Por Paulo Kliass, no site Outras Palavras:
O início de agosto marca a retomada do processo de tramitação da “Reforma” da Previdência no Congresso. A Câmara dos Deputados havia votado uma versão mais desidratada da PEC 06 original, tal como arquitetada por Paulo Guedes com seus requintes de maldade extrema. Em 12 de julho o plenário aprovou o texto substitutivo em primeiro turno. A intenção do presidente Rodrigo Maia, que se empenhou pessoalmente para assegurar que a matéria fosse vitoriosa, é retomar a votação do segundo turno já a partir de 6 de agosto.
Apesar das mudanças importantes na maldosa proposta emanada do ministério da Economia, o fato relevante é que o substitutivo aprovado até o momento contém elementos de extrema perversidade contra a população de renda mais baixa. Permanece a interpretação equivocada de que o problema fiscal seria causado por excesso de gastos previdenciários. Mentira! Todos sabemos que o descompasso entre receitas e despesas no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) tem sua explicação no longo processo recessivo que atravessa a economia brasileira desde 2015.
O governo e os meios de comunicação tradicionais seguem manipulando de forma escancarada as informações e procuram enganar a opinião pública a respeito da urgência de uma “reforma” redutora de direitos. Tratam-na como se a mesma fosse a pré-condição essencial para que o Brasil retomasse o caminho do crescimento. Ora, o modelo de financiamento de nossa previdência social está baseado na folha de salários, no nível de emprego. Com a queda contínua e abrupta da atividade econômica levada a cabo pelo austericídio, o desemprego atingiu os atuais níveis alarmantes de 13 milhões de pessoas. Além disso, há outras dezenas de milhões na informalidade ou subaproveitados. Resumo da ópera: caiu drasticamente o potencial arrecadador das contribuições previdenciárias. Como as despesas felizmente se mantêm como antes, uma vez as pessoas continuam recebendo os benefícios, surge então uma compreensível necessidade de financiamento.
Fagnani denuncia: debate desonesto
Como o economista e professor Eduardo Fagnani vem nos alertando há muito tempo, trata-se de um debate desonesto. Incansável estudioso da questão da seguridade e da previdência social, ele tem se destacado ao longo dos últimos anos por articular um time de especialistas no assunto que estamos fazendo um esforço para esclarecer a confusão provocada pelo campo do financismo. Autor de diversos trabalhos sobre o tema, Fagnani está lançando um novo livro – “Previdência: o debate desonesto”. Como sempre, trata-se de uma obra com característica militante, uma vez que o debate colocado pelo governo não tem nada de acadêmico. Muito pelo contrário – Paulo Guedes e sua equipe não têm o menor respeito para com a verdade e a ética. Assim, o subtítulo deixa clara a intenção do autor: “Subsídios para a ação social e parlamentar: pontos inaceitáveis da Reforma de Bolsonaro”.
Não por acaso o lançamento do livro ocorrerá na mesma semana em que a Câmara dos Deputados inicia o debate do segundo turno da Reforma. Tampouco é mera coincidência que o evento se dê no interior de uma casa legislativa, a Assembleia de São Paulo. Fagnani está com uma maratona de eventos pelo País afora, com o intuito de divulgar sua obra e denunciar os malefícios da reforma atual. No dia 15 de agosto, por exemplo, estará em Brasília, em evento organizado no próprio Senado Federal.
Naquela casa do Congresso Nacional espera-se que a tramitação da PEC cumpra um novo circuito de discussão. O objetivo das forças progressistas deve ser desmentir o título do livro. Ou seja, devemos trazer luz e oxigênio para o debate, de modo a que ele deixe de ser desonesto. Apesar de o governo ter gasto uma fortuna com propaganda institucional cara e mentirosa nos meios de comunicação comerciais, o fato é que podemos começar uma nova rodada de palestras e explicações no Senado Federal.
Como as atrocidades mais catastróficas já foram retiradas na Câmara dos Deputados, agora as centrais sindicais, as associações de servidores públicos e as demais entidades envolvidas terão mais tempo para esclarecer as maldades ainda presentes na versão atual. O foco continua a ser a opção pelo corte de direitos previdenciários. Ao evitar o caminho da busca de maiores receitas, o texto permanece na lógica de redução de despesas. Isso significa aumentar as idades mínimas para se pleitear o benefício previdenciário e a elevação também do tempo mínimo de contribuição. Com isso, o que se terá como resultado concreto é um grande retardamento das condições para que as pessoas passem a ter acesso à sua renda mensal por ter ingressado no período da chamada inatividade.
Reforma é regressiva e recessiva
Não fosse apenas por estes absurdos, o projeto também vai atrás da redução das possibilidades de pagamento de pensão aos dependentes de aposentado falecido. O texto propõe aumentos injustificáveis nas alíquotas de contribuição, beirando aquilo que os juristas qualificam como estado de “confisco”, tão altas são as deduções apartadas logo na fonte, na hora do pagamento em conta do beneficiário. Ainda na linha da redução de despesas, chega-se ao ponto de transferir determinadas obrigações do INSS para o seguro privado, em processo que todos sabemos a quem ajudará – bancos e instituições financeiras, em detrimento dos direitos dos cidadãos. Esse pode ser o destino dos benefícios devidos em casos de acidente de trabalho, doença, gravidez e outros.
Além disso, o texto abre uma série de brechas para o enorme risco da chamada “desconstitucionalização”. A intenção é retirar do texto constitucional um conjunto de dispositivos e regras, ainda que sem a definição das novas condições. No entanto, essa estratégia perversa oferece a possibilidade de que as mudanças sejam operacionalizadas em momentos mais à frente, mas apenas com a necessidade de projetos de lei ordinária ou complementar. Como estes requerem quórum bem mais reduzido para sua aprovação, um novo arsenal de maldades poderia ser acionado a qualquer momento no futuro, para dar continuidade à destruição de nosso modelo de previdência social com menor chance de resistência.
Apesar de manter a linha de que a “nova” previdência vem para eliminar os “privilégios”, o discurso do establishment não consegue oferecer nenhum caso concreto para exemplificar essa mentira. Isso porque, como dissemos, a desonestidade impera. Os verdadeiros privilegiados de nossa sociedade seguem intocáveis. Eles não são beneficiários do INSS, cuja grande maioria recebe até 2 salários mínimos por mês. Tampouco são servidores públicos, pois apesar de apresentarem um valor de aposentadoria mais elevada do que o RGPS, estes contribuem com alíquotas para fazer jus ao benefício.
Se o governo quisesse mesmo atingir os privilégios teria de mirar no topo de nossa pirâmide da desigualdade. O projeto deveria buscar mecanismos para fazer com que o 0,5% ou 1% mais ricos oferecessem um mínimo de sua inexistente cota de sacrifício para superar as dificuldades atuais. São pessoas e famílias que vivem às custas de aplicações financeiras e outros tipos de rendimentos do mundo parasita, mas que são generosamente deixadas à margem de tributação. É o caso, por exemplo, da isenção de lucros e dividendos ou da isenção oferecida às rendas associadas aos planos individuais de previdência privada aberta.
O jogo de volta está apenas começando agora em agosto. O desejo latente e pulverizado de repúdio as essas medidas precisa se articular e demonstrar sua vontade e capacidade de luta. As manifestações do dia 13 de agosto podem servir como um termômetro. UNE, UBES, CNTE, ANDES e demais entidades da comunidade da educação está conclamando o “tsunami da educação”. Na mira, o projeto “Future-se” e o colapso das universidades provocado pela corte de verbas. As centrais sindicais também aderiram à jornada de luta, colocando em evidência a luta contra a Reforma da Previdência.
Engrossemos, pois, o recado das ruas. Esse é o caminho para sensibilizar os parlamentares e evitarmos a aprovação destes desastres pelo Congresso Nacional.
O início de agosto marca a retomada do processo de tramitação da “Reforma” da Previdência no Congresso. A Câmara dos Deputados havia votado uma versão mais desidratada da PEC 06 original, tal como arquitetada por Paulo Guedes com seus requintes de maldade extrema. Em 12 de julho o plenário aprovou o texto substitutivo em primeiro turno. A intenção do presidente Rodrigo Maia, que se empenhou pessoalmente para assegurar que a matéria fosse vitoriosa, é retomar a votação do segundo turno já a partir de 6 de agosto.
Apesar das mudanças importantes na maldosa proposta emanada do ministério da Economia, o fato relevante é que o substitutivo aprovado até o momento contém elementos de extrema perversidade contra a população de renda mais baixa. Permanece a interpretação equivocada de que o problema fiscal seria causado por excesso de gastos previdenciários. Mentira! Todos sabemos que o descompasso entre receitas e despesas no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) tem sua explicação no longo processo recessivo que atravessa a economia brasileira desde 2015.
O governo e os meios de comunicação tradicionais seguem manipulando de forma escancarada as informações e procuram enganar a opinião pública a respeito da urgência de uma “reforma” redutora de direitos. Tratam-na como se a mesma fosse a pré-condição essencial para que o Brasil retomasse o caminho do crescimento. Ora, o modelo de financiamento de nossa previdência social está baseado na folha de salários, no nível de emprego. Com a queda contínua e abrupta da atividade econômica levada a cabo pelo austericídio, o desemprego atingiu os atuais níveis alarmantes de 13 milhões de pessoas. Além disso, há outras dezenas de milhões na informalidade ou subaproveitados. Resumo da ópera: caiu drasticamente o potencial arrecadador das contribuições previdenciárias. Como as despesas felizmente se mantêm como antes, uma vez as pessoas continuam recebendo os benefícios, surge então uma compreensível necessidade de financiamento.
Fagnani denuncia: debate desonesto
Como o economista e professor Eduardo Fagnani vem nos alertando há muito tempo, trata-se de um debate desonesto. Incansável estudioso da questão da seguridade e da previdência social, ele tem se destacado ao longo dos últimos anos por articular um time de especialistas no assunto que estamos fazendo um esforço para esclarecer a confusão provocada pelo campo do financismo. Autor de diversos trabalhos sobre o tema, Fagnani está lançando um novo livro – “Previdência: o debate desonesto”. Como sempre, trata-se de uma obra com característica militante, uma vez que o debate colocado pelo governo não tem nada de acadêmico. Muito pelo contrário – Paulo Guedes e sua equipe não têm o menor respeito para com a verdade e a ética. Assim, o subtítulo deixa clara a intenção do autor: “Subsídios para a ação social e parlamentar: pontos inaceitáveis da Reforma de Bolsonaro”.
Não por acaso o lançamento do livro ocorrerá na mesma semana em que a Câmara dos Deputados inicia o debate do segundo turno da Reforma. Tampouco é mera coincidência que o evento se dê no interior de uma casa legislativa, a Assembleia de São Paulo. Fagnani está com uma maratona de eventos pelo País afora, com o intuito de divulgar sua obra e denunciar os malefícios da reforma atual. No dia 15 de agosto, por exemplo, estará em Brasília, em evento organizado no próprio Senado Federal.
Naquela casa do Congresso Nacional espera-se que a tramitação da PEC cumpra um novo circuito de discussão. O objetivo das forças progressistas deve ser desmentir o título do livro. Ou seja, devemos trazer luz e oxigênio para o debate, de modo a que ele deixe de ser desonesto. Apesar de o governo ter gasto uma fortuna com propaganda institucional cara e mentirosa nos meios de comunicação comerciais, o fato é que podemos começar uma nova rodada de palestras e explicações no Senado Federal.
Como as atrocidades mais catastróficas já foram retiradas na Câmara dos Deputados, agora as centrais sindicais, as associações de servidores públicos e as demais entidades envolvidas terão mais tempo para esclarecer as maldades ainda presentes na versão atual. O foco continua a ser a opção pelo corte de direitos previdenciários. Ao evitar o caminho da busca de maiores receitas, o texto permanece na lógica de redução de despesas. Isso significa aumentar as idades mínimas para se pleitear o benefício previdenciário e a elevação também do tempo mínimo de contribuição. Com isso, o que se terá como resultado concreto é um grande retardamento das condições para que as pessoas passem a ter acesso à sua renda mensal por ter ingressado no período da chamada inatividade.
Reforma é regressiva e recessiva
Não fosse apenas por estes absurdos, o projeto também vai atrás da redução das possibilidades de pagamento de pensão aos dependentes de aposentado falecido. O texto propõe aumentos injustificáveis nas alíquotas de contribuição, beirando aquilo que os juristas qualificam como estado de “confisco”, tão altas são as deduções apartadas logo na fonte, na hora do pagamento em conta do beneficiário. Ainda na linha da redução de despesas, chega-se ao ponto de transferir determinadas obrigações do INSS para o seguro privado, em processo que todos sabemos a quem ajudará – bancos e instituições financeiras, em detrimento dos direitos dos cidadãos. Esse pode ser o destino dos benefícios devidos em casos de acidente de trabalho, doença, gravidez e outros.
Além disso, o texto abre uma série de brechas para o enorme risco da chamada “desconstitucionalização”. A intenção é retirar do texto constitucional um conjunto de dispositivos e regras, ainda que sem a definição das novas condições. No entanto, essa estratégia perversa oferece a possibilidade de que as mudanças sejam operacionalizadas em momentos mais à frente, mas apenas com a necessidade de projetos de lei ordinária ou complementar. Como estes requerem quórum bem mais reduzido para sua aprovação, um novo arsenal de maldades poderia ser acionado a qualquer momento no futuro, para dar continuidade à destruição de nosso modelo de previdência social com menor chance de resistência.
Apesar de manter a linha de que a “nova” previdência vem para eliminar os “privilégios”, o discurso do establishment não consegue oferecer nenhum caso concreto para exemplificar essa mentira. Isso porque, como dissemos, a desonestidade impera. Os verdadeiros privilegiados de nossa sociedade seguem intocáveis. Eles não são beneficiários do INSS, cuja grande maioria recebe até 2 salários mínimos por mês. Tampouco são servidores públicos, pois apesar de apresentarem um valor de aposentadoria mais elevada do que o RGPS, estes contribuem com alíquotas para fazer jus ao benefício.
Se o governo quisesse mesmo atingir os privilégios teria de mirar no topo de nossa pirâmide da desigualdade. O projeto deveria buscar mecanismos para fazer com que o 0,5% ou 1% mais ricos oferecessem um mínimo de sua inexistente cota de sacrifício para superar as dificuldades atuais. São pessoas e famílias que vivem às custas de aplicações financeiras e outros tipos de rendimentos do mundo parasita, mas que são generosamente deixadas à margem de tributação. É o caso, por exemplo, da isenção de lucros e dividendos ou da isenção oferecida às rendas associadas aos planos individuais de previdência privada aberta.
O jogo de volta está apenas começando agora em agosto. O desejo latente e pulverizado de repúdio as essas medidas precisa se articular e demonstrar sua vontade e capacidade de luta. As manifestações do dia 13 de agosto podem servir como um termômetro. UNE, UBES, CNTE, ANDES e demais entidades da comunidade da educação está conclamando o “tsunami da educação”. Na mira, o projeto “Future-se” e o colapso das universidades provocado pela corte de verbas. As centrais sindicais também aderiram à jornada de luta, colocando em evidência a luta contra a Reforma da Previdência.
Engrossemos, pois, o recado das ruas. Esse é o caminho para sensibilizar os parlamentares e evitarmos a aprovação destes desastres pelo Congresso Nacional.
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