domingo, 18 de novembro de 2018

Sergio Moro, o rei nu

Por Joana Mortagua, no site Mídia Ninja:

“Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política”, disse Sérgio Moro em 2016 quando foi questionado sobre as suas motivações e ambições políticas.

Agora o super-juiz da Lava Jato aceitou o convite de Jair Bolsonaro para ser o próximo ministro da justiça do Brasil. Aliás, namorou o lugar durante a campanha, negociou-o assim que o ultra conservador foi eleito, e até este momento ainda não renunciou à magistratura, limitou-se a tirar férias.

Toda a gente compreende a indignação de muitos e a atrapalhação de outros. A única reação pouco genuína é a dos que se fingem surpresos.

Citando Miguel Sousa Tavares, “este é o juiz que, sem nenhuma prova direta e baseado apenas em delações premiadas, sozinho, investigou, acusou, despachou para julgamento, julgou, condenou e meteu na prisão o homem a quem todas as sondagens davam larga vantagem no Brasil”.

O homem que anunciava condenações como quem faz promessas eleitorais. O homem que prometeu por Lula na cadeia. Que o condenou por “convicção”. Que montou um conluio com a polícia e recusou libertá-lo apesar da decisão de um tribunal superior.

Esse juiz será ministro do candidato que prometeu deixar Lula a apodrecer na prisão. Coincidência ou pagamento?

Com a hipocrisia dos canalhas, Moro diz que vai ocupar um lugar técnico. Mas é evidente que está finalmente no lugar certo para fazer aquilo que sempre fez: política. Não há dúvida de que Moro sempre foi um ativista anti-PT que utilizava a toga para manipular politicamente a justa indignação do povo brasileiro contra a corrupção endêmica no país.

Isso não quer dizer que a verdadeira agenda de Moro fosse o combate à corrupção, certamente não mais do que o combate ao PT. Para seguir essa verdadeira agenda atropelou várias vezes a lei, como quando recolheu e divulgou escutas ilegais de conversas entre Dilma e Lula.

Um abuso de poder deste gênero, ao ponto de mandar escutar conversas entre a Presidente e o ex-Presidente de um país, indignaria muita boa gente que sabe o que significa Estado de Direito. Mas na época Dilma estava à beira de sofrer um golpe e a fuga dava demasiado jeito ao impeachment.

Moro mandou para o espaço a separação de poderes, e por isso foi um aliado indispensável quando a direita corrupta deu um golpe político e quis disfarçá-lo de combate à corrupção.

A indignação da esquerda é a de quem vê escancarada a veracidade das denúncias de falta de imparcialidade no julgamento de Lula, de judicialização da disputa política com o PT, de participação ativa na campanha pró-golpe. A atrapalhação da direita é a vergonha de quem quis fingir que acreditava na farsa de Moro e se vê de repente desmascarado.

Por ter posto Lula na cadeia e ter sido cúmplice do golpe, a direita glorificou um juiz-político sem olhar aos custos para o Estado de Direito e para a democracia. Moro era rei. Agora não há como não pôr em causa todas as decisões que tomou enquanto condenava na justiça aqueles que não teve coragem para enfrentar nas urnas. Por ironia, foi a coerência do político que denunciou a farsa do juiz. O rei vai nu.

* Joana Mortagua é deputada do Bloco de Esquerda em Portugal.

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