quinta-feira, 4 de abril de 2019

Paulo Guedes e a retórica salvacionista

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

A retórica do fim do mundo & eu tenho a salvação hoje em dia é tradicional entre economistas. Nos últimos anos, foi incorporada também por procuradores salvacionistas. Dia desses, um deles ousou afirmar que a economia está estagnada porque houve uma redução no combate à corrupção – desrespeitando qualquer relação de causalidade, ainda mais de um modelo que destruiu a engenharia nacional.

Todo ano, como ferramenta de retórica, o Ministro da Fazenda promete o céu para o ano que vem, sempre para o ano que vem, seja ele Pedro Malan, Antonio Palocci, Guido Mantega, Joaquim Levy ou Henrique Meirelles. Mas, saliente-se em defesa dos citados, nenhum deles tem a irresponsabilidade de Paulo Guedes, de destruir os fundamentos da economia por razoes cegamente ideológicas.

Na gestão de Michel Temer garantia-se que, se acabassem com os direitos trabalhistas, haveria aumento do emprego. Não só não houve como aumentou a informalidade e, com ela, os riscos para o financiamento da Previdência.

Com Paulo Guedes a irresponsabilidade vai ao extremo, fundada na incapacidade da mídia de denunciar as promessas vãs e as propostas inconsequentes. Basta um mínimo de conhecimento dos grandes números para constatar que a criação da previdência capitalizada significará o fim da previdência pública. Se a Previdência é deficitária, como supor que desviando parte da arrecadação para a capitalização, vai ser possível manter o seu funcionamento?

Saliente-se que sustentabilidade da Previdência é tema de primeira grandeza, necessitando periodicamente de ajustes visando sempre o médio e longo prazo. E exige também honestidade na apresentação dos números, para separar privilégios dos direitos.

Agem como os CEOs genéricos, com visão estritamente financeira, sem conhecimento do próprio negócio.

A economia está estagnada desde 2016, depois do tombo de 2015. E Guedes não dispõe de uma estratégia sequer para recuperar a economia.

Por exemplo, o governo Dilma criou o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). O programa estava fundado na estrutura do Sesi, Senac e instituições equivalentes das demais confederações de empresas. Evidentemente que há desperdício nos recursos do sistema S. Mas a parte mais virtuosa é a destinada a essas estruturas.

Como, agora, tudo no Brasil é refundação, segundo o secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, decidiu-se refundar o Pronatec.

Em vez dos cursos gratuitos oferecidos pelo sistema S, haverá, agora, os “vouchers”, vales que serão fornecidos para empresas e trabalhadores investirem na qualificação profissional em cursos pagos.

O argumento é que estudos na Controladoria Geral da União (CGU) comprovaram que apenas um em cada dez alunos do Pronatec conseguia se empregar. Ou seja, com mais de 13 milhões de desempregados, com a economia afundada há cinco anos, ficou-se na análise monofásica de atribuir ao Pronatec a baixa empregabilidade de seus alunos. Como se o Pronatec fosse uma tenda de milagres.

O primeiro passo será substituir uma rede já existente e em funcionamento, por outra, que não existe: cursos privados que se cadastrarão para receber as matrículas. Quem vai selecionar ou fiscalizar esses cursos? Não pergunte ao Guedes. Quem fiscalizava o Pronatec era o Ministério do Trabalho, que foi extinto, e o sistema estava ancorado nos pilares das Confederações empresariais.

Cada curso desse será avaliado pelo número de alunos que conseguir emprego. A principal base de dados de empregos, o Caged, não tem mais relevância, depois que as mudanças na legislação trabalhista desestimularam o emprego formal.

Para dar foco ao programa, o governo “vai ouvir a demanda específica de vaga, invertendo a lógica que existe nos programas antigos”. Não lhes indague de que maneira ouvirão a “demanda específica de vaga”. Uma das características desse tipo de embromation é sempre dizer “o que fazer” e não ter a menor ideia do “como fazer”.

Em cima desses devaneios, Guedes enfiará recursos do sistema S, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Finalmente, o raciocínio é fechado com a palavra preferida dos cabeças de planilha: o “se”.

“Se” houver aumento de vagas, o governo reduzirá as despesas do FAT com o seguro-desemprego. E “se” não houver recuperação da economia e aumento de vagas, Guedes terá que voltar às suas funções no mercado financeiro, de onde nunca deveria ter saído.

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