Charge: Rico |
O presidente eleito já deixou claro que seguirá à risca os passos de Trump na estratégia de enfrentamento da imprensa. Além de vetar a presença de determinados jornalistas em sua primeira entrevista coletiva como presidente eleito, Bolsonaro também tentou proibir a entrada de jornalista no plenário do Congresso para a comemoração dos 30 anos da Constituição Federal.
Além disso, tem ficado claro o uso de uma tática para desmoralizar a imprensa: pessoas ligadas a Bolsonaro vazam informações para jornalistas, que são publicadas. Logo em seguida, bolsonaristas negam tudo, sempre em tom de deboche, colocando dúvidas sobre a confiabilidade da imprensa. Bolsonaro passará o mandato jogando essas cascas de bananas no caminho do jornalismo.
Todas as críticas contra Bolsonaro já estão com um antídoto preparado. A teoria, difundida com sucesso, é a de que a imprensa é formada quase que completamente por esquerdistas que fabricam mentiras para prejudicar o presidente de extrema-direita. A fórmula bem-sucedida da eleição permanecerá nos próximos quatro anos. O bolsonarismo investirá pesado na manipulação da opinião pública, pautando os debates centrais e colocando toda e qualquer crítica ou denúncia no mesmo saco da “mídia esquerdista”.
Mas Bolsonaro tem uma imprensa pra chamar de sua. Nessa semana, ele recomendou nas redes sociais uma lista de canais de informação no YouTube que são de sua confiança.
Escrevi um pouco a respeito de cada uma dessas “excelentes opções de informação”. Tenho certeza que você não vai se surpreender nem um pouco com a credibilidade desses canais.
Embaixada da Resistência e Tradutores de Direita
Esses canais são comandados por pessoas anônimas e basicamente colocam legendas em português em vídeos estrangeiros, a maioria deles com conteúdo reacionário dos EUA. Muitos desses vídeos são programas da Fox News ou produzidos pela militância pró-Trump. Há também alguns vídeos de Bolsonaro legendados em inglês. O canal fornece poucas informações - às vezes, nenhuma - sobre os vídeos e não costuma colocar a fonte.
Em um vídeo publicado pela Embaixada da Resistência, Patrick Moore aparece dizendo que as “alterações climáticas são um embuste”. O canal informa ao visitante apenas que Moore é um “fundador do Greenpeace”, mas omite o fato de que hoje ele trabalha como lobista da indústria dos agrotóxicos, da indústria nuclear e do petróleo. Moore é pago para defender que o aquecimento global é uma farsa.
Ambos os canais traduzem muitos vídeos do Infowars, principalmente os estrelados pelo editor-geral do site, Paul Joseph Watson. O Infowars talvez seja a maior fábrica virtual de fake news do mundo. Seguem algumas das mentiras publicadas por esse veículo: o show de Lady Gaga no Super Bowl foi um ritual satânico disfarçado; Bill Gates tinha um plano secreto para implantar um sistema de eugenia nos EUA aos moldes de Hitler; o furacão Sandy foi fabricado por Obama; Hillary Clinton comandava uma rede de pedofilia que funcionava nos fundos de uma pizzaria; o massacre de Sandy Hook nunca existiu, as 20 crianças assassinadas eram atores mirins.
Diego Rox
Com quase 1 milhão de seguidores no YouTube, o jovem Diego se tornou um dos principais youtubers do conservadorismo de direita. Mas, até quatro anos atrás, Diego buscava a fama como MC de funk ostentação, cujas letras envergonhariam a família tradicional brasileira que hoje ele defende com fervor. Hoje, Diego é um neocon brasileiro que funciona basicamente como um papagaio das ideias de Olavo de Carvalho.
Rox acredita, por exemplo, na existência da Ursal, que ficou famoso nos delírios de Cabo Daciolo, mas que não passa de mais uma teoria da conspiração parida nas profundezas do reacionarismo digital brasileiro.
O youtuber fez campanha ostensiva para Bolsonaro em seu canal durante a eleição. Para ele, a denúncia do #LavaZap feita pela Folha de São Paulo - que originou uma investigação do TSE - foi “criminosa, ridícula, infantil e baseada em nada” e feita por “jornal de extrema-esquerda”. Para ele, quase nenhum jornalista presta, já que “as universidade estão formando doentes esquerdopatas”. Durante a campanha eleitoral, Diego chamou Boulos de “terrorista” e fez com que Boulos conseguisse uma liminar junto ao TSE para retirar o vídeo.
Como todo o bom reacionário, Rox gosta de jogar a carta da pedofilia e travar um falso debate. “Não há limites para os planos satânicos desses monstros”, diz o youtuber sobre os planos dos globalistas para defender a pedofilia em todos os cantos do mundo. Os globalistas seriam um conluio entre “George Soros, Rockfeller, família Gates, Ford e ONU” para implantar a “agenda gayzista, feminista, abortista e pregar racismo onde não há racismo”. Ele chama um estudo da OMS, ligada à ONU, que considera a pedofilia como um transtorno sexual, de “estudo de merda”. Para tentar desacreditar o estudo, Diego cita casos reais de crimes sexuais praticados por soldados e funcionários da ONU e decreta “a ONU é uma organização criminosa”.
O youtuber recomendado pelo presidente eleito acredita também que “o Brasil não é capitalista, mas um país socialista com cartão de crédito” e que “a agenda macabra do PSOL nada mais é do que a agenda da ONU.”
Bernardo Küster
Tem 30 anos e gosta de se apresentar como jornalista católico. Como católico, acredita que o Papa Francisco tem uma “posição permissiva em relação aos papas anteriores”. É um crítico feroz da Teologia da Libertação e está produzindo um documentário sobre o assunto.
Bernardo costuma reproduzir notícias de canais neocons americanos, como a que afirma categoricamente que “o parlamento francês legalizou oficialmente a pedofilia”. Ele inicia um dos seus vídeos dizendo que há um grande complô da imprensa nacional para abafar o assunto: “A notícia que eu tenho pra dar pra você nesse vídeo é bastante triste. Você não viu na Globo, na Record, na Band, em nenhum grande site de notícia. Depois da França legalizar o aborto, ser tomada por uma migração sem critério, ter a violência aumentada…agora é a vez da pedofilia ser legalizada”, afirma o youtuber indignado.
Desnecessário dizer que se trata de mais uma retumbante mentira.
Reproduzindo o modus operandi eleitoral de Bolsonaro, sempre apontando o dedo para fantasmas imaginários, Küster assusta sua audiência com a possibilidade da legalização da pedofilia chegar ao país: “A gente já sabe que isso tá vindo para o Brasil”.
Em um vídeo em que debocha das opiniões de Drauzio Varella e da ciência, Küster afirmar que “os cientistas de hoje não entendem nada” e fazem as pessoas acreditarem em “mentirinhas” como o evolucionismo e o aquecimento global. Como se vê, não foi à toa que Bolsonaro atestou a confiabilidade desse canal.
Olavo de Carvalho
O arquiteto do bolsonarismo e dispensa maiores apresentações. É hoje o pensador brasileiro mais popular da internet e suas ideias servem de base intelectual para o reacionarismo mais chucro do país. Sem dúvida nenhuma, é a estrela-guia dos demais youtubers recomendados na lista de Bolsonaro. Sem Olavo nada do que está acontecendo no Brasil seria possível. Todas as teorias conspiratórias do reacionarismo nasceram ou se popularizaram no Brasil através dos seus vídeos no YouTube.
Foi Olavo, por exemplo, um dos responsáveis por popularizar o boato da Ursal, que, nas palavras dele, trata-se de um “órgão do Foro de São Paulo”. Só isso já seria motivo para chacota, mas há muito mais.
O guru do Bolsonarismo tem grande aversão à ciência moderna. Para ele, “a cultura científica moderna é baseada em falsificações históricas e científicas absolutamente monstruosas” e o “evolucionismo foi pai do comunismo e do nazismo”.
Olavo acredita que Albert Einstein foi um farsante que inventou a teoria da relatividade só pra não admitir que a Terra é imóvel e “não gira em torno do sol”. Isaac Newton? Seria portador de uma “uma burrice formidável”. Galileu? Não passou de um charlatão protegido pelo Papa.
Ele também afirma com muita convicção que cigarro não faz mal à saúde e que combustíveis fósseis não existem. Todas essas constatações científicas seriam obra dos globalistas para impor sua agenda ao mundo. Para Olavo, a Globo é a grande responsável pela disseminação do marxismo cultural no país.
Ficou famoso o vídeo em que ele reproduz um dos boatos mais esdrúxulos já fabricados na internet. A Pepsi, segundo ele, adoçava seus refrigerantes com células de fetos humanos abortados. “Quem bebe Pepsi é um abortista terceirizado”, afirmou o farol intelectual do bolsonarismo.
Nando Moura
Metaleiro, católico e conservador, Nando é o youtuber mais popular da lista de recomendações de Bolsonaro e conta com quase 3 milhões de seguidores no YouTube. Costuma arranjar tretas com outras estrelas das redes sociais e falar muitos palavrões, mimetizando o seu guru Olavo de Carvalho.
Para Nando Moura, o “conservadorismo não é uma ideologia”, o nazismo foi um sistema de governo de esquerda e o aquecimento global é uma farsa. Ele já entrevistou duas vezes Jair Bolsonaro para seu canal. Entrevistou também o professor de geografia Ricardo Felício, um negacionista do aquecimento global, que se candidatou (e perdeu) a uma vaga na Câmara pelo partido de Bolsonaro.
Quando Dilma sofreu impeachment, Nando publicou um vídeo intitulado “A PUTA VERMELHA CAIU!!! #TCHAUQUERIDA”, em que aparece assistindo à votação e xingando esquerdistas. “Colocaram essa puta lá, agora ela está saindo, seus filhos da puta. Chora, seus filhos da puta”, esperneou Nando Moura.
Bom, são esses os veículos de informação que o nosso presidente eleito recomenda confiáveis. Desejo boa sorte a todos nós a partir de 2019. Mamadeira de piroca vai ser fichinha perto do que está por vir.
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