segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

RJ: a volta do governador biônico (e militar)

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:

A partir de 1966, quando se encerraram os mandatos dos governadores em exercício que não tinham sido depostos pelo golpe, a ditadura militar instituiu os cargos “biônicos”: prefeitos e governadores eram indicados indiretamente e empossados, sem eleição. Em 1977, quando o chamado Pacote de Abril institucionalizou os cargos biônicos no Senado (cada Estado teria direito a dois eleitos e um biônico), uma série de TV fazia sucesso: O Homem de Seis Milhões de Dólares, com Lee Majors no papel de um militar que tinha ganhado órgãos artificiais com superpoderes, o “biônicos”. Daí o apelido que os usurpadores ganharam.

O decreto que Michel Temer baixou sobre a intervenção no Rio de Janeiro traz detalhes que parecem ressuscitar esta época e deixou os brasileiros atentos de orelha em pé. Será o general Walter Souza Braga Netto o primeiro governador biônico desde a redemocratização? Há pelo menos dois trechos no decreto que indicam que sim. O primeiro deles atesta o caráter militar do interventor, algo totalmente fora do padrão nessas situações:

Art. 2º Fica nomeado para o cargo de Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto.

Parágrafo único. O cargo de Interventor é de natureza militar.

No primeiro parágrafo do artigo seguinte, o decreto também deixa claro que o interventor não estará sujeito às normas estaduais e se subordinará diretamente a Temer, não ao governador Luiz Fernando Pezão:

§ 1º O Interventor fica subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção.
Em seu discurso, o presidente não-eleito afirmou que tudo havia sido feito em diálogo com Pezão. “A intervenção, registro a todos, foi construída em diálogo com o governador, Luiz Fernando Pezão. E eu comunico que nomeei interventor o Comandante Militar do Leste, General Walter Sousa Braga Netto, que terá poderes para restaurar a tranquilidade do povo”, disse Temer, ao que tudo indica atendendo aos anseios dos setores conservadores da sociedade que pediam “intervenção militar” ao mesmo tempo que bradavam pela queda de Dilma Rousseff. Seguindo à risca os memes de um reaça qualquer da internet, Temer colocou os militares no comando do Rio como se eles tivessem uma solução mágica para os problemas do Estado.

Presente à cerimônia, Pezão, no entanto, aparentava constrangimento. A mesma expressão em seu rosto se repetiu no sábado, quando encontrou Temer no Rio. Pezão tinha cara de deposto. Afinal, tudo indica que irá se transformar numa figura ornamental à frente do Estado que governa e para o qual foi eleito. Já teve até jornalista pedindo sua renúncia.

O decreto de Temer diz que a intervenção é apenas na área de segurança pública, mas também afirma que a administração estadual estará totalmente à disposição do general-em-chefe. “O Interventor poderá requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção”, diz o decreto.

O governador havia pedido a Temer uma medida menos drástica, a Garantia da Lei e da Ordem, ou seja, o envio de forças militares ao Rio, mas sob seu comando. Embora tenha dito estar “tranquilo” e não se sentir “diminuído”, Pezão contou que foi o governo quem decidiu pela intervenção e pela nomeação de um militar para comandar paralelamente o Estado. “Sempre fui favorável ao uso das Forças Armadas auxiliando e dando apoio. Eu pedi ao presidente Michel Temer uma GLO ampliada, onde nós pudéssemos ter mais recursos das Forças Armadas. O governo federal alegou que eles precisavam ter o comando da área de segurança pública em seu total”, disse Pezão na sexta-feira, ao deixar o Palácio do Planalto.

A figura de um “interventor militar” com poder de descumprir normas (leis?) estaduais, causou estranheza a juristas, como o governador do Maranhão, Flávio Dino, que é juiz federal.

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Flávio Dino
✔@FlavioDino


Algumas regras juridicamente esquisitas no Decreto de Intervenção no Rio. Por exemplo, "o cargo de interventor é de natureza MILITAR". E também a "revogação" de normas estaduais. Que Direito Constitucional é esse ???
14:57 - 16 de fev de 2018
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Professora de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas, Eloisa Machado afirmou no Facebook que o decreto é “inconstitucional”. “O Decreto diz, maliciosamente, que a natureza do cargo do interventor é militar. NÃO PODE!”, escreveu Eloisa. “A intervenção trata da substituição de uma autoridade estadual civil por uma federal civil. Não de uma autoridade civil por uma militar. O interventor têm poderes de governo e governo, pela Constituição, até agora , só civil. O interventor pode ser militar, mas se submete às regras e à JURISDIÇÃO civil, ocupando temporariamente cargo civil, como já menciona a Constituição. Deixar que todas as decisões do interventor, durante todo o tempo que durar a intervenção, sejam submetidas à jurisdição militar, é um atentado à Constituição, ao poder civil, à democracia.”

Na época dos governadores biônicos da qual Temer parece ser saudosista, raramente os generais ditadores escolhiam militares para ocupar os cargos de mando nos Estados. Era preciso manter uma aparência de “normalidade democrática” e indicar um civil para os governos servia como uma boa fachada.

O Rio de Janeiro, por exemplo, foi governado por um pastor (vejam que nada começa da noite para o dia), Geremias Fontes, de 1967 a 1971, um economista, Raimundo Padilha (1971 a 1975), e só um militar, o almirante Faria Lima (1975-1979), sucedido por outro civil, Chagas Freitas (1979-1983). Temer, pelo visto, prefere generais.

Mas o ministro da Defesa, Raul Jungmann, fez questão de garantir que não se trata de intervenção militar o que está acontecendo no Rio sem que o Congresso tenha sido sequer consultado. “Não é intervenção militar. Nunca passou isso pela nossa cabeça. É uma intervenção federal, na qual o interventor é um general”, disse. Ah, bom.

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