Por Maurício Dias, na revista CartaCapital:
O argentino Adolfo Pérez Esquivel, vigoroso ativista de direitos humanos, passou por aqui recentemente. Por alguns dias. Poucos brasileiros, hoje um total de 210 milhões de almas, souberam disso e tampouco se interessaram ou foram estimulados a ver, ler ou ouvir sobre o assunto. Ele não aparecia nos jornais, nas rádios ou na televisão.
Prêmio Nobel da Paz em 1980, ele tentou visitar o ex-presidente Lula trancafiado, após longa perseguição do Judiciário e da mídia, em uma prisão da Polícia Federal na cidade de Curitiba, capital do Paraná. Lula paga uma punição sem prova.
Esquivel foi barrado, para vergonha do Brasil brasileiro. Após isto, no entanto, foi entrevistado pelo Globo. Ganhou um terço de página.
Foi uma bela oportunidade para denunciar o episódio. Esquivel falou, sem dúvida, sobre a situação de Lula. O tema dos presídios na América Latina era boa deixa, mas o assunto não apareceu ou, após ser escrito, desapareceu. Erro do repórter? Censura do editor?
Uma enorme foto ilustra o texto. Isso ocorre, em geral, quando a ilustração é boa e criativa. Um enfeite para agradar ao olhar do leitor. Mas uma foto pode ser, no entanto, um artifício usado para preencher o corte no texto inconveniente. E vetado. Que cada um se comporte como quiser. O salário, no entanto, tem também o papel de servidão moderna.
Simultaneamente circulou nas redes sociais uma orientação interna da TV Globo para que os jornalistas, locutores, apresentadores, mesmo nas atividades pessoais, evitem discordar da empresa. A televisão, como se sabe, é a extensão mais poderosa do império dos Marinho. Adaptem-se aos rumos políticos da casa. Cumpra-se.
Em 2013, quando se completavam 51 anos de ditadura, o jornal O Globo surpreendeu os leitores e, em decisão talvez inédita, pediu desculpas pelo comportamento vil, o adjetivo é do colunista, por ter apoiado o golpe. Uma inútil tentativa de ser acreditado por leitores mais reativos a um regime que torturava e fazia desaparecer pessoas após passagem por penas de prisão nos quartéis.
Qual é o rumo político tomado pelo império Globo? O mesmo de antes, de acordo com uma “Carta a Lula”, assinada por Roberto Marinho e escrita pelo fantasmagórico Jorge Serpa. Foi publicada nas páginas do jornal logo após a vitória do petista em 2002. Eis duas expressivas regras:
– “A orientação que imprimo aos veículos que me cabe dirigir visa estritamente à defesa que julgo serem os reais interesses do País...”
– “Nunca tive dúvida sobre o dever de cada cidadão e de cada jornal de posicionar-se (sic), segundo suas convicções em face dos problemas nacionais”.
Aí estamos diante de um “veículo” isento e imparcial. Como espalham seus diretores. Talvez o único jornal no mundo.
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