Por Altamiro Borges
Em maio passado, durante o 6º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que coordenava a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação (Frentecom) da Câmara Federal, denunciou o “jornalismo de guerra” praticado pela mídia monopolista e golpista. Compartilhando a mesa com a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, e com a coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, ele argumentou que a escandalização da política, sempre feita de forma seletiva e manipuladora, estava ajudando a criar um clima de intolerância e de ódio na sociedade. Ele estava bastante preocupado com a onda de fascistização da sociedade e já temia pelo pior nas eleições presidenciais de outubro.
Durante o evento, ocorrido no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, Jean Wyllys já andava escoltado por agentes da Polícia Federal. Sem destratar os policiais e sempre com seu largo sorriso no rosto, ele não escondia o seu incômodo. “Vivo em uma espécie de cárcere privado, sem ter cometido crime. Não posso ir aos locais que gosto, vivo preso”, disse-me na ocasião. Voltei a falar com ele durante a campanha eleitoral. A cada encontro, ele me parecia mais tenso. Um dia após a eleição, liguei para cumprimentá-lo. Jean Wyllys me relatou que a campanha foi muito difícil, cheia de obstáculos. O pior foi o clima de terror. As ameaças atingiram o ápice. Ele não pôde ir aos comícios, passeatas e outros atos da campanha. Corria risco de ser agredido ou assassinado.
Agora, o combativo e afetuoso Jean Wyllys anuncia que não assumirá seu terceiro mandato de deputado federal e que deixará o Brasil. Triste, muito triste. Mas totalmente compreensível. No país das trevas, hoje dominado pelas milícias bolsonaristas a serviço da cloaca empresarial, ele estava correndo sérios riscos. Não há o que comentar sobre sua decisão. Apenas reproduzo as opiniões deste lutador apresentadas à direção do seu partido. Mais cedo do que tarde, Jean Wyllys voltará ao país com toda a sua energia, criatividade, generosidade e seu enorme sorriso.
*****
À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade - PSol
Queridas companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.
Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.
Não deixo o cargo de maneira irrefletida.
Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado.
Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano.
Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.
Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.
Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país.
São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano.
Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha.
Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Esta semana, em que tive convicção de que não poderia - para minha saúde física e emocional e de minha família - continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco.
Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT.
Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.
Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida.
O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país.
E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer.
Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.
Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!
Jean Wyllys
23 de janeiro de 2019
Em maio passado, durante o 6º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que coordenava a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação (Frentecom) da Câmara Federal, denunciou o “jornalismo de guerra” praticado pela mídia monopolista e golpista. Compartilhando a mesa com a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, e com a coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, ele argumentou que a escandalização da política, sempre feita de forma seletiva e manipuladora, estava ajudando a criar um clima de intolerância e de ódio na sociedade. Ele estava bastante preocupado com a onda de fascistização da sociedade e já temia pelo pior nas eleições presidenciais de outubro.
Durante o evento, ocorrido no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, Jean Wyllys já andava escoltado por agentes da Polícia Federal. Sem destratar os policiais e sempre com seu largo sorriso no rosto, ele não escondia o seu incômodo. “Vivo em uma espécie de cárcere privado, sem ter cometido crime. Não posso ir aos locais que gosto, vivo preso”, disse-me na ocasião. Voltei a falar com ele durante a campanha eleitoral. A cada encontro, ele me parecia mais tenso. Um dia após a eleição, liguei para cumprimentá-lo. Jean Wyllys me relatou que a campanha foi muito difícil, cheia de obstáculos. O pior foi o clima de terror. As ameaças atingiram o ápice. Ele não pôde ir aos comícios, passeatas e outros atos da campanha. Corria risco de ser agredido ou assassinado.
Agora, o combativo e afetuoso Jean Wyllys anuncia que não assumirá seu terceiro mandato de deputado federal e que deixará o Brasil. Triste, muito triste. Mas totalmente compreensível. No país das trevas, hoje dominado pelas milícias bolsonaristas a serviço da cloaca empresarial, ele estava correndo sérios riscos. Não há o que comentar sobre sua decisão. Apenas reproduzo as opiniões deste lutador apresentadas à direção do seu partido. Mais cedo do que tarde, Jean Wyllys voltará ao país com toda a sua energia, criatividade, generosidade e seu enorme sorriso.
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À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade - PSol
Queridas companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.
Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.
Não deixo o cargo de maneira irrefletida.
Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado.
Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano.
Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.
Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.
Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país.
São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano.
Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha.
Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Esta semana, em que tive convicção de que não poderia - para minha saúde física e emocional e de minha família - continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco.
Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT.
Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.
Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida.
O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país.
E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer.
Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.
Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!
Jean Wyllys
23 de janeiro de 2019
1 comentários:
Vamos ver onde ele vai se refugiar . ..
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