quinta-feira, 5 de março de 2020

Coronavírus e a exploração do medo

Por Celso Japiassu, no site Carta Maior:

Enquanto a quase unanimidade da comunidade científica internacional minimiza o perigo trazido pelo vírus denominado Covid-19, ou Coronavírus, alimenta-se o pânico entre as populações da Europa. A imprensa é parte na disseminação desse pânico e pergunta-se quem está fazendo lucro com essa mobilização internacional do medo. Além disso, a extrema direita política faz uso da epidemia para fortalecer suas teses xenófobas e pregar o fechamento de fronteiras.

Itália, Espanha, França e todos os outros países da Europa estão a postos, promovendo quarentenas e multiplica-se a venda de máscaras, embora os especialistas avisem que elas não são úteis para prevenir a doença. A gripe comum e a tuberculose têm tradicionalmente feito mais vítimas e o coronavírus revela-se como uma enfermidade de baixa letalidade. Só a gripe comum é responsável pela morte de quase 800 mil pessoas a cada ano.

Talvez a Europa ainda tenha na memória coletiva as tragédias medievais das pestes que dizimavam cidades inteiras, como a pandemia da Peste Negra, que de 1346 a 1353 matou um terço da população do continente e, estima-se, 200 milhões de pessoas em toda a Eurásia. A população do mundo só retornou aos níveis de antes da peste no Século XVII. E a Peste Negra só desapareceu no princípio do Século XIX.

Tratava-se da peste bubônica, transmitida pelos ratos, que proliferavam numa Europa que tinha reduzido a população de gatos, predadores naturais dos ratos. Caçando e matando os gatos por causa das superstições da Idade Média. Acreditava-se que eram os animais de estimação das bruxas queimadas nas fogueiras das praças. E a ignorância provocou o desequilíbrio. Até hoje há quem desconfie dos gatos, numa prova da má memória da superstição.

A exploração política

A Itália tem o maior número de casos no continente, o país mais atingido depois da China, com quase 500 pessoas afetadas até agora e doze mortes. Os que morreram em consequência da doença eram pessoas idosas com quadros clínicos complicados. O carnaval de Veneza foi suspenso. Nas regiões da Lombardia e Veneto, onze cidades estão em quarentena e delas ninguém poderá sair se não obtiver uma permissão especial. Eventos públicos foram cancelados, escolas suspenderam as aulas e a população faz estoque de alimentos e remédios. Até em Milão, capital da Lombardia, jogos de futebol e desfiles de moda foram cancelados. O prefeito pediu a reabertura dos museus para animar a cidade e melhorar o movimento de restaurantes e hotéis.

A classe política, sempre atenta para o que possa lhe trazer dividendos, faz uso da doença e do pânico que ela provoca. A extrema direita foi a primeira a pronunciar-se, exigindo o fechamento das fronteiras e restrições aos direitos dos imigrantes. O grande jornal italiano La Repubblica afirmou em editorial que o uso político do Covid-19 nada tem a ver com dignidade e responsabilidade mas amplifica a desordem institucional.

A Liga, partido de extrema direita liderado por Matteo Salvini, é o mais influente no Norte italiano e aproveitou o tema da epidemia para pedir urgência no fechamento das fronteiras. Defendeu a proibição de entrada no país de imigrantes vindos da África, o que evidencia mais uma vez as suas teses racistas. O continente africano registrou até agora apenas três casos, um deles de um italiano, na Nigéria.

Salvini aproveitou a ocorrência do vírus para pedir a renúncia do Primeiro Ministro e a formação de um novo governo pelo seu próprio partido. Attilio Fontana, seguidor de Salvini e governador da Lombardia, apareceu na televisão usando uma máscara e anunciou que entraria voluntariamente em quarentena, por causa da identificação de um caso entre os seus auxiliares.

O chanceler italiano Luigi di Maio disse que a divulgação de falsas notícias, que chamou de “infodemia”, epidemia de informações falsas, está prejudicando a reputação e a economia do país. A Assoturismo, associação nacional de turismo da Itália, afirma que, só no mês de março, a previsão de receita de hospedagem no país vai perder US$220 milhões.

O primeiro ministro italiano, Giuseppe Conte, pediu à Rai, principal emissora do país, para diminuir o tom da sua cobertura.

Numa visita ao Hospital La Pitié-Salpêtrière, onde morreu uma pessoa em decorrência do vírus, o presidente francês Emmanuel Macron alertou que a epidemia está a caminho. Há 57 casos confirmados na França e o Ministro da Saúde aconselhou evitar o hábito social do aperto de mão.

No Reino Unido, até o último fim de semana houve a notificação de 15 casos. E na Espanha a notificação de um caso, um homem que não viajou ao exterior, trouxe a suspeita de que o coronavírus já está há algum tempo circulando pelo país. Nas Ilhas Canárias, um hotel com mil hóspedes encontra-se em quarentena e espera-se que se intensifique o contágio com as celebrações de Páscoa, que são tradicionais na Espanha e reúnem milhares de pessoas. A Alemanha notificou 26 casos no fim de semana e considera que há uma epidemia no país. A Feira Internacional de Turismo de Berlim foi cancelada. Há casos também notificados na Romênia, Hungria, Áustria, Croácia, Dinamarca, Estônia, Geórgia, Grécia, Noruega, Macedônia e Suíça, onde foi cancelada a feira de relógios de Genebra, que tem grande importância para o país.

A União Europeia marcou para 6 de março uma reunião extraordinária dos ministros da saúde dos países membros.

Em Portugal foram confirmados dois casos até o momento em que escrevo esta matéria.

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