Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
O Brasil está sob pressão internacional para liberar a candidatura presidencial de Lula. Líderes políticos, personalidades e até um comitê da ONU defendem a autorização. Não é uma situação incômoda apenas para a Justiça mais cara do planeta. É sinal também de insucesso da política externa comandada pelo PSDB após a degola de Dilma Rousseff.
A primeira missão dos tucanos era convencer o mundo de que o impeachment não foi golpe. Em busca de ajuda, eles apelaram de cara ao Tio Sam. O senador Aloysio Nunes Ferreira, hoje ministro das Relações Exteriores, foi a Washington conversar com algumas autoridades e empresários assim que os deputados permitiram que o Senado julgasse Dilma.
Ali nos EUA, Nunes Ferreira reclamou publicamente da insistência da petista de falar em “golpe”. “Aqueles que não conhecem o Brasil, especialmente investidores, poderão ter a ideia de que o Brasil é uma república bananeira, quando não é”, disse. “Um dos grandes ativos que o Brasil tem é o fato de termos instituições políticas e jurídicas sólidas.”
No mês seguinte, maio de 2016, a petista era afastada do cargo, o PSDB assumia o Itamaraty com o senador José Serra e logo um comunicado era disparado aos postos diplomáticos no exterior com uma orientação: defender que não houve golpe. “Os equívocos porventura cometidos” por autoridades estrangeiras, dizia o texto, “devem ser ativamente combatidos”.
Agora, reta final do governo pós-Dilma, há uma debandada de embaixadores brasileiros para o exterior. Uma tentativa, segundo se ouve entre diplomatas, de desassociar-se do impeachment e de ajeitar a vida antes do fim do mandato de Michel Temer. Ao assinar um pacote de nomeações, o presidente comentou, conforme relatos: “Vai ficar alguém em Brasília?”.
O assessor especial de Temer para assuntos internacionais, Fred Arruda, é um dos que estão de mala pronta. Deve comandar a embaixada em Londres. Chefe de gabinete de Nunes Ferreira até agosto, Eduardo Saboia chefiará o posto em Tóquio.
Número 2 do Itamaraty, Marcos Galvão comandará a missão junto à União Europeia. Fernando Simas Magalhães acaba de assumir cargo equivalente na Organização dos Estados Americanos (OEA). Era até então um dos subsecretários-gerais do Itamaraty. E por aí vai.
Em meio à debandada, pressões internacionais acuam o Brasil. O pressuposto delas é que Lula diz a verdade quando fala que o impeachment de Dilma foi um golpe destinado a tirar o PT do poder, impor o neoliberalismo e impedir a derrota desse receituário nas urnas por Lula. Foi essa a descrição de um "golpe de direita" dada pela ex-presidente em um artigo publicado em 14 de agosto no The New York Times.
François Hollande (ex-presidente da França), Michelle Bachelet (ex do Chile), José Luis Zapatero (ex-premiê da Espanha), Enrico Letta (ex-da Itália), Elio di Rupo (ex-da Bélgica), José Sócrates (ex-de Portugal), Jorge Castañeda (escritor e ex-chanceler mexicano), Baltasar Garzón (ex-juiz espanhol) saíram em defesa da candidatura de Lula, a ecoar de algum modo o que diz o petista.
“Meu sucessor como presidente falsamente se apresenta como vítima de uma conspiração de ‘elite’”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um artigo recente no jornal inglês conservador Financial Times, publicado para rebater o de Lula. A disposição do octagenário tucano para uma discussão global via jornais dá uma ideia do insucesso da política externa pós-impeachment.
Presidenciável nos EUA, Bernie Sanders mandou em julho uma carta ao diplomata que assumiu a embaixada do Brasil em Washington com o PSDB, Sergio Amaral, com críticas ao governo de (palavras de Sanders e outros 28 congressistas locais) “extrema-direita” de Temer. E em defesa de Lula: “Os fatos que envolvem o caso do ex-presidente Lula nos dão motivo para acreditar que o objetivo prioritário de sua prisão é para impedi-lo de disputar as próximas eleições”.
Em telegramas ao Itamaraty, Amaral relata suas insistentes e infrutíferas tentativas de conseguir da Casa Branca um encontro de Temer com Donald Trump. Quem leu as correspondências diz que o embaixador parece ter sido suplicante nas negociações. Ele não teve êxito, segundo os telegramas, pois Washington vê um Temer fraco, sem apoio popular e político e sem legitimidade.
O máximo que o Tio Sam topou foi mandar ao Brasil o vice-presidente, Mike Pence. E para falar prioritariamente de Venezuela. Um assunto que não era exatamente o desejado pelo Palácio do Planalto.
Temer não deve guardar boas lembranças da visita recebida em junho. Em declaração a seu lado no Planalto, Pence pregou “mais atitudes (brasileiras) para isolar o regime de (Nicolás) Maduro”. E em tom patronal: “Por isso, hoje digo ao nosso aliado Brasil: chegou a hora de vocês fazerem mais.”
Estados Unidos e Venezuela são temas sintomáticos do insucesso da política externa pós-impeachment. A chancelaria tucana de Temer fez desde o início juras de amor aos EUA, mas contava com a vitória de Hillary Clinton, não de Trump, na eleição que aconteceria lá seis meses depois. Serra, o ministro da época, torceu publicamente por Hillary.
Hoje, Trump não deixa prosperar uma das maiores apostas da política externa pós-impeachment. O Brasil tenta entrar na OCDE, clube de 35 países ricos e simpatizantes, e até acaba de abrir uma missão diplomática para atuar junto ao organismo em Paris. Mas não consegue autorização para ser membro. Os EUA preferem a entrada da Argentina de Mauricio Macri, amigo de Trump.
Terá sido para tentar desfazer todo tipo de má vontade do presidente norte-americano que o diretor do Departamento dos EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty escreveu um longo ensaio sobre Trump em que praticamente o chama de salvador da civilização ocidental?
O texto do diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo saiu no segundo semestre 2017 nos “Cadernos de Política Exterior”, publicação feita a cada seis meses pelo ministério das Relações Exteriores.
No caso da Venezuela, o Itamaraty tratou-a como inimigo desde o início, embora os tucanos sempre tenham dito que era o PT quem tinha uma política externa ideológica. O motivo do partidarismo do PSDB pôde ser identificado na posse de Nunes Ferreira. “Cada vez mais o tema da política externa está presente nos debates sobre a nossa política interna”, disse, há “inseparabilidade” entre elas.
Na cruzada ideológica contra o chavismo, os tucanos embarcaram no Grupo de Lima, criado em agosto de 2017 por alguns países das Américas para pressionar Nicolás Maduro. O confronto com o vizinho levou o Brasil, maior economia e população da América do Sul, a ficar isolado no continente, devido a uma certa solidariedade de alguns parceiros venezuelanos.
Ser respeitado nas cercanias é regra básica para um país que queira ter protagonismo global. No Valor da quinta-feira 23, dois embaixadores experientes, Vera Pedrosa, de 81 anos, e Luiz Filipe de Macedo Soares, de 76, propuseram uma plataforma de política externa para o próximo governo e começaram suas considerações pela América do Sul.
“Sabemos em que lugar do mundo nos encontramos: na América do Sul, espaço continental que compartilhamos com outros 11 países. Não podemos ignorá-los e seria um erro antagonizá-los. Nosso interesse primordial é trabalhar para que os 12 países que compõem a região constituam um sistema harmonioso que fortaleça a cada um e ao conjunto deles.”
Fraco politicamente, o Brasil perdeu voz na região. A Colômbia anunciou não faz muito sua saída da Unasul, a União de Nações Sul-Americanas, e sua entrada na OTAN, o bloco militar liderado pelos EUA na Europa, sem um pio brasileiro.
Em 2009, o então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, extremista de direita, anunciou que seu país, dono de uma enorme fronteira amazônica com o Brasil, teria bases militares do Tio Sam, e o assunto logo provocou reações do Brasil e debates na Unasul.
Mas até que em sua reta final no Itamaraty, Nunes Ferreira tem tentado remediar certas coisas. Na segunda-feira 20, foi à Bolívia reunir-se com o chanceler de lá, Fernando Huanacuni. Disse que “nós somos apegados à existência da Unasul”, bloco hoje relegado à irrelevância. E até topou vestir umas roupas típicas bolivianas.
A primeira missão dos tucanos era convencer o mundo de que o impeachment não foi golpe. Em busca de ajuda, eles apelaram de cara ao Tio Sam. O senador Aloysio Nunes Ferreira, hoje ministro das Relações Exteriores, foi a Washington conversar com algumas autoridades e empresários assim que os deputados permitiram que o Senado julgasse Dilma.
Ali nos EUA, Nunes Ferreira reclamou publicamente da insistência da petista de falar em “golpe”. “Aqueles que não conhecem o Brasil, especialmente investidores, poderão ter a ideia de que o Brasil é uma república bananeira, quando não é”, disse. “Um dos grandes ativos que o Brasil tem é o fato de termos instituições políticas e jurídicas sólidas.”
No mês seguinte, maio de 2016, a petista era afastada do cargo, o PSDB assumia o Itamaraty com o senador José Serra e logo um comunicado era disparado aos postos diplomáticos no exterior com uma orientação: defender que não houve golpe. “Os equívocos porventura cometidos” por autoridades estrangeiras, dizia o texto, “devem ser ativamente combatidos”.
Agora, reta final do governo pós-Dilma, há uma debandada de embaixadores brasileiros para o exterior. Uma tentativa, segundo se ouve entre diplomatas, de desassociar-se do impeachment e de ajeitar a vida antes do fim do mandato de Michel Temer. Ao assinar um pacote de nomeações, o presidente comentou, conforme relatos: “Vai ficar alguém em Brasília?”.
O assessor especial de Temer para assuntos internacionais, Fred Arruda, é um dos que estão de mala pronta. Deve comandar a embaixada em Londres. Chefe de gabinete de Nunes Ferreira até agosto, Eduardo Saboia chefiará o posto em Tóquio.
Número 2 do Itamaraty, Marcos Galvão comandará a missão junto à União Europeia. Fernando Simas Magalhães acaba de assumir cargo equivalente na Organização dos Estados Americanos (OEA). Era até então um dos subsecretários-gerais do Itamaraty. E por aí vai.
Em meio à debandada, pressões internacionais acuam o Brasil. O pressuposto delas é que Lula diz a verdade quando fala que o impeachment de Dilma foi um golpe destinado a tirar o PT do poder, impor o neoliberalismo e impedir a derrota desse receituário nas urnas por Lula. Foi essa a descrição de um "golpe de direita" dada pela ex-presidente em um artigo publicado em 14 de agosto no The New York Times.
François Hollande (ex-presidente da França), Michelle Bachelet (ex do Chile), José Luis Zapatero (ex-premiê da Espanha), Enrico Letta (ex-da Itália), Elio di Rupo (ex-da Bélgica), José Sócrates (ex-de Portugal), Jorge Castañeda (escritor e ex-chanceler mexicano), Baltasar Garzón (ex-juiz espanhol) saíram em defesa da candidatura de Lula, a ecoar de algum modo o que diz o petista.
“Meu sucessor como presidente falsamente se apresenta como vítima de uma conspiração de ‘elite’”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um artigo recente no jornal inglês conservador Financial Times, publicado para rebater o de Lula. A disposição do octagenário tucano para uma discussão global via jornais dá uma ideia do insucesso da política externa pós-impeachment.
Presidenciável nos EUA, Bernie Sanders mandou em julho uma carta ao diplomata que assumiu a embaixada do Brasil em Washington com o PSDB, Sergio Amaral, com críticas ao governo de (palavras de Sanders e outros 28 congressistas locais) “extrema-direita” de Temer. E em defesa de Lula: “Os fatos que envolvem o caso do ex-presidente Lula nos dão motivo para acreditar que o objetivo prioritário de sua prisão é para impedi-lo de disputar as próximas eleições”.
Em telegramas ao Itamaraty, Amaral relata suas insistentes e infrutíferas tentativas de conseguir da Casa Branca um encontro de Temer com Donald Trump. Quem leu as correspondências diz que o embaixador parece ter sido suplicante nas negociações. Ele não teve êxito, segundo os telegramas, pois Washington vê um Temer fraco, sem apoio popular e político e sem legitimidade.
O máximo que o Tio Sam topou foi mandar ao Brasil o vice-presidente, Mike Pence. E para falar prioritariamente de Venezuela. Um assunto que não era exatamente o desejado pelo Palácio do Planalto.
Temer não deve guardar boas lembranças da visita recebida em junho. Em declaração a seu lado no Planalto, Pence pregou “mais atitudes (brasileiras) para isolar o regime de (Nicolás) Maduro”. E em tom patronal: “Por isso, hoje digo ao nosso aliado Brasil: chegou a hora de vocês fazerem mais.”
Estados Unidos e Venezuela são temas sintomáticos do insucesso da política externa pós-impeachment. A chancelaria tucana de Temer fez desde o início juras de amor aos EUA, mas contava com a vitória de Hillary Clinton, não de Trump, na eleição que aconteceria lá seis meses depois. Serra, o ministro da época, torceu publicamente por Hillary.
Hoje, Trump não deixa prosperar uma das maiores apostas da política externa pós-impeachment. O Brasil tenta entrar na OCDE, clube de 35 países ricos e simpatizantes, e até acaba de abrir uma missão diplomática para atuar junto ao organismo em Paris. Mas não consegue autorização para ser membro. Os EUA preferem a entrada da Argentina de Mauricio Macri, amigo de Trump.
Terá sido para tentar desfazer todo tipo de má vontade do presidente norte-americano que o diretor do Departamento dos EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty escreveu um longo ensaio sobre Trump em que praticamente o chama de salvador da civilização ocidental?
O texto do diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo saiu no segundo semestre 2017 nos “Cadernos de Política Exterior”, publicação feita a cada seis meses pelo ministério das Relações Exteriores.
No caso da Venezuela, o Itamaraty tratou-a como inimigo desde o início, embora os tucanos sempre tenham dito que era o PT quem tinha uma política externa ideológica. O motivo do partidarismo do PSDB pôde ser identificado na posse de Nunes Ferreira. “Cada vez mais o tema da política externa está presente nos debates sobre a nossa política interna”, disse, há “inseparabilidade” entre elas.
Na cruzada ideológica contra o chavismo, os tucanos embarcaram no Grupo de Lima, criado em agosto de 2017 por alguns países das Américas para pressionar Nicolás Maduro. O confronto com o vizinho levou o Brasil, maior economia e população da América do Sul, a ficar isolado no continente, devido a uma certa solidariedade de alguns parceiros venezuelanos.
Ser respeitado nas cercanias é regra básica para um país que queira ter protagonismo global. No Valor da quinta-feira 23, dois embaixadores experientes, Vera Pedrosa, de 81 anos, e Luiz Filipe de Macedo Soares, de 76, propuseram uma plataforma de política externa para o próximo governo e começaram suas considerações pela América do Sul.
“Sabemos em que lugar do mundo nos encontramos: na América do Sul, espaço continental que compartilhamos com outros 11 países. Não podemos ignorá-los e seria um erro antagonizá-los. Nosso interesse primordial é trabalhar para que os 12 países que compõem a região constituam um sistema harmonioso que fortaleça a cada um e ao conjunto deles.”
Fraco politicamente, o Brasil perdeu voz na região. A Colômbia anunciou não faz muito sua saída da Unasul, a União de Nações Sul-Americanas, e sua entrada na OTAN, o bloco militar liderado pelos EUA na Europa, sem um pio brasileiro.
Em 2009, o então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, extremista de direita, anunciou que seu país, dono de uma enorme fronteira amazônica com o Brasil, teria bases militares do Tio Sam, e o assunto logo provocou reações do Brasil e debates na Unasul.
Mas até que em sua reta final no Itamaraty, Nunes Ferreira tem tentado remediar certas coisas. Na segunda-feira 20, foi à Bolívia reunir-se com o chanceler de lá, Fernando Huanacuni. Disse que “nós somos apegados à existência da Unasul”, bloco hoje relegado à irrelevância. E até topou vestir umas roupas típicas bolivianas.
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