Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Uma análise histórica das crises nacionais revelaria o seguinte
1. Fases de turbulência e de perda de referenciais. Morre o velho sem o que o novo tenha sido criado, gerando a grande crise.
2. Em períodos de estabilidade, o processo de criação de reputações é lento. Na transição, especialmente quando surgem novas formas de comunicação – como o rádio, nos anos 20, e as redes sociais, agora – a construção de reputações muda de padrão. Surgem novos personagens, dando um bypass nos caminhos tradicionais, esboroando a hierarquia anterior e abrindo espaço para novas celebridades.
3. Sem referenciais, há uma disputa selvagem pelo novo protagonismo. É a chamada síndrome da teoria do caos. Se o caos é completo, sem nenhuma espécie de pré-requisitos, se não é mais pré-condição a erudição, os diplomas, a hierarquia, a biografia, porque não eu, Zebedeu? A meritocracia entre juízes, procuradores, delegados em geral, Ministros do Supremo não se dá mais no terreno especializado das respectivas corporações, mas na qualidade de aparecer na mídia.
4. Esse processo se torna mais agudo devido à crise de confiança na racionalidade que supostamente imperava no mundo que acabou. Hoje em dia, uma meme de rede social vale mais do que a verborragia – muitas vezes vazia – dos velhos personagens.
5. Em algum momento, novos valores se consolidarão, como os positivistas gaúchos nos anos 30, o MDB dos anos 80. Haverá uma reorganização inicial no mercado de ideias, uma reconstrução penosa de valores, que, pouco a pouco, irão entrando pelas instituições, criando um novo normal até a crise seguinte.
Na transição, mais do que em qualquer outro, as figuras referenciais se tornam imprescindíveis. Cada instituição precisa do seu estadista, da sua figura referencial que impeça o esboroamento dos valores constituídos ao longo de décadas.
A figura referencial precisa ter historia coerente, clareza sobre o chamado interesse público ou nacional; desprendimento para não se contaminar pelo oportunismo, grandeza para sobrepor os princípios ao lero-lero do dia a dia e coragem para investir contra a voz da besta.
O Brasil anda tão carente dessas figuras que ontem Elio Gáspari tentou transformar Rosa Weber, a frágil Rosa Weber, em um monumento de solidez. Por falar pouco e ter tido a suprema coragem de derrubar a sentença de um juiz de 1a instância, nos cafundós do país, pretendendo impedir que os serviços públicos atendam venezuelanos no país.
Eça de Queiroz consagrou personagens que falavam pouco - e nada diziam. Gaspari acredita piamente silêncio dos acacianos.
Como jabuti não sobe em árvore, é de se indagar qual o condicionamento pavloviano que se pretende impingir na frágil Rosa. Porque nesses tempos de perda de rumo, de alarido infernal, o exercício predileto de alguns colunistas e veículos é o direcionar votos de Ministros. É o que explica Merval Pereira, a voz mais oficiosa dos Marinhos, requerer o cancelamento da inscrição do PT nas próximas eleições.
E não são apenas os tribunais que seguem o clamor das ruas e os ventos medievais.
O MPF tem uma luta épica histórica contra a lei da anistia. O combate à tortura deveria ser cláusula pétrea em sua hierarquia de valores. No entanto, há procuradores na rede enaltecendo Brilhante Ustra, o mais notório do torturadores. E nada acontece, sequer a censura moral de seus colegas, muito menos sanções dos conselhos de classe.
Entrou-se definitivamente no reino da hipocrisia, que marca a última etapa da transição.
No Supremo, bravos Ministros votam em defesa da Constituição, desde que haja garantia de maioria para o votos em favor do golpe.
Esse mesmo jogo de cena se dá nos inquéritos da Procuradoria Geral da República.
O caso da conta de Aécio Neves em Liechtenstein está na PGR desde 2010. Mesmo com a lista da Odebrecht, com a delação detalhada de como recebia as propinas de Furnas, o então PGR Rodrigo Janot recomendou o arquivamento da denúncia, enquanto investida destemidamente contra Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann.
Apenas após o grampo da JBS, Janot solicitou acesso à conta, através da cooperação internacional.
Semana passada, a Policia Federal apresentou seu inquérito sobre Aécio, sem levantar uma prova sequer. Em função disso, o Ministro Gilmar Mendes arquivou o inquérito.
Em seguida, a PGR cumpriu burocraticamente sua missão de questionar o arquivamento, argumentando que a PF não tinha provas porque ainda não consultara a conta. E a decisão de Gilmar proibia de consultar. Não explicou porque a conta jamais foi entregue à PF antes da decisão e Gilmar. E porque a Globo é mencionada em inquéritos da Espanha, Suíça e Estados Unidos sobre os escândalos da FIFA, e continua imune à ação do MPF.
Muitas vezes, vozes sensatas se indagam a razão desses personagens não zelarem por sua biografia. É que eles não têm o menor sentimento de história, de país, da própria instituição. É como se pudessem entrar na próxima etapa vitoriosos e, portanto, com a sua biografia zerada, da mesma maneira que os Ministros que julgaram Olga Benário os ou coronéis que conduziam os IPMs da pré-ditadura.
Esse jogo de cena é mantido pela Associação Nacional pela Hipocrisia, um órgão supra-institucional que se garante pela máxima “sou, mas quem não é?”.
Chegará o momento em que a bolha será furada. E aí, será possível que, 25 anos depois, se ouça alguma autocrítica, sincera como foi a da Globo sobre o apoio à ditadura.
Uma análise histórica das crises nacionais revelaria o seguinte
1. Fases de turbulência e de perda de referenciais. Morre o velho sem o que o novo tenha sido criado, gerando a grande crise.
2. Em períodos de estabilidade, o processo de criação de reputações é lento. Na transição, especialmente quando surgem novas formas de comunicação – como o rádio, nos anos 20, e as redes sociais, agora – a construção de reputações muda de padrão. Surgem novos personagens, dando um bypass nos caminhos tradicionais, esboroando a hierarquia anterior e abrindo espaço para novas celebridades.
3. Sem referenciais, há uma disputa selvagem pelo novo protagonismo. É a chamada síndrome da teoria do caos. Se o caos é completo, sem nenhuma espécie de pré-requisitos, se não é mais pré-condição a erudição, os diplomas, a hierarquia, a biografia, porque não eu, Zebedeu? A meritocracia entre juízes, procuradores, delegados em geral, Ministros do Supremo não se dá mais no terreno especializado das respectivas corporações, mas na qualidade de aparecer na mídia.
4. Esse processo se torna mais agudo devido à crise de confiança na racionalidade que supostamente imperava no mundo que acabou. Hoje em dia, uma meme de rede social vale mais do que a verborragia – muitas vezes vazia – dos velhos personagens.
5. Em algum momento, novos valores se consolidarão, como os positivistas gaúchos nos anos 30, o MDB dos anos 80. Haverá uma reorganização inicial no mercado de ideias, uma reconstrução penosa de valores, que, pouco a pouco, irão entrando pelas instituições, criando um novo normal até a crise seguinte.
Na transição, mais do que em qualquer outro, as figuras referenciais se tornam imprescindíveis. Cada instituição precisa do seu estadista, da sua figura referencial que impeça o esboroamento dos valores constituídos ao longo de décadas.
A figura referencial precisa ter historia coerente, clareza sobre o chamado interesse público ou nacional; desprendimento para não se contaminar pelo oportunismo, grandeza para sobrepor os princípios ao lero-lero do dia a dia e coragem para investir contra a voz da besta.
O Brasil anda tão carente dessas figuras que ontem Elio Gáspari tentou transformar Rosa Weber, a frágil Rosa Weber, em um monumento de solidez. Por falar pouco e ter tido a suprema coragem de derrubar a sentença de um juiz de 1a instância, nos cafundós do país, pretendendo impedir que os serviços públicos atendam venezuelanos no país.
Eça de Queiroz consagrou personagens que falavam pouco - e nada diziam. Gaspari acredita piamente silêncio dos acacianos.
Como jabuti não sobe em árvore, é de se indagar qual o condicionamento pavloviano que se pretende impingir na frágil Rosa. Porque nesses tempos de perda de rumo, de alarido infernal, o exercício predileto de alguns colunistas e veículos é o direcionar votos de Ministros. É o que explica Merval Pereira, a voz mais oficiosa dos Marinhos, requerer o cancelamento da inscrição do PT nas próximas eleições.
E não são apenas os tribunais que seguem o clamor das ruas e os ventos medievais.
O MPF tem uma luta épica histórica contra a lei da anistia. O combate à tortura deveria ser cláusula pétrea em sua hierarquia de valores. No entanto, há procuradores na rede enaltecendo Brilhante Ustra, o mais notório do torturadores. E nada acontece, sequer a censura moral de seus colegas, muito menos sanções dos conselhos de classe.
Entrou-se definitivamente no reino da hipocrisia, que marca a última etapa da transição.
No Supremo, bravos Ministros votam em defesa da Constituição, desde que haja garantia de maioria para o votos em favor do golpe.
Esse mesmo jogo de cena se dá nos inquéritos da Procuradoria Geral da República.
O caso da conta de Aécio Neves em Liechtenstein está na PGR desde 2010. Mesmo com a lista da Odebrecht, com a delação detalhada de como recebia as propinas de Furnas, o então PGR Rodrigo Janot recomendou o arquivamento da denúncia, enquanto investida destemidamente contra Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann.
Apenas após o grampo da JBS, Janot solicitou acesso à conta, através da cooperação internacional.
Semana passada, a Policia Federal apresentou seu inquérito sobre Aécio, sem levantar uma prova sequer. Em função disso, o Ministro Gilmar Mendes arquivou o inquérito.
Em seguida, a PGR cumpriu burocraticamente sua missão de questionar o arquivamento, argumentando que a PF não tinha provas porque ainda não consultara a conta. E a decisão de Gilmar proibia de consultar. Não explicou porque a conta jamais foi entregue à PF antes da decisão e Gilmar. E porque a Globo é mencionada em inquéritos da Espanha, Suíça e Estados Unidos sobre os escândalos da FIFA, e continua imune à ação do MPF.
Muitas vezes, vozes sensatas se indagam a razão desses personagens não zelarem por sua biografia. É que eles não têm o menor sentimento de história, de país, da própria instituição. É como se pudessem entrar na próxima etapa vitoriosos e, portanto, com a sua biografia zerada, da mesma maneira que os Ministros que julgaram Olga Benário os ou coronéis que conduziam os IPMs da pré-ditadura.
Esse jogo de cena é mantido pela Associação Nacional pela Hipocrisia, um órgão supra-institucional que se garante pela máxima “sou, mas quem não é?”.
Chegará o momento em que a bolha será furada. E aí, será possível que, 25 anos depois, se ouça alguma autocrítica, sincera como foi a da Globo sobre o apoio à ditadura.
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