Por Soraya Misleh, na revista CartaCapital:
Além do repúdio veemente a ambos acontecimentos – a ofensiva israelense que prenuncia novo massacre e a apologia ao golpe –, é importante desvendar que Israel e a ditadura no Brasil têm conexão histórica. Esse é um capítulo ainda oculto nas páginas infelizes de nossa história.
O Estado de Israel forneceu armas e treinamento aos agentes da ditadura, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Documentos indicam que a negociação incluía desde sistemas de inteligência e comunicação a navios e mesmo helicópteros militares.
É o que revela o advogado israelense e ativista de direitos humanos Eitay Mack em artigo publicado no blog+972 Magazine.
Segundo ele, a Embaixada de Israel apresentou um documento saudando a agilidade no planejamento e implementação do golpe, logo em 1° de abril de 1964. Conforme a visão expressa no ofício, “liderou, por 24 horas, não apenas a queda de Goulart (o presidente na época), mas também a supressão de todos os elementos esquerdistas […] O Brasil está hoje em um estado de transição que pode ser definido como uma ditadura militar com um verniz parlamentar”.
Mack relata ainda que pouco tempo depois, em 16 de junho de 1965, Aryeh Eshel, diretor de Assuntos Latino-americanos do Ministério de Relações Exteriores de Israel, escreveu que esperava “que o regime atual no Brasil” perdurasse. O ativista destaca que documentos do mesmo órgão nos arquivos oficiais sionistas revelam as pretensões de Israel ao apoiar a ditadura.
Além da venda de armas – os militares brasileiros portavam, por exemplo, submetralhadoras Uzi –, “diplomatas israelenses no Brasil concentraram seus esforços na hasbara [relações públicas]”. A propaganda localizava o Estado sionista como parceiro na luta contra o “terrorismo global”. Entre as falsas ideias nessa direção, a de que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) estaria envolvida no treinamento de grupos guerrilheiros no Brasil. Israel também realizou “repetidas conversações sobre a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém” – como se vê no momento atual, com Bolsonaro, desde a campanha eleitoral.
Outro aspecto oculto, denunciado por Mack em seu artigo, é que apenas quatro meses após o golpe militar, o Brasil firmou seu primeiro pacto nuclear com Israel, o qual enviava cientistas para atuarem em território nacional. Acordos complementares foram assinados em 1966, 1967 e 1974. Em 1975 essa cooperação enfrentou um declínio, “em parte devido ao desejo do regime brasileiro de minimizar suas relações com Israel”.
O que teria sido motivado por um “desapontamento” da ditadura com “o tipo de assistência que propusemos, que não era exatamente o que procuravam” – sua alegação é que o Estado sionista teria vazado informações sobre uma tentativa do Brasil de vender equipamentos nucleares e urânio ao Iraque, ainda conforme Mack. Estremecidas as relações, no mesmo ano o Brasil votou a favor da Resolução 3.379 da Assembleia Geral das Nações Unidas que considerava o sionismo como “uma forma de racismo e discriminação racial” – a qual foi anulada em 1991.
Em telegrama de 28 de maio de 1975, também de acordo com o ativista, o embaixador de Israel à época observou que “o objetivo do Brasil em seus laços com os países do Oriente Médio é totalmente pragmático e se concentra em promover os interesses econômicos, comerciais e financeiros necessários definidos pelo presidente. Precisam cultivar laços com os países árabes, especialmente com os produtores de petróleo”.
Há outro ponto que merece ser rememorado – no sentido correto – neste momento: a causa palestina, por princípio, se comunga com todas as lutas por justiça e assim foi tratada por aqueles que se enfrentaram com a ditadura civil-militar no País e deram a vida por liberdades democráticas. Um símbolo da luta internacional contra a exploração e a opressão. Israel, de outro lado, tem se aliado e contribuído historicamente, por sua natureza colonial e racista, com regimes autoritários e sanguinários. Assim, não é de estranhar que quem faz apologia ao golpe levante sua bandeira.
O que teria sido motivado por um “desapontamento” da ditadura com “o tipo de assistência que propusemos, que não era exatamente o que procuravam” – sua alegação é que o Estado sionista teria vazado informações sobre uma tentativa do Brasil de vender equipamentos nucleares e urânio ao Iraque, ainda conforme Mack. Estremecidas as relações, no mesmo ano o Brasil votou a favor da Resolução 3.379 da Assembleia Geral das Nações Unidas que considerava o sionismo como “uma forma de racismo e discriminação racial” – a qual foi anulada em 1991.
Em telegrama de 28 de maio de 1975, também de acordo com o ativista, o embaixador de Israel à época observou que “o objetivo do Brasil em seus laços com os países do Oriente Médio é totalmente pragmático e se concentra em promover os interesses econômicos, comerciais e financeiros necessários definidos pelo presidente. Precisam cultivar laços com os países árabes, especialmente com os produtores de petróleo”.
Há outro ponto que merece ser rememorado – no sentido correto – neste momento: a causa palestina, por princípio, se comunga com todas as lutas por justiça e assim foi tratada por aqueles que se enfrentaram com a ditadura civil-militar no País e deram a vida por liberdades democráticas. Um símbolo da luta internacional contra a exploração e a opressão. Israel, de outro lado, tem se aliado e contribuído historicamente, por sua natureza colonial e racista, com regimes autoritários e sanguinários. Assim, não é de estranhar que quem faz apologia ao golpe levante sua bandeira.
Cumplicidade sem máscaras
Sob o Governo Bolsonaro está ameaçado até mesmo o “pragmatismo” que marca a política externa brasileira. Uma separação entre diplomacia e interesses econômicos – que, na prática, lamentavelmente transformou o País na porta de entrada da indústria armamentista israelense e o quinto maior importador de tecnologia militar israelense nos últimos 16 anos.
A submissão ao imperialismo estadunidense e a cumplicidade histórica com a ocupação sionista se explicitam e avançam. Em 25 de março Trump reconheceu a “soberania de Israel” sobre as sírias Colinas de Golã, ocupadas militarmente em 1967. Dias antes Bolsonaro se encontrou com ele na Casa Branca. Seguindo sua posição, o governo brasileiro votou na Comissão de Direitos Humanos da ONU contra o mínimo de condenar as violações de direitos humanos na ocupação de Golã e durante 2018 em Gaza.
A serviço da repressão e genocídio
Ainda, Bolsonaro assinou agora mais acordos com seu aliado sionista. Governos estaduais seguem hoje na mesma direção: adquirem tecnologias militares israelenses que servem à repressão, à criminalização de ativistas e movimentos sociais e, sobretudo, ao genocídio da população pobre, indígena e negra no Brasil.
Essas tecnologias são testadas sobre os palestinos cotidianamente. É o que se viu nos bombardeios massivos a Gaza em 2008-2009, em 2012, em 2014. É o que se vê agora, nos ataques aéreos e nas ofensivas semanais à estreita faixa. Também nos cárceres israelenses, em que presos políticos palestinos têm sofrido violência brutal e anunciam greve de fome para 1º de abril. Ou na expansão colonial que já dura mais de 70 anos (desde a Nakba, termo árabe que significa catástrofe, referência à criação do Estado de Israel mediante limpeza étnica planejada na Palestina).
A ocupação dá lucro e se sustenta com a cumplicidade de governos de todo o mundo: 70% das tecnologias militares israelenses desenvolvidas a partir de testes nas “cobaias” humanas palestinas destinam-se à exportação.
Rechaço do Brasil à Palestina
Sob ocupação, os palestinos realizaram protestos contra a visita de Bolsonaro. Ele chega num momento muito importante da resistência: há um ano teve início a Grande Marcha do Retorno em Gaza, em 30 de março. A data simboliza o Dia da Terra para os palestinos e é lembrada mundialmente desde um massacre israelense na Galileia, em 1976, quando os habitantes – que integram a minoria de remanescentes nos antigos territórios de 1948 – protestavam contra a expansão colonial e anexação de terras. A repressão foi violenta, atingindo de forma indiscriminada homens, mulheres e crianças. Como resultado, seis palestinos foram assassinados e centenas deles ficaram feridos ou foram presos.
A Grande Marcha do Retorno em Gaza ocorre todas as sextas-feiras, semanalmente. Reivindica o fim do cerco desumano à estreita faixa, que já dura 12 anos, e o retorno dos milhões de refugiados às suas terras. As manifestações são reprimidas violentamente por Israel. O saldo até o momento é de cerca de 270 mortos e mais de 30 mil feridos.
Neste 30 de março, milhares de palestinos protestaram. Israel, além dos bombardeios nesta semana, posicionou forças militares ao longo da barreira imposta à Gaza. A repressão matou quatro jovens palestinos e feriu 244. Às vésperas das eleições sionistas, o prenúncio de novos massacres – como uma piada de mau gosto, o pleito ocorre em 9 de abril, dia em que se lembra o massacre na aldeia palestina de Deir Yassin em 1948, um dos mais conhecidos durante a Nakba.
A falácia de “defesa do Estado” – em território ocupado – serve como propaganda em pleito no qual se mostra cada vez mais a verdadeira face de Israel.
A ministra da Justiça e candidata Ayelet Shaked, sem nenhum constrangimento, chocou o mundo ao fazer apologia ao fascismo. Enquanto o sionismo de esquerda promoveu e arquitetou ao longo da história a limpeza étnica, mas sempre buscou uma retórica mais palatável ao mundo, a ultradireita é explícita. Assim como Bolsonaro.
À denúncia dessa aliança explícita, é urgente fortalecer o chamado à campanha central de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) a Israel, em todo o mundo. Bolsonaro e Israel não, Palestina livre sim. Em solidariedade e em honra à memória dos que lutaram contra a ditadura, daqueles torturados e assassinados também com a cumplicidade sionista, abraçar essa causa da humanidade é questão de princípio.
0 comentários:
Postar um comentário