e do regime democrático. São fundamentos da República que estão em jogo. É necessário que o plenário do STF discuta o habeas corpus para Lula com urgência, pois diz respeito a decisões que separam a democracia de uma ditadura.
Não custa lembrar que a decisão de debater o auxílio-moradia num momento em que os fanáticos da Lava Jato fazem tudo para desviar as atenções sobre o habeas-corpus já começa a ser interpretada como um lance de marketing. As questões não devem ser misturadas. Cármen Lúcia tem obrigação de marcar o debate sobre o auxílio-moradia e poderia ter feito isso há mais tempo.
Mas a decisão não passará de um exercício bisonho de demagogia judicial se servir para evitar o debate sobre o habeas corpus de Lula.
Alguma dúvida?
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