Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
O entrevistador não fez a pergunta que haveria de ser posta a bem do esclarecimento: explique melhor, general, que significa no limite? Interpretação inevitável: o comandante percebeu a presença de comandados dispostos a um gesto tresloucado e com autoridade para executá-lo.
Algo similar ao bombardeio da Mooca, em São Paulo de 1924, nas alturas do Cambuci, ou, para ficar neste gênero de tipologia, ou à revolta de Aragarças durante o governo JK? Ou não seria o golpe dos tanques nas ruas?
Pela primeira vez, Villas Bôas assumiu a primeira linha para atuar no limite. Meses após, em seguida ao atentado contra Bolsonaro, apontou o risco de que a eleição pudesse levar ao poder um governo ilegítimo, clara referência ao retorno de Lula à Presidência da República.
Há quem diga que Villas Bôas age em boa-fé, com o propósito de serenar os ânimos e evitar o pior. Pode ser. Mas a dupla intervenção do comandante do Exército deixa no nosso ar fortemente poluído diversas questões muito preocupantes, ao menos para os sonhadores da democracia.
In primis: por que as Forças Armadas não sofreram sobressaltos quando a Constituição foi rasgada para derrubar Dilma Rousseff e instalar um governo, este sim, ilegítimo e corrupto?
Por que não se incomodaram quando Sérgio Moro, transformado em inquisidor do Santo Ofício com o apoio da mídia nativa, condenou Lula sem provas e, às vésperas do segundo turno do pleito de outubro, já seguro da nomeação a ministro da Justiça com poderes policialescos, divulgou a delação de Antonio Palocci?
Inescapável a conclusão, a partir da ideia plausível de que nem todos os fardados sejam golpistas e entreguistas. Pelo contrário, é aceitável supor, por exemplo, que na Marinha haja quem encare com imenso pesar o encerramento do projeto do submarino atômico, ou a liquidação da Amazônia Azul, ou a venda do pré-sal às grandes irmãs do petróleo.
Digamos que Villas Bôas tema uma fratura dentro das Forças Armadas e leve em conta diferenças tradicionais entre as três Armas. Sobra a aterradora verdade factual: na caserna continua a haver espaço para golpistas intemeratos, sempre prontos a descumprir seus deveres constitucionais para ditar o futuro do País.
Este aspecto da crise inesgotável (ideológica, política, econômica, cultural, social, moral) nos devolve ao momento em que a República brasileira nasce de um golpe militar. Na França, em 1789, resultou da Revolução, cujos valores e princípios nunca alcançaram o Brasil. Recordo como se deu na Itália, no imediato Pós-Guerra, quando vivi conscientemente aquele momento.
A monarquia, ré por ter-se sujeitado ao fascismo, foi varrida em 1946 por um plebiscito popular orientado pelo legado da resistência, ao cabo de uma revolução intestina que ensanguentou a Itália a partir do final de 1943.
A transformação de países monárquicos em republicanos sempre produziu efeitos benéficos e os aproximou da democracia, quando não a garantiu. No Brasil gerou de saída a dominação do café com leite e fez das Forças Armadas fiel da balança do poder.
Agora pergunto aos meus contristados botões por que tantos militares, fardados e de pijama, ainda acreditam na anacrônica tocaia comunista e enxergam em Lula o imperdoável vilão?
Não foram maltratados pelos governos petistas, e sim sempre respeitados e atendidos em suas demandas. Talvez se trate de leitores, ouvintes e telespectadores da mídia nativa, respondem os botões, soturnos. Talvez...
Certo é que o comportamento desses militares confirma a singularidade do Brasil, país único no seu distanciamento nem digo da democracia, da civilidade, incapaz de perceber sonambulicamente a sua medievalidade, a sua generalizada carência mental, os efeitos trágicos da desigualdade monstruosa.
O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, é um general enigmático. Em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada na segunda 12, afirma que Bolsonaro não significa a volta dos militares, mas também admite que, ao condenar a impunidade às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula, agiu “no limite”.
O entrevistador não fez a pergunta que haveria de ser posta a bem do esclarecimento: explique melhor, general, que significa no limite? Interpretação inevitável: o comandante percebeu a presença de comandados dispostos a um gesto tresloucado e com autoridade para executá-lo.
Algo similar ao bombardeio da Mooca, em São Paulo de 1924, nas alturas do Cambuci, ou, para ficar neste gênero de tipologia, ou à revolta de Aragarças durante o governo JK? Ou não seria o golpe dos tanques nas ruas?
Pela primeira vez, Villas Bôas assumiu a primeira linha para atuar no limite. Meses após, em seguida ao atentado contra Bolsonaro, apontou o risco de que a eleição pudesse levar ao poder um governo ilegítimo, clara referência ao retorno de Lula à Presidência da República.
Há quem diga que Villas Bôas age em boa-fé, com o propósito de serenar os ânimos e evitar o pior. Pode ser. Mas a dupla intervenção do comandante do Exército deixa no nosso ar fortemente poluído diversas questões muito preocupantes, ao menos para os sonhadores da democracia.
In primis: por que as Forças Armadas não sofreram sobressaltos quando a Constituição foi rasgada para derrubar Dilma Rousseff e instalar um governo, este sim, ilegítimo e corrupto?
Por que não se incomodaram quando Sérgio Moro, transformado em inquisidor do Santo Ofício com o apoio da mídia nativa, condenou Lula sem provas e, às vésperas do segundo turno do pleito de outubro, já seguro da nomeação a ministro da Justiça com poderes policialescos, divulgou a delação de Antonio Palocci?
Inescapável a conclusão, a partir da ideia plausível de que nem todos os fardados sejam golpistas e entreguistas. Pelo contrário, é aceitável supor, por exemplo, que na Marinha haja quem encare com imenso pesar o encerramento do projeto do submarino atômico, ou a liquidação da Amazônia Azul, ou a venda do pré-sal às grandes irmãs do petróleo.
Digamos que Villas Bôas tema uma fratura dentro das Forças Armadas e leve em conta diferenças tradicionais entre as três Armas. Sobra a aterradora verdade factual: na caserna continua a haver espaço para golpistas intemeratos, sempre prontos a descumprir seus deveres constitucionais para ditar o futuro do País.
Este aspecto da crise inesgotável (ideológica, política, econômica, cultural, social, moral) nos devolve ao momento em que a República brasileira nasce de um golpe militar. Na França, em 1789, resultou da Revolução, cujos valores e princípios nunca alcançaram o Brasil. Recordo como se deu na Itália, no imediato Pós-Guerra, quando vivi conscientemente aquele momento.
A monarquia, ré por ter-se sujeitado ao fascismo, foi varrida em 1946 por um plebiscito popular orientado pelo legado da resistência, ao cabo de uma revolução intestina que ensanguentou a Itália a partir do final de 1943.
A transformação de países monárquicos em republicanos sempre produziu efeitos benéficos e os aproximou da democracia, quando não a garantiu. No Brasil gerou de saída a dominação do café com leite e fez das Forças Armadas fiel da balança do poder.
Agora pergunto aos meus contristados botões por que tantos militares, fardados e de pijama, ainda acreditam na anacrônica tocaia comunista e enxergam em Lula o imperdoável vilão?
Não foram maltratados pelos governos petistas, e sim sempre respeitados e atendidos em suas demandas. Talvez se trate de leitores, ouvintes e telespectadores da mídia nativa, respondem os botões, soturnos. Talvez...
Certo é que o comportamento desses militares confirma a singularidade do Brasil, país único no seu distanciamento nem digo da democracia, da civilidade, incapaz de perceber sonambulicamente a sua medievalidade, a sua generalizada carência mental, os efeitos trágicos da desigualdade monstruosa.
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