Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
Na noite de 19 de abril de 1980, estava eu com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luiz Inácio da Silva, melhor conhecido como Lula, à espera da Polícia Federal, que iria prendê-lo. Ele mostrava-se tão sereno quanto no dia 6 de abril de 2018, antes de se entregar à PF. Trinta e oito anos depois, fui ao sindicato para constatar que Lula não perde a dignidade de presidente, do sindicato e da República.
Quando cheguei, por volta de 1 da tarde da sexta 6, o povaréu já se aglomerava na rua que margeia o prédio do sindicato e uma banda, no palanque erguido em frente à fachada do edifício, batucava uma peça clássica do racismo nativo, “O teu cabelo não nega, mulata”, entoada em coro por muitos da multidão. Pensei com meus botões: eis o povo brasileiro, mesmo na hora da tragédia resignado e incapaz de perceber o significado de uma cantoria que o humilha.
Os fatos cancelaram a primeira impressão, e ao repensar experimentei uma súbita, pacata satisfação interior, quase alegria, a despeito do momento aziago. Aquele povo, umas 15 mil pessoas, calcula-se, que no dia seguinte impediria a primeira tentativa de Lula de sair do sindicato para se entregar, estava pronto para a briga, mesmo se chegasse a tropa de choque.
Rendeu-se à segunda tentativa, quando o líder decidiu sair a pé pela rua que, em outras circunstâncias, o viu carregado em triunfo. Ao contrário de muitos figurões petistas, aquela gente não acredita em conciliação, como sucedâneo do célebre jeitinho brasileiro, forma lamentável de conduzir a vida ao sabor de arreglos por baixo do pano.
Noite sinistra, nunca sairá da memória de quem a viveu, ou mesmo aos olhos e sentimentos de quem acompanhou aquele longo enredo pela televisão. Cenário plúmbeo, rasgado pelo lampejo dançante de faróis e semáforos, agitado pelas hélices dos helicópteros, sulcado por gritos e buzinas e pela procissão fúnebre daqueles reluzentes carros negros.
Enfim, o voo do mesmo monomotor que já transportou Fernandinho Beira-Mar. A uma TV chinesa, o inquisidor Sergio Moro dissera ter reservado ao ex-presidente condenado sem prova o mesmo tratamento dispensado a criminosos sentenciados.
Quando vi Lula sair do helicóptero pousado no teto da sede central da PF curitibana, descer uma escada à vista de assistentes divididos em dois grupos distintos, enquanto fogos iluminavam a noite a saudar o desastre do País, e o vi sair de cena a caminho da cela, imaginei cidadãos conscientes a caírem em profundo desconforto igual ao meu, diante de tanta prepotência e insensatez.
Naquela manhã, Lula havia pronunciado um forte e altivo discurso durante a cerimônia religiosa celebrada no dia do aniversário da esposa falecida, a inesquecível Marisa, que ainda o deixa em lágrimas quando a recorda. De improviso, como de hábito, mas muito bem urdido em torno de uma ideia mestra: o momento e a memória do seu governo metamorfosearam o líder com uma ideia, e ideias não podem ser enjauladas.
A imagem é bela e expõe, em primeiro lugar, o problema central do país da casa-grande e da senzala: o monstruoso desequilíbrio social. O discurso me diz que Lula clareou seu pensamento, percebeu os verdadeiros inimigos e repudiou a contemporização.
Os golpistas atingiram seu maior objetivo, alijaram das eleições o grande favorito. Em compensação, criaram o mártir, o Mandela, o Mujica brasileiro. Nem por isso garantiram a continuidade do estado de exceção a resultar do golpe de 2016, à falta de um candidato potável. As tensões sociais, que serpenteiam debaixo da aparência de normalidade, têm condições de agravar a crise de todos os pontos de vista e de levar, até o fim do ano, a uma conjuntura ainda mais assombrosa do que o cancelamento do pleito a bem da paz nacional.
Depois das mais recentes declarações do general Villas Bôas, inequivocamente a favor da condenação de Lula, logo aprovadas por muitas vozes militares, o futuro comportamento das Forças Armadas é uma incógnita a turvar pesadamente o panorama. Arrisco-me a dizer que dias piores virão. Precipitamos no abismo e a queda não promete um pouso feliz.
A partir de 40 anos atrás, as três greves (1978, 79 e 80) deflagradas por Lula representaram um vigoroso desafio à ditadura. Tanto desassombro engatilha graves riscos. O tempo não era, porém, de desalento. No começo de abril de 1980, Raymundo Faoro, amigo fraterno, acaba de deixar a presidência da OAB e me pede para levá-lo ao palanque de Lula na Vila Euclydes. De lá, o líder comanda a greve. Assim conto aquele dia nas páginas de O Brasil, meu penúltimo livro (Editora Record, 2013).
“E é mais um dia e estou no Aeroporto de Congonhas à espera de Faoro. Estranha figura esguia cerca-me como ectoplasma, percebo que de trás de um jornal desfraldado me observa e segue meus vagos passos da espera. Penso em um policial de experiência escassa, e já se aproxima sem mistério, dobrou com diligência o jornal e pergunta a Faoro, que acaba de chegar, se ele vai a São Bernardo. Explica: “Fernando Henrique Cardosopede, por favor, que os senhores passem pela residência dele antes de seguir para a Vila Euclydes”. Como souberam da chegada do ex-presidente da OAB?
“No apartamento de FHC, uma dama de cabelos azuis entrada em anos, a mãe do futuro presidente, serve café em xícaras elegantes e lhes declina a origem, são de Limoges. A tese que o dono da casa formula pretende que a visita de Faoro à Vila seja inoportuna, conhecer Lula é uma coisa, subir no palanque armado no estádio é outra, “bem diferente”. Por quê? “É óbvio, não é mesmo?”
No momento, não há quem, entre intelectuais orgânicos e nem tanto, perca a ocasião de repetir uma expressão cunhada por Nelson Rodrigues, e repetida à exaustão em suas crônicas, com largo êxito: em certos casos qualifica o óbvio como ululante e até os editoriais do Estadão se apossam de quando em quando da expressão rodriguiana. O anfitrião pretende descerrar o óbvio ululante: Faoro é “reserva moral” do País e como tal há de ser preservado, ir à Vila é risco inútil. Faoro não se rende à (...) Admite, porém, uma etapa no Paço Municipal de São Bernardo a caminho da greve.
“Ali somos aguardados por uma conferência de mochos soturnos (...) À cabeceira senta-se o prefeito e a sua direita é reservada a Fernando Henrique, o qual, pressinto, deu uma aula prévia sobre Faoro. Quem é este Faóro, ou Faoro? Ou não seria faraó? Fernando Henrique perora a sua causa com denodo e busca o apoio dos mochos: Faoro não deve subir no palanque. Digo que vou partir para o campo apinhado. Faoro ergue-se em toda a sua imponência e me segue. A massa sobre o gramado abre-se diante daquele gigante engravatado, não sabem quem é, mas o entendem graúdo, vindo para emprestar seus poderes, quiçá mágicos, ao líder de uma greve também rebelião.”
Singular figura, FHC, acima do bem e do mal, blindada, para usar uma expressão cara aos jornalistas, perdão, propagandistas nativos. Nesta quadra trágica da nossa história, o ex-presidente atribui-se o papel de grilo falante do Brasil.
Vive em sossego, aparentemente à larga, morador de um apartamento de 400 metros quadrados de construção em área dita nobre da capital paulista e ainda dispõe de uma fazenda em Minas com pista de pouso ao lado, construída pela Andrade Gutierrez, para servir também à fazenda fronteiriça de Aécio Neves.
E mais, de outro apartamento senhorial, para variar de 400 metros quadrados. Espaço, muito espaço, para o pensamento do príncipe dos sociólogos, na Avenue Foch, recanto dos mais chiques de Paris, próximo do hotel dos lordes e príncipes árabes, o Plaza Athenée.
Conspícua fortuna imobiliária de um professor universitário aposentado. Como presidente, FHC comandou a maior bandalheira da história brasileira, a privatização das comunicações, comprou votos no Congresso para lograr a emenda da reeleição e quebrou o País mais de uma vez.
Cavalheiro refinado, jamais veranearia em apartamento de 200 metros quadrados em praias de farofeiros. Em compensação, no seu instituto, local doado por um banco, os sofás são forrados de veludo e as cortinas adamascadas. É estranho, bastante estranho, que inquisidores do porte de Sergio Moro e Deltan Dallagnol não tenham sido picados por alguma suspeita, por mais vaga.
Trinta e oito anos atrás, Lula preso no Dops foi tratado com o justo respeito, graças também à brandura do próprio diretor da PF, Romeu Tuma: diariamente, mandava buscar Marisa e os filhos para visitarem o pai, servia-lhe, às vezes, lulas fritas no almoço, frequentemente o hospedava na sala contígua ao seu gabinete para deixá-lo à vontade.
Quando, durante o cativeiro, a mãe de Lula faleceu, Tuma tirou o uniforme de dois policiais, vestiu-os à paisana, e mandou que acompanhassem o preso ao velório e ao funeral. Enquadrado na chamada Lei de Segurança Nacional, Lula foi condenado em liberdade. Não cabe esperar que os atuais carcereiros tenham um comportamento longinquamente similar. Eles também são movidos a ódio, igual aos beócios que envergam a camiseta canarinho, ricos e pobres.
A fórmula combina à perfeição dois preconceitos de profundidade visceral: o racial e o social, o que torna mais surpreendente a presença na área até de miseráveis, dos quais Cristo na cruz diria: “Perdoai-os, Senhor, não sabem o que fazem”.
Já o inquisidor Moro sabe perfeitamente o que faz com empenho atroz, e garante: o STF impediu um grande retrocesso, para gáudio das manchetes. Ele sabe que o Supremo poderia ter impedido não este apenas, mas o espantoso retrocesso provocado pelo golpe de 2016, o mais grave e insano sofrido pelo Brasil, ao qual a inquisição de Curitiba e Porto Alegre ofereceu uma contribuição decisiva.
No caso a que Moro se refere, destaque para quem votou a favor de Lula, e entre estes é a voz de Gilmar Mendes que se eleva para surpreender o auditório. O ministro clama contra os “fascistoides das ruas” e “a mídia opressiva”.
A surpresa é relativa. Mendes é figura sempre disposta às apostas altas, bem ao contrário, por exemplo, da patética Cármen Lúcia, ou de quem, como Rosa Weber, a confessar candidamente votar contra seus princípios a bem da corporação, maria vai com as outras de toga. Esta é a Justiça de um país abandonado ao seu destino ao apresentar o rosto que merece.
Dia 6 de abril não me escapou no sindicato, muito ampliado em relação àquele de 40 anos atrás, o comparecimento de vários hipócritas e diversos incompetentes, maus conselheiros para quem lhes dá ouvidos. O PT de hoje em nada se assemelha à ideia original, semeada durante as greves do final dos anos 70, enfim realizada no começo dos 80 sobre uma plataforma francamente de esquerda, a desaguar, às vezes, em um patrulhamento que eu tinha como exagerado.
Aparadas algumas arestas, seria um partido indispensável à evolução do País e do seu povo. Pelo caminho perdeu o ímpeto e a determinação. O discurso de Lula indica o retorno ao passado, a deitar raízes fundas na minha memória.
Quando cheguei, por volta de 1 da tarde da sexta 6, o povaréu já se aglomerava na rua que margeia o prédio do sindicato e uma banda, no palanque erguido em frente à fachada do edifício, batucava uma peça clássica do racismo nativo, “O teu cabelo não nega, mulata”, entoada em coro por muitos da multidão. Pensei com meus botões: eis o povo brasileiro, mesmo na hora da tragédia resignado e incapaz de perceber o significado de uma cantoria que o humilha.
Os fatos cancelaram a primeira impressão, e ao repensar experimentei uma súbita, pacata satisfação interior, quase alegria, a despeito do momento aziago. Aquele povo, umas 15 mil pessoas, calcula-se, que no dia seguinte impediria a primeira tentativa de Lula de sair do sindicato para se entregar, estava pronto para a briga, mesmo se chegasse a tropa de choque.
Rendeu-se à segunda tentativa, quando o líder decidiu sair a pé pela rua que, em outras circunstâncias, o viu carregado em triunfo. Ao contrário de muitos figurões petistas, aquela gente não acredita em conciliação, como sucedâneo do célebre jeitinho brasileiro, forma lamentável de conduzir a vida ao sabor de arreglos por baixo do pano.
Noite sinistra, nunca sairá da memória de quem a viveu, ou mesmo aos olhos e sentimentos de quem acompanhou aquele longo enredo pela televisão. Cenário plúmbeo, rasgado pelo lampejo dançante de faróis e semáforos, agitado pelas hélices dos helicópteros, sulcado por gritos e buzinas e pela procissão fúnebre daqueles reluzentes carros negros.
Enfim, o voo do mesmo monomotor que já transportou Fernandinho Beira-Mar. A uma TV chinesa, o inquisidor Sergio Moro dissera ter reservado ao ex-presidente condenado sem prova o mesmo tratamento dispensado a criminosos sentenciados.
Quando vi Lula sair do helicóptero pousado no teto da sede central da PF curitibana, descer uma escada à vista de assistentes divididos em dois grupos distintos, enquanto fogos iluminavam a noite a saudar o desastre do País, e o vi sair de cena a caminho da cela, imaginei cidadãos conscientes a caírem em profundo desconforto igual ao meu, diante de tanta prepotência e insensatez.
Naquela manhã, Lula havia pronunciado um forte e altivo discurso durante a cerimônia religiosa celebrada no dia do aniversário da esposa falecida, a inesquecível Marisa, que ainda o deixa em lágrimas quando a recorda. De improviso, como de hábito, mas muito bem urdido em torno de uma ideia mestra: o momento e a memória do seu governo metamorfosearam o líder com uma ideia, e ideias não podem ser enjauladas.
A imagem é bela e expõe, em primeiro lugar, o problema central do país da casa-grande e da senzala: o monstruoso desequilíbrio social. O discurso me diz que Lula clareou seu pensamento, percebeu os verdadeiros inimigos e repudiou a contemporização.
Os golpistas atingiram seu maior objetivo, alijaram das eleições o grande favorito. Em compensação, criaram o mártir, o Mandela, o Mujica brasileiro. Nem por isso garantiram a continuidade do estado de exceção a resultar do golpe de 2016, à falta de um candidato potável. As tensões sociais, que serpenteiam debaixo da aparência de normalidade, têm condições de agravar a crise de todos os pontos de vista e de levar, até o fim do ano, a uma conjuntura ainda mais assombrosa do que o cancelamento do pleito a bem da paz nacional.
Depois das mais recentes declarações do general Villas Bôas, inequivocamente a favor da condenação de Lula, logo aprovadas por muitas vozes militares, o futuro comportamento das Forças Armadas é uma incógnita a turvar pesadamente o panorama. Arrisco-me a dizer que dias piores virão. Precipitamos no abismo e a queda não promete um pouso feliz.
A partir de 40 anos atrás, as três greves (1978, 79 e 80) deflagradas por Lula representaram um vigoroso desafio à ditadura. Tanto desassombro engatilha graves riscos. O tempo não era, porém, de desalento. No começo de abril de 1980, Raymundo Faoro, amigo fraterno, acaba de deixar a presidência da OAB e me pede para levá-lo ao palanque de Lula na Vila Euclydes. De lá, o líder comanda a greve. Assim conto aquele dia nas páginas de O Brasil, meu penúltimo livro (Editora Record, 2013).
“E é mais um dia e estou no Aeroporto de Congonhas à espera de Faoro. Estranha figura esguia cerca-me como ectoplasma, percebo que de trás de um jornal desfraldado me observa e segue meus vagos passos da espera. Penso em um policial de experiência escassa, e já se aproxima sem mistério, dobrou com diligência o jornal e pergunta a Faoro, que acaba de chegar, se ele vai a São Bernardo. Explica: “Fernando Henrique Cardosopede, por favor, que os senhores passem pela residência dele antes de seguir para a Vila Euclydes”. Como souberam da chegada do ex-presidente da OAB?
“No apartamento de FHC, uma dama de cabelos azuis entrada em anos, a mãe do futuro presidente, serve café em xícaras elegantes e lhes declina a origem, são de Limoges. A tese que o dono da casa formula pretende que a visita de Faoro à Vila seja inoportuna, conhecer Lula é uma coisa, subir no palanque armado no estádio é outra, “bem diferente”. Por quê? “É óbvio, não é mesmo?”
No momento, não há quem, entre intelectuais orgânicos e nem tanto, perca a ocasião de repetir uma expressão cunhada por Nelson Rodrigues, e repetida à exaustão em suas crônicas, com largo êxito: em certos casos qualifica o óbvio como ululante e até os editoriais do Estadão se apossam de quando em quando da expressão rodriguiana. O anfitrião pretende descerrar o óbvio ululante: Faoro é “reserva moral” do País e como tal há de ser preservado, ir à Vila é risco inútil. Faoro não se rende à (...) Admite, porém, uma etapa no Paço Municipal de São Bernardo a caminho da greve.
“Ali somos aguardados por uma conferência de mochos soturnos (...) À cabeceira senta-se o prefeito e a sua direita é reservada a Fernando Henrique, o qual, pressinto, deu uma aula prévia sobre Faoro. Quem é este Faóro, ou Faoro? Ou não seria faraó? Fernando Henrique perora a sua causa com denodo e busca o apoio dos mochos: Faoro não deve subir no palanque. Digo que vou partir para o campo apinhado. Faoro ergue-se em toda a sua imponência e me segue. A massa sobre o gramado abre-se diante daquele gigante engravatado, não sabem quem é, mas o entendem graúdo, vindo para emprestar seus poderes, quiçá mágicos, ao líder de uma greve também rebelião.”
Singular figura, FHC, acima do bem e do mal, blindada, para usar uma expressão cara aos jornalistas, perdão, propagandistas nativos. Nesta quadra trágica da nossa história, o ex-presidente atribui-se o papel de grilo falante do Brasil.
Vive em sossego, aparentemente à larga, morador de um apartamento de 400 metros quadrados de construção em área dita nobre da capital paulista e ainda dispõe de uma fazenda em Minas com pista de pouso ao lado, construída pela Andrade Gutierrez, para servir também à fazenda fronteiriça de Aécio Neves.
E mais, de outro apartamento senhorial, para variar de 400 metros quadrados. Espaço, muito espaço, para o pensamento do príncipe dos sociólogos, na Avenue Foch, recanto dos mais chiques de Paris, próximo do hotel dos lordes e príncipes árabes, o Plaza Athenée.
Conspícua fortuna imobiliária de um professor universitário aposentado. Como presidente, FHC comandou a maior bandalheira da história brasileira, a privatização das comunicações, comprou votos no Congresso para lograr a emenda da reeleição e quebrou o País mais de uma vez.
Cavalheiro refinado, jamais veranearia em apartamento de 200 metros quadrados em praias de farofeiros. Em compensação, no seu instituto, local doado por um banco, os sofás são forrados de veludo e as cortinas adamascadas. É estranho, bastante estranho, que inquisidores do porte de Sergio Moro e Deltan Dallagnol não tenham sido picados por alguma suspeita, por mais vaga.
Trinta e oito anos atrás, Lula preso no Dops foi tratado com o justo respeito, graças também à brandura do próprio diretor da PF, Romeu Tuma: diariamente, mandava buscar Marisa e os filhos para visitarem o pai, servia-lhe, às vezes, lulas fritas no almoço, frequentemente o hospedava na sala contígua ao seu gabinete para deixá-lo à vontade.
Quando, durante o cativeiro, a mãe de Lula faleceu, Tuma tirou o uniforme de dois policiais, vestiu-os à paisana, e mandou que acompanhassem o preso ao velório e ao funeral. Enquadrado na chamada Lei de Segurança Nacional, Lula foi condenado em liberdade. Não cabe esperar que os atuais carcereiros tenham um comportamento longinquamente similar. Eles também são movidos a ódio, igual aos beócios que envergam a camiseta canarinho, ricos e pobres.
A fórmula combina à perfeição dois preconceitos de profundidade visceral: o racial e o social, o que torna mais surpreendente a presença na área até de miseráveis, dos quais Cristo na cruz diria: “Perdoai-os, Senhor, não sabem o que fazem”.
Já o inquisidor Moro sabe perfeitamente o que faz com empenho atroz, e garante: o STF impediu um grande retrocesso, para gáudio das manchetes. Ele sabe que o Supremo poderia ter impedido não este apenas, mas o espantoso retrocesso provocado pelo golpe de 2016, o mais grave e insano sofrido pelo Brasil, ao qual a inquisição de Curitiba e Porto Alegre ofereceu uma contribuição decisiva.
No caso a que Moro se refere, destaque para quem votou a favor de Lula, e entre estes é a voz de Gilmar Mendes que se eleva para surpreender o auditório. O ministro clama contra os “fascistoides das ruas” e “a mídia opressiva”.
A surpresa é relativa. Mendes é figura sempre disposta às apostas altas, bem ao contrário, por exemplo, da patética Cármen Lúcia, ou de quem, como Rosa Weber, a confessar candidamente votar contra seus princípios a bem da corporação, maria vai com as outras de toga. Esta é a Justiça de um país abandonado ao seu destino ao apresentar o rosto que merece.
Dia 6 de abril não me escapou no sindicato, muito ampliado em relação àquele de 40 anos atrás, o comparecimento de vários hipócritas e diversos incompetentes, maus conselheiros para quem lhes dá ouvidos. O PT de hoje em nada se assemelha à ideia original, semeada durante as greves do final dos anos 70, enfim realizada no começo dos 80 sobre uma plataforma francamente de esquerda, a desaguar, às vezes, em um patrulhamento que eu tinha como exagerado.
Aparadas algumas arestas, seria um partido indispensável à evolução do País e do seu povo. Pelo caminho perdeu o ímpeto e a determinação. O discurso de Lula indica o retorno ao passado, a deitar raízes fundas na minha memória.
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