terça-feira, 24 de abril de 2018

Curitiba, um foco de resistência por Lula

Foto: Ricardo Stuckert
Por Carlos Alberto Mattos, no site Carta Maior:

Todos os homens e mulheres que há duas semanas perseveram na vigília diante da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, sabem que sua persistência não será bastante para tirar o ex-presidente daquele prédio sinistro. No entanto, diante da garra e da fé com que todos se lançam nesse ato de resistência popular, a gente quase acredita que vai ver Lula, a qualquer momento, descer aquela ladeira rumo à liberdade e aos braços do povo.

A vigília tem dois momentos diários de especial emoção. É quando todas as vozes se unem para gritar o “Bom dia, Presidente Lula!”, às 9h da manhã, e o “Boa noite, Presidente Lula!”, por volta das 19h. Ultimamente tem tido também um “Boa tarde, Presidente Lula!” para animar a galera vespertina. Foi confirmado que Lula ouve os sons amplificados pelo microfone ou pela massa de vozes. Cada um que grita o faz com a esperança de ser ouvido nessa voz coletiva que Lula sempre apreciou tanto.

A rotina da vigília mudou um pouco desde o último dia 17, quando uma negociação com a PF fez o dormitório e a cozinha se deslocarem para outro local, a cerca de 1 km do ponto de concentração. A esquina das ruas Professora Sandália Monzon e João Gbur, onde acontece a vigília diurna, foi batizada de Praça Olga Benario. Os acampados e demais amantes da democracia começam a chegar um pouco antes das 9h para a primeira mensagem do dia ao ex-presidente. Seguem-se falas de políticos e lideranças presentes, informes e atrações culturais.

No intervalo para o almoço, todos se dirigem para uma casa alugada a uma quadra dali, onde é preparada e servida a refeição. Uma grande fila se forma sob o sol – e logo será sob o frio intenso do inverno curitibano, se Lula permanecer preso. Dois pequenos foodtrucks oferecem alternativas sanduicheiras, além de uma moradora local que apregoa pastéis caprichados a 5 reais e corte de cabelo a 15.

Na parte da tarde, há nova rodada de falas políticas e atrações culturais. Nas últimas quinta, sexta e sábado, lá estiveram o ex-Ministro Aluizio Mercadante, os deputados Arlindo Chinaglia e Zeca Dirceu. O violeiro Leonel Costa entoou paródias encaixando nas letras as palavras Lula e Livre. A filósofa Marcia Tiburi lançou seu livro Feminismo em Comum. Um frade capuchinho rezou para “a companheira Maria de Nazaré” interceder a favor de Lula. O Bloco Lula Livre tocou um pequeno carnaval com marchinhas do tipo “Ó abre alas que eu quero passar / sou Lula Livre, não posso negar”. A programação, bastante informal mas organizada como nas ocupações, pode incluir oficinas, saraus poéticos e minitorneios de duplas de futebol de rua. À parte da programação “oficial”, há sempre espaço para improvisos de música, poesia, rap e conclamações pela ordem democrática. As rodas se formam em regime de tribuna livre e ganham imediata adesão dos presentes.

A área, no tranquilo bairro de Santa Cândida, não tem edifícios, mas somente (boas) casas residenciais. Os moradores se comportam de maneiras diversificadas em relação à presença de tanta movimentação. Uns encontraram uma forma de prestar serviços em troca de alguma pequena renda. Outros apenas assistem, indiferentes. Na manhã de sábado, um casal chamou a polícia para expulsar uma roda de viola instalada na rua, à sombra de uma árvore, em frente a sua casa decorada com a bandeira do Brasil. Na mesma hora, o dono da casa ao lado, todo simpático, convidou o pessoal a se postar em frente à dele. E passou a cantar junto.

As atividades sonoras se encerram às 19h30, em obediência às normas de silêncio. O povo então se dispersa. Uns vão para suas casas ou casas de amigos. Os acampados rumam para suas tendas noturnas. Por questão de segurança, cerca de dez pessoas têm pernoitado nas quatro tendas que permaneceram na área da vigília.

Nessas quatro tendas ficam a coordenação geral, a comunicação, um posto de saúde do MST e o recolhimento de doações. A postos, ainda, uma ambulância com serviços de massagem e oito banheiros químicos. Pequenos estandes vendem livros, buttons, camisetas e outros gadgetshumildes da esquerda, além de papel e redator para quem quiser enviar uma carta para Lula.

Apesar de uma certa fragmentação causada pela remoção do acampamento, a representatividade dos “vigilantes” continua significativa. Estão lá, além do PT, da Juventude do PT e da CUT, também PCdoB, PCO, PSOL, PDT; movimentos sociais como MST, MTST, Frente Brasil Popular, Frente de Luta por Moradia; entidades sindicais como a Contag, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, a Federação Única dos Petroleiros e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.

Apesar da sopa de siglas, seria um erro classificar o movimento como coisa “de militantes”, a exemplo do que dizem a mídia golpista e os teleguiados por ela. Lá estão também professores, alunos universitários, jornalistas, intelectuais, donas de casa conscientes, profissionais liberais, famílias inteiras. Muitos simpatizantes chegam timidamente, sem saber direito como se portar, e logo se integram aos coros de “Lula Livre”. Outros tiram selfies orgulhosos, compram algum gadget e logo desaparecem.

O modelo de organização popular, aperfeiçoado no dia a dia dos movimentos sociais e das ocupações, dá mostras de eficiência, capacidade de invenção, solidariedade e abnegação. As equipes se dividem e se revezam em tarefas como cozinha, lixo, varreção de rua, segurança, técnica, acolhimento das caravanas que não cessam de chegar de todo o país. A cobertura jornalística é permanente por parte da mídia independente: Jornalistas Livres, Mídia Ninja, Rede Brasil Atual, Brasil de Fato e canais do YouTube como o Nova Militância Brasil. Ricardo Stuckert, impossibilitado de fotografar seu principal personagem, segue colhendo suas imagens épicas para alimentar as redes do Lula.

A movimentação deve aumentar nos próximos dias rumo ao Primeiro de Maio, que os partidos de esquerda pretendem celebrar ali em frente ao cativeiro de Luís Inácio Lula da Silva. Curitiba, conhecida como a Reaçolândia, está abrigando, um tanto a contragosto, esse foco de resistência ao retrocesso. Até quando os dois lados suportarão esse contraste é coisa que não se sabe.

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