A sociedade brasileira está fraturada, (i) mas não no sentido clássico de “direita x “esquerda”; (ii) nem com o nível de polarização radical que se sugere; (iii) tampouco isso pode ser considerado a crise do lulismo. Vejamos cada um desses pontos.
(i) O golpe fracassou em construir uma agenda para a sociedade e a ampla maioria dos candidatos à presidência não tem um projeto de país. Entretanto, a população brasileira tem um projeto de nação, que envolve a defesa da igualdade de oportunidades, o combate aos privilégios e um Estado que garanta educação, saúde, assistência e segurança. Trata-se inegavelmente da reivindicação majoritária por um programa liberal clássico, smithiano. Onde alguns analistas políticos ouvem Roosevelt, a maioria da população talvez esteja dizendo Marshall.
Na contramão desse processo restam aqueles que convictamente defendem um projeto conservador no campo político-econômico e na esfera da moral e dos costumes. Fazem barulho, mas são minoria.
Nesse momento, talvez o dístico liberais e conservadores nos seja mais útil do que o par esquerda e direita para compreender para onde está se deslocando a luta de classes nesse processo eleitoral.
(ii) Se organizarmos a leitura das pesquisas eleitorais pelos termos acima sugeridos, o programa demandado pela sociedade, perceberemos que a amplíssima maioria dos eleitores deseja um projeto de sociedade com mais liberdades e igualdades e menos privilégios e vantagens indevidas. Quando Guilherme Boulos (PSOL) é interrogado sobre o que é o socialismo, quando Manuela D’Ávila (PCdoB) é questionada sobre o que é o comunismo, quando Ciro Gomes (PDT) é perguntado sobre o que é seu desenvolvimentismo e quando Lula é questionado sobre o seu “trabalhismo” todas as respostas passam por um mesmo ponto: a igualdade de oportunidades. Uma agenda, a propósito, que também tem a adesão de uma parcela dos eventuais eleitores de Marina Silva (Rede) e de Joaquim Barbosa (PSB), por isso esses candidatos tem tido melhor desempenho nas pesquisas.
A sociedade não-organizada enxerga mais as proximidades entre essas figuras do que as diferenças, na direção oposta do que desejam os partidos e militantes organizados.
Nesse sentido, a polarização social não pode ser lida como um mecânico “fifty-fifty”, há uma hegemonia da defesa da igualdade de oportunidades contra uma minoria que defende a naturalização da desigualdade e o silenciamento das diferenças. Por isso o processo eleitoral deve ser tratado com muita responsabilidade pelas forças progressistas. A sociedade tem uma demanda liberal, num sentido desconfortável para a esquerda e num sentido ininteligível para a direita figadal e irracional dos parvos Bolsonaros, MBLs e afins.
(iii) Esse cenário, em última instância, é resultado das transformações sociais provocadas pelos próprios governos do PT. A população não aceita perder certos direitos e políticas públicas que asseguraram algum nível de meritocracia e que combateram algum nível de privilégios. A população não aceita mais o bloqueio de certos direitos civis e liberdades individuais. E por ter tido sua subjetividade construída nessa cultura política é que agora essas pessoas não se manifestam nas ruas, mas nas urnas.
Foi assim que o lulismo ensinou e nesse sentido o lulismo venceu, ele é hegemônico na sociedade brasileira. Resta saber se as lideranças partidárias do campo progressista terão paciência, frieza e discernimento para não perderem esse ativo eleitoral incomparável, hoje unido acertadamente em torno de uma bandeira necessária e agregadora: Lula Livre!
Mas vale alertar: não é democrático lutar contra o desejo da maioria. Fingir não enxergar o problema não vai fazer o problema desaparecer: ou as forças progressistas passam a destacar mais suas convergências do que suas divergências ou o que sobra da democracia brasileira terminará de ruir.
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