Por Roberto Andrés, no site Outras Palavras:
O incêndio que consumiu um edifício de 24 andares no centro de São Paulo é responsabilidade de agentes que não respeitam as leis. Que agem à revelia das regras pactuadas no estado democrático e da constituição. Correto?
Sim, mas erra quem pensa que os criminosos aí são as pessoas que viviam no prédio.
Existe um livro de capa verde, que em suas 512 páginas estabelece as leis que devem reger a vida coletiva no país. Chama-se Constituição da República Federativa do Brasil, e pode ser inteiramente lido na Internet.
Logo no início, no artigo 6º, são estabelecidos os direitos sociais: educação, saúde e, dentre outros, moradia. Sim, moradia é um direito previsto na nossa lei fundamental e suprema.
Mas o que é um direito social? É aquilo que todas as pessoas, independentemente de classe, raça e gênero, têm direito de acessar – sendo o Estado o agente provedor e regulador responsável.
Entretanto, o Brasil tem um déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias. São mais de vinte milhões de pessoas sem casa, em condições indignas. Quando uma parte dessas pessoas ocupa um edifício em busca de moradia, é o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, que não está cumprindo obrigações previstas na carta magna.
Quando esse edifício pega fogo e desaba, a facção criminosa aí não são aqueles que ocuparam por falta de opção, como afirmou o novíssimo ex-prefeito da capital paulista, João Dória, mas o Estado brasileiro.
Os artigos 182 e 183 da constituição, regulamentados através da lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), oferecem para as prefeituras municipais instrumentos necessários para implementar políticas de moradia efetivas.
Um deles é o IPTU progressivo: a prefeitura pode aumentar o valor do imposto territorial urbano para terrenos ou edifícios que estejam desocupados ou subutilizados, podendo o imposto chegar a até 15% do valor do imóvel. Esse aumento de arrecadação pode financiar uma política de habitação municipal.
Outro instrumento é a desapropriação: depois de cinco anos de cobrança do IPTU progressivo, se o imóvel continuar subutilizado, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. Aplicar esses instrumentos é obrigação dos entes públicos, mas isso ocorre muito pouco. A cidade de São Paulo saiu na frente, na gestão de Fernando Haddad, na aplicação desses instrumentos, mas é preciso haver continuidade para que comece a gerar resultados.
A vertiginosa urbanização que o país assistiu na segunda metade do século 20 não foi acompanhada de políticas públicas que provessem vida digna para as pessoas. Periferias se formaram sem infra-estrutura e a autoconstrução em bairros precarizados foi a solução para muita gente morar nas metrópoles.
Os instrumentos jurídicos que aqui citamos foram regularizados em 2001, mas em poucos casos foram aplicados. A partir de 2009, o governo federal iniciou uma política de moradia baseada no estímulo às construtoras, o Minha Casa Minha Vida, que produziu mais de 4 milhões de unidades em sete anos.
No entanto, o déficit habitacional no período não reduziu. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, passou de 5,8 milhões de casas, em 2009, para 6,3 milhões, em 2015. Em texto anterior, expliquei que isso ocorre porque o mercado da habitação funciona de uma maneira muito específica que, sem regulação, pode fazer com que mais casas signifiquem aquecimento do mercado, aumento de preços dos alugueis e, assim, aumento do déficit habitacional.
Por isso ocorre que tenhamos no país mais casa sem gente do que gente sem casa: são cerca de 7 milhões de imóveis desocupados.
Enquanto vivemos esse cenário de tragédia em que leis não são aplicadas e o Estado não cumpre seus deveres, deixando a população ao deus-dará, nossos nobres juízes recebem auxílio moradia, mesmo quando trabalham nas mesmas cidades em que já possuem casas.
Aliás, o auxílio moradia de um juiz, de cerca de R$4.000, é dez vezes maior do que a bolsa-aluguel proposta para aqueles que não têm teto na cidade de São Paulo. Embora o artigo 5º da constituição, que os mesmos juízes deveriam conhecer, afirme que todos são iguais perante a lei.
Acontece que a lei, por aqui, é para poucos.
O incêndio que consumiu um edifício de 24 andares no centro de São Paulo é responsabilidade de agentes que não respeitam as leis. Que agem à revelia das regras pactuadas no estado democrático e da constituição. Correto?
Sim, mas erra quem pensa que os criminosos aí são as pessoas que viviam no prédio.
Existe um livro de capa verde, que em suas 512 páginas estabelece as leis que devem reger a vida coletiva no país. Chama-se Constituição da República Federativa do Brasil, e pode ser inteiramente lido na Internet.
Logo no início, no artigo 6º, são estabelecidos os direitos sociais: educação, saúde e, dentre outros, moradia. Sim, moradia é um direito previsto na nossa lei fundamental e suprema.
Mas o que é um direito social? É aquilo que todas as pessoas, independentemente de classe, raça e gênero, têm direito de acessar – sendo o Estado o agente provedor e regulador responsável.
Entretanto, o Brasil tem um déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias. São mais de vinte milhões de pessoas sem casa, em condições indignas. Quando uma parte dessas pessoas ocupa um edifício em busca de moradia, é o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, que não está cumprindo obrigações previstas na carta magna.
Quando esse edifício pega fogo e desaba, a facção criminosa aí não são aqueles que ocuparam por falta de opção, como afirmou o novíssimo ex-prefeito da capital paulista, João Dória, mas o Estado brasileiro.
Os artigos 182 e 183 da constituição, regulamentados através da lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), oferecem para as prefeituras municipais instrumentos necessários para implementar políticas de moradia efetivas.
Um deles é o IPTU progressivo: a prefeitura pode aumentar o valor do imposto territorial urbano para terrenos ou edifícios que estejam desocupados ou subutilizados, podendo o imposto chegar a até 15% do valor do imóvel. Esse aumento de arrecadação pode financiar uma política de habitação municipal.
Outro instrumento é a desapropriação: depois de cinco anos de cobrança do IPTU progressivo, se o imóvel continuar subutilizado, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. Aplicar esses instrumentos é obrigação dos entes públicos, mas isso ocorre muito pouco. A cidade de São Paulo saiu na frente, na gestão de Fernando Haddad, na aplicação desses instrumentos, mas é preciso haver continuidade para que comece a gerar resultados.
A vertiginosa urbanização que o país assistiu na segunda metade do século 20 não foi acompanhada de políticas públicas que provessem vida digna para as pessoas. Periferias se formaram sem infra-estrutura e a autoconstrução em bairros precarizados foi a solução para muita gente morar nas metrópoles.
Os instrumentos jurídicos que aqui citamos foram regularizados em 2001, mas em poucos casos foram aplicados. A partir de 2009, o governo federal iniciou uma política de moradia baseada no estímulo às construtoras, o Minha Casa Minha Vida, que produziu mais de 4 milhões de unidades em sete anos.
No entanto, o déficit habitacional no período não reduziu. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, passou de 5,8 milhões de casas, em 2009, para 6,3 milhões, em 2015. Em texto anterior, expliquei que isso ocorre porque o mercado da habitação funciona de uma maneira muito específica que, sem regulação, pode fazer com que mais casas signifiquem aquecimento do mercado, aumento de preços dos alugueis e, assim, aumento do déficit habitacional.
Por isso ocorre que tenhamos no país mais casa sem gente do que gente sem casa: são cerca de 7 milhões de imóveis desocupados.
Enquanto vivemos esse cenário de tragédia em que leis não são aplicadas e o Estado não cumpre seus deveres, deixando a população ao deus-dará, nossos nobres juízes recebem auxílio moradia, mesmo quando trabalham nas mesmas cidades em que já possuem casas.
Aliás, o auxílio moradia de um juiz, de cerca de R$4.000, é dez vezes maior do que a bolsa-aluguel proposta para aqueles que não têm teto na cidade de São Paulo. Embora o artigo 5º da constituição, que os mesmos juízes deveriam conhecer, afirme que todos são iguais perante a lei.
Acontece que a lei, por aqui, é para poucos.
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