quarta-feira, 4 de abril de 2018

A chantagem militar com apoio da Globo

Por Rodrigo Vianna, em seu blog:

Vamos a um resumo da situação que se agravou nesta terça-feira no Brasil:

1- A cena de Bonner, lendo o twett do Comandante do Exército no encerramento do Jornal Nacional, teve o intuito de afetar urgência e improviso. Reparemos que o apresentador toma o papel nas mãos, em vez de fazer a leitura diretamente do teleprompter, como que a indicar a surpresa diante da manifestação do general. Ora, alguém acredita que não houve um jogo combinado entre a direção da Globo e o general? A mensagem foi divulgada no horário exato do Jornal Nacional, para cumprir justamente esse papel de “cartada final” e de pressão sobre o STF.

2- Trata-se de chantagem militar sobre um dos poderes da República. Inaceitável. Uma espécie de quartelada via twitter. Precisa ser denunciada no Brasil e no exterior. É preciso constranger os militares e a Globo – cravando sobre eles o carimbo do golpismo.

3- Durante a terça-feira, circularam informações de que no STF preparava-se uma saída que levaria não ao julgamento do habeas corpus de Lula, mas ao julgamento da questão mais abrangente: pode-se ou não prender alguém após julgamento na segunda instância? Um dos ministros mais antigos (Celso de Mello ou Marco Aurelio Mello) pediria a palavra na sessão para exigir que Carmen Lucia incluísse na pauta o debate da questão “em tese” – retirando assim do plenário o peso de estar julgando apenas o caso Lula.

4- A estratégia seria mortal para a direita lavajatista. Porque já há maioria no STF contra a prisão após segunda instância. Não apenas Lula, mas também Temer/Moreira e Aécio estariam interessados nessa mudança definitiva de interpretação.

5- A cartada militar, portanto, surge como demonstração de fraqueza, e não de força. Na Globo, nos quartéis e na Lava-Jato percebeu-se a iminência da derrota no STF. Isso deixa claro que o golpe se dividiu: o setor “político” aceita impedir a prisão de Lula, para barrar a sanha destrutiva da Lava-Jato; já os setores golpistas alinhados ao Judiciário e à mídia – agora com apoio explícito dos generais – querem implodir não apenas Lula, mas todo o sistema político. Não é mera coincidência que juízes como Marcelo Bretas e o próprio perfil oficial do TRF-4 tenham “curtido” o tweet do general. A santa aliança ficou explícita: Globo/Lava-Jato/generais – esse campo tenta jogar toda força na pressão contra o STF.

6-  Não se sabe como reagirão os ministros diante da chantagem militar. O que se sabe é que o golpe, que vinha tentando manter as aparências, perdeu o pudor e enveredou pela quartelada tuiteira. Se preciso, está agora claro, a toga será trocada pela farda.

7- Há a possibilidade de que o STF, sob pressão, decida nada decidir, prolongando a agonia. Pra isso, bastaria que algum dos ministros pedisse vistas do HC.

8-  Nesse caso, o setor lava-jatista do STF (Barroso/Fux/Facchin/Carmen) poderia dobrar a aposta na tentativa de derrubar Temer – agora sob acusações de corrupção nos portos. Qual objetivo? Limpar o golpe. Temer, pela alta desaprovação e pela figura abjeta, não teria moral para comandar a grande manobra que os golpistas preparam para as próximas semanas: adiar as eleições, alegando instabilidade, e fazendo com que o pleito coincida com as eleições municipais de 2020. Já há até uma PEC no Congresso preparada para votação.

9- Para que a eleição fosse adiada, seria necessário prorrogar os mandatos atuais de congressistas e do presidente. Ideal é que, no lugar de Temer, fosse eleito (por via indireta) alguém que pudesse segurar o bastão até 2020. Um juiz? Um militar? Tanto faz.

10- Fica claro que ingressamos numa etapa em que o objetivo do golpe passa a ser deslocar do poder o “setor político” que derrubou Dilma, para que as corporações fardadas e togadas possam assumir diretamente o bastão.

11- Não há dúvida de que o general Villas Boas pensou e consultou as tropas antes de se manifestar pelo twitter. Não agiu num rompante, isso não existe. Por isso, podemos afirmar que, desde 1964, não vivemos ameaça tão concreta de caminhar para uma ditadura militar-judicial-midiática. Esse passo ainda não foi dado, mas podemos avançar pra isso.

12- O que atrapalha os planos golpistas é que há pouca gente nas ruas a essa altura. As manifestações desta terça-feira não são nem um fiapo do que foram as marchas de 2015/2016. Os atos agora voltaram a se concentrar na extrema-direita de viés bolsonariano. A centro-direita liberal, antipetista, está em silêncio, aparentemente envergonhada de perceber a que ponto chegamos por conta dos excessos dos patos amarelos. Sinal desse mal estar são as manifestações de jornalistas moderados (inclusive da Globo) condenando a mensagem do general. Sinal disso também é que até o ex-procurador geral Rodrigo Janot (um lavajatista radical) parece ter se assustado com o avanço militar: ele criticou a mensagem de Villas Boas e manifestou preocupação com um novo 1964.

13- A esquerda, isso é fato, enfrenta a essa altura enormes dificuldades, correndo o risco de ver seu principal líder preso e/ou inelegível. Mas, ao mesmo tempo, parece ter-se iniciado uma fase de unidade e de ofensiva dos setores organizados nas ruas: o ato do Rio, a reunir PSOL/PT/PCdoB, e as caravanas de Lula são sinais disso.

14- Ao mesmo tempo, a direita parece desorganizada, dividida na tática a seguir. O cancelamento da eleição interessa apenas a um setor da direita golpista, mas não interessa a Alckmin por exemplo. E a implosão da política interessa às corporações jurídico-militares, mas não ao MDB.

15- O quadro, portanto, é preocupante. Mas não é desesperador (ainda). A batalha está sendo travada, e me parece viável que a esquerda, unificada nas ruas, possa avançar na luta social ao mesmo tempo em que costura acordos com o centro para barrar o golpe no STF.

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