terça-feira, 4 de junho de 2019

Neymar Jr e a presunção da inocência

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Num país onde 34% da população carcerária é formada por cidadãos presos sem sentença judicial, convém tomar cautelas redobradas diante da acusação de estupro contra o Neymar Jr.

Com todos os defeitos que se possa apontar no comportamento de Neymar Jr, dentro e fora do campo, não se trata, aqui, de promover um juízo de caráter ou de formação moral.

Ele deverá ser condenado ou absolvido com base em fatos e provas - num caso ainda nebuloso, em fase rudimentar de investigação, que ainda apresenta contradições e incoerências.

Neste momento, não se pode negar a Neymar Jr o direito à presunção da inocência. Trata-se de uma conquista essencial da evolução humana, garantia da dignidade da pessoa contra abusos do Estado e preconceitos que circulam pela sociedade, prevista no inciso LVII do artigo 5o. da Constituição brasileira, tão atual na presente conjuntura.

Num país onde a pena de morte foi suspensa -- para pessoas brancas -- por Pedro II depois que se comprovou que um erro judiciário levara um fazendeiro do Vale do Paraíba à forca, é prudente recordar que o pré-julgamento é uma risco frequente em nossa vida social.

Está nas páginas da mídia, no mau jornalismo policialesco da TV -- fábrica dos permanentes assassinatos de reputação que só agravam nossa percepção sobre a raça humana.

Em função de uma desigualdade de natureza histórica, prender e condenar brasileiros pobres, de preferencia negros, é um exercício fácil.

O país já possui a terceira população carcerária do mundo, atrás de China e Russia. Nossa taxa de prisioneiros era de 302 para cada 100 mil habitantes em 2014. Subiu para 352 em 2016.

Entre mais de 700 000 encarcerados, 64% são negros e perto de 40% cumprem pena sem julgamento, mofando por anos a fio, como animais em celas infectas, num ambiente sem segurança e permanente risco de violência.

Pela fortuna que acumulou, pelo prestígio que possui, Neymar Jr está longe de enfrentar essa condição. Sabemos que não se trata de uma personalidade que faz unanimidade entre os brasileiros.

Nunca vi de sua parte uma mensagem social relevante, nem um gesto de genuína solidariedade à maioria que sofre.

Nem por isso deve ter menos direitos do que os 207 milhões de brasileiros.

Como ensinou Isaiah Berlim, um bom pensador do século XX, os bons princípios são aqueles que defendemos contra nossos interesses e simpatias.

Alguma dúvida?

1 comentários:

Anônimo disse...

Mas a mídia já condenou de antemão a provável vítima: a mulher!