Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Vamos esquecer por um momento o debate sobre o emprego das Forças Armadas para resolver o problema da violência e da insegurança do Rio de Janeiro. Todo mundo sabe que isso não vai acontecer.
Em nome da lucidez, é bom de admitir que o debate prioritário no momento é outro.
O problema do decreto presidencial assinado por Michel Temer em 16 de fevereiro é que ali se encontram previsões incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.
A principal delas se encontra no artigo 3o e seus parágrafos complementares. Ali se garante ao interventor (general Braga Netto, Comandante Militar do Leste) não apenas o direito de "requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção." Também se diz - e aqui está o importante - que ele não estará "sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção".
É isso mesmo que você leu. Estamos falando de um anfíbio jurídico e político, o interventor-ditador que, ao contrário dos demais 16,6 milhões de habitantes do Rio de Janeiro - inclusive o governador Pezão, os 9 700 integrantes da Polícia Civil, ou os 16 000 professores de ensino fundamental da rede pública - não tem obrigação de prestar contas de seus atos à Constituição do Estado, promulgada pela Constituinte Estadual em outubro de 1989, na sequência dos trabalhos da carta federal de 1988, aprovada um ano antes, por constituintes eleitos por 59 milhões de brasileiros. Ao contrário dos demais cidadãos fluminenses, enfim, o general Braga Netto também não estará submetido às demais "normas estaduais" da legislação ordinária, em vigor para todos moradores do segundo maior estado brasileiro.
"É um texto vago e, por isso, perigoso, pois o interventor não é um ditador e, por força da legalidade, tem sim de obedecer às leis estaduais", escreve o professor Carlos Ari Sundfeld, do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas e professor titular da Universidade de São Paulo, além de outros títulos.
Além das credenciais acadêmicas, Sundfeld é uma voz ativa no debate sobre direitos e democracia. Sua importância peculiar no debate envolve o contexto político.
Não é uma crítica que vem de onde se espera - o numeroso conjunto de juristas que têm uma visão crítica sobre a Lava Jato e sobre o golpe - mas daqueles que tem um alinhamento com outro espectro do mundo político e jurídico. Ao analisar a condenação de 9 anos contra Lula em artigo publicado na Folha, Sundfeld escreveu que era uma "decisão técnica, difícil de ser questionada".
No mesmo decreto Temer escreve ainda que o "cargo de interventor é de natureza militar", o que tem outras implicações importantes. "Representa um retrocesso em direitos humanos", afirma o professor Rafael Valim, da PUC de São Paulo.
Em outubro de 2017, Michel Temer sancionou projeto de lei que permite que a Justiça Militar julgue possíveis crimes praticados por militares contra civis durante as chamadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem. Ao sublinhar a "natureza militar" do "cargo de interventor", Temer deixa claro, por antecipação, qual sistema jurídico irá examinar eventuais acusações que podem surgir durante a intervenção, em trabalhos de investigação, monitoramento e vigilância que ninguém descreve como um pique-nique de fim de semana.
Num argumento típico das partes interessadas num tratamento diferenciado, a principal justificativa dos porta-vozes militares para defender o decreto assinado por Temer era que seus homens necessitam da necessária "segurança jurídica " para dar conta de seus trabalhos. Cabe recordar que, na época da assinatura do projeto de lei, Anistia Internacional, definiu a novidade como uma "receita de impunidade,"capaz de acabar com a possibilidade de julgamentos imparciais de militares no Brasil". Outra entidade, Conecta Direitos, falou em "licença para matar". Antigo secretário nacional de segurança pública, o professor Luiz Eduardo Soares definiu a medida como um "acinte a Constituição e ameaça aos direitos humanos".
Da para entender o debate, certo?
Vamos esquecer por um momento o debate sobre o emprego das Forças Armadas para resolver o problema da violência e da insegurança do Rio de Janeiro. Todo mundo sabe que isso não vai acontecer.
Em nome da lucidez, é bom de admitir que o debate prioritário no momento é outro.
O problema do decreto presidencial assinado por Michel Temer em 16 de fevereiro é que ali se encontram previsões incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.
A principal delas se encontra no artigo 3o e seus parágrafos complementares. Ali se garante ao interventor (general Braga Netto, Comandante Militar do Leste) não apenas o direito de "requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção." Também se diz - e aqui está o importante - que ele não estará "sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção".
É isso mesmo que você leu. Estamos falando de um anfíbio jurídico e político, o interventor-ditador que, ao contrário dos demais 16,6 milhões de habitantes do Rio de Janeiro - inclusive o governador Pezão, os 9 700 integrantes da Polícia Civil, ou os 16 000 professores de ensino fundamental da rede pública - não tem obrigação de prestar contas de seus atos à Constituição do Estado, promulgada pela Constituinte Estadual em outubro de 1989, na sequência dos trabalhos da carta federal de 1988, aprovada um ano antes, por constituintes eleitos por 59 milhões de brasileiros. Ao contrário dos demais cidadãos fluminenses, enfim, o general Braga Netto também não estará submetido às demais "normas estaduais" da legislação ordinária, em vigor para todos moradores do segundo maior estado brasileiro.
"É um texto vago e, por isso, perigoso, pois o interventor não é um ditador e, por força da legalidade, tem sim de obedecer às leis estaduais", escreve o professor Carlos Ari Sundfeld, do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas e professor titular da Universidade de São Paulo, além de outros títulos.
Além das credenciais acadêmicas, Sundfeld é uma voz ativa no debate sobre direitos e democracia. Sua importância peculiar no debate envolve o contexto político.
Não é uma crítica que vem de onde se espera - o numeroso conjunto de juristas que têm uma visão crítica sobre a Lava Jato e sobre o golpe - mas daqueles que tem um alinhamento com outro espectro do mundo político e jurídico. Ao analisar a condenação de 9 anos contra Lula em artigo publicado na Folha, Sundfeld escreveu que era uma "decisão técnica, difícil de ser questionada".
No mesmo decreto Temer escreve ainda que o "cargo de interventor é de natureza militar", o que tem outras implicações importantes. "Representa um retrocesso em direitos humanos", afirma o professor Rafael Valim, da PUC de São Paulo.
Em outubro de 2017, Michel Temer sancionou projeto de lei que permite que a Justiça Militar julgue possíveis crimes praticados por militares contra civis durante as chamadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem. Ao sublinhar a "natureza militar" do "cargo de interventor", Temer deixa claro, por antecipação, qual sistema jurídico irá examinar eventuais acusações que podem surgir durante a intervenção, em trabalhos de investigação, monitoramento e vigilância que ninguém descreve como um pique-nique de fim de semana.
Num argumento típico das partes interessadas num tratamento diferenciado, a principal justificativa dos porta-vozes militares para defender o decreto assinado por Temer era que seus homens necessitam da necessária "segurança jurídica " para dar conta de seus trabalhos. Cabe recordar que, na época da assinatura do projeto de lei, Anistia Internacional, definiu a novidade como uma "receita de impunidade,"capaz de acabar com a possibilidade de julgamentos imparciais de militares no Brasil". Outra entidade, Conecta Direitos, falou em "licença para matar". Antigo secretário nacional de segurança pública, o professor Luiz Eduardo Soares definiu a medida como um "acinte a Constituição e ameaça aos direitos humanos".
Da para entender o debate, certo?
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