Foto; Araquém Alcântara |
Em mais uma demonstração de que não gosta de pobres e apesar da renovação do acordo Brasil-Cuba do Programa Mais Médicos em 2016, Bolsonaro condicionou a sua continuidade à uma série de exigências que se chocam com o conteúdo do acordo e que são inaceitáveis para o governo cubano, bem como para os próprios médicos.
Estas exigências são a aplicação de testes de capacidade para os profissionais cubanos, pagamento integral dos salários e a vinda de suas famílias para o Brasil. A única resposta possível do governo cubano a essas exigências absurdas seria sua retirada do acordo. Tirante a conotação eminentemente ideológica das condicionalidades impostas por Bolsonaro, o caráter econômico do acordo é de venda de prestação de serviços de saúde para o Brasil e que será interrompido.
Guardada a proporção e o tipo de produto e serviços, que outros países já nos venderam e vendem, não há novidade nesse tipo de negócio. Por exemplo, na compra de equipamentos para usinas hidrelétricas e nucleares, era normal que representantes dos fornecedores viessem ao Brasil para orientar e supervisionar sua instalação. As obras que empresas de construção brasileiras fizeram em outros países na África e América Latina também contaram com assistência técnica para sua execução de funcionários delas. Os chineses, quando realizam obras em outros países, frequentemente vendem pacotes completos que inclui até a vinda dos operários que os executarão. Em qualquer destes casos a definição dos valores de compra de equipamentos e/ou serviços não inclui discussões sobre salários dos instaladores e tampouco se estes virão acompanhados ou não pelos seus familiares.
Além disso, a qualidade do serviço de saúde de Cuba é notória e de conhecimento internacional e tampouco faria sentido aplicar testes aos médicos cubanos cinco anos depois de o Programa ter se iniciado. Seu sucesso e aceitação pela população brasileira e pelas autoridades municipais é integral e respondem pela qualidade dos serviços prestados, tanto é que algumas das primeiras instituições a questionarem a posição de Bolsonaro foram a Associação Brasileira de Municípios e a Confederação Nacional de Municípios, bem como alguns prefeitos individualmente.
O encerramento desta prestação de serviços de 8.500 médicos cubanos causará um impacto grave para o já precário atendimento à saúde no Brasil, principalmente à parcela mais pobre da população. Foi à partir do Programa Mais Médicos que quase 1.300 municípios brasileiros passaram a ter a presença de pelo menos um médico na cidade, além de aproximadamente trezentos deles darem atendimento a comunidades indígenas.
A assessoria de Bolsonaro argumenta que médicos brasileiros cobrirão a ausência dos profissionais estrangeiros, o que é uma grande mentira, pois 95% dos médicos que se formam no Brasil buscam trabalho nos grandes centros urbanos. Mesmo o estado de São Paulo, o mais desenvolvido do país, contava com a presença de 1.200 médicos cubanos, inclusive na periferia da capital, devido ao déficit de médicos brasileiros. Além disso, quando o usurpador Michel Temer renovou o acordo com Cuba em 2016, o Ministério da Educação anunciou que não abriria novos cursos de medicina. Na verdade, os médicos brasileiros sempre se beneficiaram da existência de uma reserva de mercado corporativo por meio de um déficit na relação entre número de médicos e população atendida que se pretende manter e que, lamentavelmente, um número significativo de integrantes dessa categoria profissional defende.
Por fim, a melhor resposta à medida anti-pobre de Bolsonaro veio de um dos médicos cubanos, Oscar Suárez Oviedo, que atende no município de Jaguariúna no estado de São Paulo: “Eu gostaria de falar que o Brasil não está doando dinheiro para o meu país. O Brasil paga pelos meus serviços e eu, Oscar e os outros colegas que participamos do Programa somos os que doamos parte do nosso salário para ajudar o nosso país. Sei que muitos não conseguem entender isso, pois não têm os nossos ideais e também muitos só pensam no seu umbigo. Quanto à revalidação de diplomas, foi acordado não fazê-lo desde o início do Programa. Todos nós que estamos aqui fomos avaliados lá em Cuba e aqui por professores brasileiros. Nossa documentação está devidamente cotejada e legalizada na embaixada brasileira. Acho que nosso trabalho tem demonstrado o que somos e a nossa preparação profissional e humana. Cuba não fica de joelhos ante ninguém. Pobres, porém com dignidade. Se temos que sair, saímos com a cabeça erguida e a certeza de que nossa missão foi feita! Somente agradeço a tantas e tantas pessoas que confiaram em nós!”
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