“Quando recebi o convite, pensei se deveria aceitar. Não sei se um juiz deve chamar este tipo de atenção. Judiciário e juízes devem atuar com modéstia, de maneira cuidadosa e humilde”. Foi assim que, vestindo smoking, o juiz Sérgio Moro se dirigiu aos banqueiros e empresários em um luxuoso evento da Câmara de Comércio Brasil-EUA em Nova York, onde foi premiado como Personalidade do Ano.
Moro não sabia se devia ou não violar mais uma vez o Código de Ética da Magistratura, mas acabou violando sem nenhum constrangimento. O artigo 13 do capítulo 4 diz que o “magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.”
Doria, que havia recebido o mesmo prêmio no ano passado, foi ao púlpito anunciar o vencedor deste ano. Chamou Moro de “herói nacional” e convidou a todos no auditório a se levantarem para dar uma “calorosa salva” de palmas. Sob aplausos, o ex-prefeito de São Paulo anunciou o premiado com a intimidade de quem chama um juiz pelo primeiro nome: “Sérgio, é pra você!”
A sintonia entre o político e o juiz, que se tornou famoso por julgar casos de corrupção de políticos, foi reforçada por uma foto que também pisoteia o Código de Ética da Magistratura - esse conjuntinho de regras decorativo.
Deslumbrado com o status de herói que combate os vilões da corrupção, Moro não pensou duas vezes antes de ir para Nova York e posar para os fotógrafos ao lado de um candidato a governador que acaba de abandonar uma gestão na prefeitura atolada em denúncias de corrupção.
O ex-prefeito chegou a demitir uma procuradora do cargo de controladora-geral logo depois que ela iniciou investigação contra um esquema de propinas na prefeitura. É ao lado desse personagem nebuloso da política que Moro aparece à vontade em eventos públicos. Mas, para o juiz, a foto com Doria “não significa nada”, “não passa de uma bobagem”.
Não existe a mínima possibilidade da campanha de Doria não usar a foto durante a campanha eleitoral (já está usando) como um antídoto contra as denúncias de corrupção contra o candidato. Também não existe a mínima possibilidade do juiz não saber disso, ou então devemos acreditar na ingenuidade do homem que colocou um ex-presidente na cadeia.
É claro que Moro conhece exatamente o efeito que uma foto ao seu lado confere a uma candidatura, ainda mais em um momento marcado pela desconfiança generalizada da população em relação aos políticos. A imagem de ambos vestidos de smoking sorrindo ao lado de suas esposas, se não sugere apoio político, sugere no mínimo uma simpatia mútua. Mesmo assim, o juiz topou fornecer esse trunfo eleitoral a Doria.
No dia seguinte à festa de premiação da câmara de comércio, o Moro não deixou de marcar presença em um evento do Lide, empresa de lobby da família de Doria, em Nova York. Não chega a ser uma novidade. Moro é habitué em eventos organizados por políticos do PSDB. Em 2015, ele foi homenageado pela empresa de Doria e, quando questionado pela defesa de Lula sobre sua presença no evento do tucano, se defendeu por escrito:
“Relativamente ao evento na aludida Lide, em São Paulo, no qual estava presente o senhor João Doria Júnior, é importante destacar que ele ocorreu em 22/09/2015, muito distante da eleição municipal neste ano ou da própria definição de referida pessoa como candidato à Prefeitura de São Paulo.”
Moro considerou importante destacar que o ex-prefeito ainda não era candidato. Passados dois anos, Doria se tornou um candidato, mas isso não foi empecilho para que o juiz prestigiasse o evento do tucano em Nova York.
É curioso notar como Moro costuma cair em contradição quanto tenta explicar sua presença ao lado de tucanos. Poucos dias antes de posar para a foto ao lado de Doria nos EUA, Moro afirmou ter se arrependido de aparecer rindo e cochichando com Aécio Neves - um ultra-delatado na Lava Jato - na festa da revista IstoÉ. Ué, Sérgio? O arrependimento por essa “bobagem” não durou nem uma semana?
O problema é que esse tipo de “bobagem” costuma acontecer com uma frequência acima do aceitável, e invariavelmente em eventos capitaneados por tucanos. No fim de 2016, Moro participou de evento comemorativo do governo do Mato Grosso, convidado pelo governador Pedro Taques (PSDB) - o primeiro governador a apoiar o impeachment de Dilma e que hoje se vê rodeado por acusações de corrupção. No meio do seu pronunciamento no evento, Moro fez questão de elogiar um político:
“Não gosto de falar mal de ninguém, mas vendo a lista dos deputados federais desse Estado, um único deputado votou contra essa emenda de criminalização de juízes. Não é política partidária. Então, vou me permitir falar bem do Nilson Leitão.”
Imagino que seja desnecessário informar que Nilson Leitão é do PSDB e, à época do evento, já era acusado na Operação Rêmora de integrar um esquema fraudulento de desvio de verbas da Educação do Mato Grosso. Mesmo sabendo de tudo isso, Moro não deixou de prestigiar o tucano, o que nos leva novamente ao Código de Ética da Magistratura, que afirma no artigo 8 do capítulo 3 que “o magistrado imparcial é aquele que evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”
Mas o que é um código de ética para quem defende o auxílio-moradia para juízes como compensação à falta de aumento de salário? Uma tremenda “bobagem”, certamente.
Que fique registrado para a história. Moro cometeu ilegalidades que prejudicaram a maior liderança do PT durante um processo que o levou à cadeia, mas ao mesmo tempo era um habitué simpático em eventos organizados por políticos do PSDB.
O juiz de primeira instância mais famoso da história do Brasil, alçado à condição de herói combatente da corrupção na política, nunca fez questão de parecer imparcial - um princípio fundamental para a confiabilidade da justiça.
0 comentários:
Postar um comentário