Por Guilherme Boulos, na revista CartaCapital:
A Lava Jato vive a sua maior crise desde o seu início. As revelações do site The Intercept, em junho, abriram a porta. A operação acaba, porém, de sofrer seu revés mais importante, com a decisão do STF que assegura o direito de manifestação final da defesa após aquela dos delatores, tese que pode anular várias sentenças de Curitiba. A derrota foi acompanhada de requintes de desmoralização, com as inacreditáveis declarações do ex-PGR Rodrigo Janot que colocaram em xeque o equilíbrio do então chefe das investigações.
Pouco tempo atrás, quem ousasse criticar a Lava Jato era rapidamente associado à defesa da corrupção e tratado como inimigo do País. Com imprescindível apoio de parte significativa da mídia, procuradores e, em especial, Sérgio Moro foram transformados em heróis. Acima do bem e do mal, a operação era tratada como a redenção dos problemas nacionais. Como todo poder inquestionável, criou condições para o arbítrio e sucessivas ilegalidades. Ninguém estaria acima da lei, exceto os xerifes curitibanos.
Não era necessário ter acesso às conversas entre seus integrantes para saber que a atuação da Lava Jato passava longe da isenção. A espetacularização das ações e o uso político de vazamentos fizeram com que um juiz de primeira instância e uma dezena de jovens procuradores narcisistas ditassem os rumos políticos do País. Sem voto ou qualquer controle da sociedade, sobretudo pela covarde omissão de instâncias superiores, tornaram-se o poder real no Brasil.
Um rei começa a cair quando acredita que sua glória é eterna. Com a derrota eleitoral do PT, após a prisão e o impedimento arbitrários de Lula, Moro sentiu que havia ganhado todas as batalhas e poderia reinar livremente. O fato de aceitar assumir o Ministério da Justiça de Bolsonaro e nem sequer ter negado que o convite foi feito antes do segundo turno das eleições revela sua fé absoluta na impunidade. Não teve qualquer pudor em abandonar o teatro da neutralidade e assumir claramente seus interesses políticos.
A História, tal como Medeia, sabe, no entanto, ser uma deusa terrível e vingativa. Justamente no momento de maior poder, veio o maior revés. As mensagens da Vaza Jato revelaram as sórdidas entranhas de uma conspiração, na qual agentes públicos enredaram-se em uma busca alucinada para destruir inimigos. E não restam mais dúvidas de que a Lava Jato elegeu Lula como seu maior inimigo. Para se ter uma ideia, Leandro Demori, editor-executivo do Intercept Brasil, revelou que a palavra Lula aparece nos chats dos procuradores 14.357 vezes. Por quatro anos, os procuradores citaram nominalmente o ex-presidente, em média, dez vezes por dia.
Em setembro de 2017, Lula chegou a perguntar em um de seus depoimentos a Moro: “Eu posso olhar na cara dos meus filhos e dizer que eu vim a Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?” Moro respondeu com a prepotência usual: “Bem, primeiro não cabe ao senhor fazer esse tipo de pergunta para mim, mas, de todo modo, sim”. A resposta foi registrada nos autos da Justiça. A prova do cinismo e da mentira do ex-juiz ficará para os livros de História.
Reduzidos a anões morais em luta para salvar a própria pele, Moro parece resignado em sofrer humilhações diárias de Bolsonaro, sem largar o osso, e os procuradores passaram a atuar desesperadamente para impedir a anulação do processo de Lula e sua consequente soltura. O inédito pedido de progressão de regime, longe de benevolência, mal esconde a tentativa de inviabilizar o julgamento da suspeição de Moro, iniciado na Segunda Turma do Supremo. Obcecada pela humilhação pública do ex-presidente, a Lava Jato tenta mais uma vez interferir em decisão do STF e trazer de volta para si o controle da situação.
Lula reagiu com altivez em carta dirigida ao povo brasileiro. Como disse Juca Kfouri em belo artigo, deixar de reconhecer dignidade na decisão do ex-presidente “é comportamento de pequenez sem tamanho”. Aos 73 anos, optar por ficar preso em um cubículo até ter direito a julgamento justo é um ato de grandeza, ainda que arriscado. Da prisão, ele trucou a Lava Jato e chamou o Supremo à responsabilidade histórica. Saberemos nos próximos dias se a corte terá coragem para restabelecer a justiça ou se sucumbirá à pressão desesperada de um grupo de xerifes decadentes e seus aliados políticos.
Pouco tempo atrás, quem ousasse criticar a Lava Jato era rapidamente associado à defesa da corrupção e tratado como inimigo do País. Com imprescindível apoio de parte significativa da mídia, procuradores e, em especial, Sérgio Moro foram transformados em heróis. Acima do bem e do mal, a operação era tratada como a redenção dos problemas nacionais. Como todo poder inquestionável, criou condições para o arbítrio e sucessivas ilegalidades. Ninguém estaria acima da lei, exceto os xerifes curitibanos.
Não era necessário ter acesso às conversas entre seus integrantes para saber que a atuação da Lava Jato passava longe da isenção. A espetacularização das ações e o uso político de vazamentos fizeram com que um juiz de primeira instância e uma dezena de jovens procuradores narcisistas ditassem os rumos políticos do País. Sem voto ou qualquer controle da sociedade, sobretudo pela covarde omissão de instâncias superiores, tornaram-se o poder real no Brasil.
Um rei começa a cair quando acredita que sua glória é eterna. Com a derrota eleitoral do PT, após a prisão e o impedimento arbitrários de Lula, Moro sentiu que havia ganhado todas as batalhas e poderia reinar livremente. O fato de aceitar assumir o Ministério da Justiça de Bolsonaro e nem sequer ter negado que o convite foi feito antes do segundo turno das eleições revela sua fé absoluta na impunidade. Não teve qualquer pudor em abandonar o teatro da neutralidade e assumir claramente seus interesses políticos.
A História, tal como Medeia, sabe, no entanto, ser uma deusa terrível e vingativa. Justamente no momento de maior poder, veio o maior revés. As mensagens da Vaza Jato revelaram as sórdidas entranhas de uma conspiração, na qual agentes públicos enredaram-se em uma busca alucinada para destruir inimigos. E não restam mais dúvidas de que a Lava Jato elegeu Lula como seu maior inimigo. Para se ter uma ideia, Leandro Demori, editor-executivo do Intercept Brasil, revelou que a palavra Lula aparece nos chats dos procuradores 14.357 vezes. Por quatro anos, os procuradores citaram nominalmente o ex-presidente, em média, dez vezes por dia.
Em setembro de 2017, Lula chegou a perguntar em um de seus depoimentos a Moro: “Eu posso olhar na cara dos meus filhos e dizer que eu vim a Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?” Moro respondeu com a prepotência usual: “Bem, primeiro não cabe ao senhor fazer esse tipo de pergunta para mim, mas, de todo modo, sim”. A resposta foi registrada nos autos da Justiça. A prova do cinismo e da mentira do ex-juiz ficará para os livros de História.
Reduzidos a anões morais em luta para salvar a própria pele, Moro parece resignado em sofrer humilhações diárias de Bolsonaro, sem largar o osso, e os procuradores passaram a atuar desesperadamente para impedir a anulação do processo de Lula e sua consequente soltura. O inédito pedido de progressão de regime, longe de benevolência, mal esconde a tentativa de inviabilizar o julgamento da suspeição de Moro, iniciado na Segunda Turma do Supremo. Obcecada pela humilhação pública do ex-presidente, a Lava Jato tenta mais uma vez interferir em decisão do STF e trazer de volta para si o controle da situação.
Lula reagiu com altivez em carta dirigida ao povo brasileiro. Como disse Juca Kfouri em belo artigo, deixar de reconhecer dignidade na decisão do ex-presidente “é comportamento de pequenez sem tamanho”. Aos 73 anos, optar por ficar preso em um cubículo até ter direito a julgamento justo é um ato de grandeza, ainda que arriscado. Da prisão, ele trucou a Lava Jato e chamou o Supremo à responsabilidade histórica. Saberemos nos próximos dias se a corte terá coragem para restabelecer a justiça ou se sucumbirá à pressão desesperada de um grupo de xerifes decadentes e seus aliados políticos.
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