Por Gustavo Freire Barbosa, na revista CartaCapital:
No início de abril, o deputado Eduardo Bolsonaro defendeu em sessão da Câmara que os super-ricos não tenham sua renda e patrimônio taxados para financiar medidas contra a crise econômica aprofundada pela pandemia da Covid-19. Dentre outros destinos, tais recursos serviriam para financiar o SUS e proteger o salário e a subsistência de trabalhadores informais e desvalidos que hoje, mais do que nunca, precisam da rede Seguridade Social.
“Loide”, como era conhecido na faculdade segundo perfil publicado na Piauí de março, sacou da manga o script de quem se presta ao papel de segurança de cofre: são pessoas boas que, sensíveis à pandemia, pularam de cabeça na filantropia, fazendo “grandes caridades em todo o país”. Estas caridades ganham maior projeção nas ações de celebridades, embora não se restrinjam a elas.
Só Neymar, por exemplo, doou R$ 5 milhões para a Unicef e para um fundo de Luciano Huck. Já o apresentador, em iniciativa à parte junto com amigos – que incluem o surfista Gabriel Medina e o próprio atacante do Paris Saint Germain – também aspirantes a Madre Teresa, amontoaram R$ 1,5 milhão em favor de comunidades carentes do Rio de Janeiro. Parte dos 259 mil milionários e dos 58 bilionários brasileiros anônimos devem estar seguindo a tendência ditada pelos membros mais ilustres do clube, que mesmo durante o debacle da economia não parou de receber novos associados.
Mas não é apenas na filantropia e em fotos no Instagram que Neymar e Huck dividem o mesmo barco: ambos são contumazes devedores do fisco, de onde, como trazido linhas atrás, sai o dinheiro que financia tanto o SUS como políticas de Seguridade, fundamentais independentemente de pandemias.
Em 2013, o apresentador recorreu a um empréstimo de R$ 18 milhões do BNDES para comprar um jatinho – isento de IPVA assim como seu iate, este avaliado em R$ 30 milhões. Quatro anos depois, foi multado em R$ 40 mil por benfeitorias em sua mansão que fizeram estragos à fauna e à flora de Angra dos Reis. No último dia 27, Huck participou de um painel sobre desigualdade social na Brazil Conference at Harvard & MIT. Foi assertivo: taxar grandes fortunas pode tirar dinheiro do país. Titubeou, entretanto, ao ser contrariado pela socióloga Kátia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. Decidiu muito sabiamente não enfrentá-la. “Sou curioso e não sou técnico em tributação”, justificou.
Neymar, por sua vez, não fica muito atrás. Em novembro do ano passado, decisão judicial alinhavou uma dívida de R$ 88 milhões do jogador à Receita Federal. Devido à condenação por sonegação, trinta e seis imóveis – incluindo mansões – em nome do atleta e de sua família estão bloqueados.
Huck e Neymar se enquadram naquilo que o geógrafo marxista David Harvey qualifica como “humanismo liberal”, predominante no mundo das ONG’s e organizações filantrópicas que se dedicam a erradicar a pobreza sem, todavia, terem qualquer ideia concreta de como fazê-lo. Esta falta de método, porém, não é fruto de desorganização, mas do simples fato de ser necessária para que se enfrente o problema sem que o faça deixar de existir.
Este humanismo liberal está presente também em Peter Buffet, filho do biliardário Warren Buffet (que, muito lucidamente, reconheceu a existência da luta de classes, emendando que é a classe dele, a dos ricos, que está vencendo de capote). Em 2013, Peter relatou ao New York Times suas impressões sobre o mundo da filantropia. Eis suas palavras, relatadas por Harvey no livro “17 contradições e o fim do capitalismo” (Boitempo Editorial):
“Logo de cara (…) me dei conta do que comecei a chamar de colonialismo filantrópico (…). Pessoas (inclusive eu) que tinham pouco conhecimento sobre um lugar achavam que podiam resolver um problema local (…) sem levar em consideração a cultura a geografia ou as regras societais”.
A filantropia, segundo ele, é uma “lavagem de consciência”, uma vez que permite que os ricos durmam melhor enquanto miseráveis permanecem ganhando o suficiente apenas para sobreviver. Em suma, são estes dorminhocos que criam problemas de dia e à noite sinalizam a vontade de resolvê-los como se não tivessem nada a ver com eles.
Buffet, Neymar, Huck e os acionistas filantropos e milionários do Itaú, Bradesco e Santander representam um reformismo que, não tendo condições de pôr fim ao problema, apenas o desloca. Harvey aproveita este altruísmo de horário nobre para apontar na direção do que de fato precisamos: um humanismo revolucionário que esteja disposto a bater de frente com a “besta capitalista que se alimenta muito bem graças à liberdade de que desfruta para dominar os outros com a mão esquerda enquanto os socorre com a direita”.
Não faltam estudos que concluem que a maior renda dos mais ricos torna possível que acumulem ainda mais propriedades e aplicações financeiras, o que leva à estagnação e mesmo à corrosão da renda real dos mais pobres. Dados das últimas pesquisas do IBGE/PNAD vêm ratificando esta tese, trazendo estatísticas que relatam o aumento dos ganhos de quem tem mais e a perda de quem tem menos – ainda que em um quadro de recessão, crescente precarização das condições de trabalho e inéditos índices de informalidade.
Gigantescas fortunas pouco ou nada têm a ver com a contribuição de seus donos para a produção da riqueza social. Principalmente na atual quadra histórica, onde viceja a hegemonia do capital financeiro. Deixar a solução da crise econômica aprofundada pela pandemia nas mãos de sonegadores e na boa vontade de filantropos – não raro as mesmas pessoas – é pedir expressamente para que ela não seja resolvida.
E é exatamente isso que o grande capital quer.
“Loide”, como era conhecido na faculdade segundo perfil publicado na Piauí de março, sacou da manga o script de quem se presta ao papel de segurança de cofre: são pessoas boas que, sensíveis à pandemia, pularam de cabeça na filantropia, fazendo “grandes caridades em todo o país”. Estas caridades ganham maior projeção nas ações de celebridades, embora não se restrinjam a elas.
Só Neymar, por exemplo, doou R$ 5 milhões para a Unicef e para um fundo de Luciano Huck. Já o apresentador, em iniciativa à parte junto com amigos – que incluem o surfista Gabriel Medina e o próprio atacante do Paris Saint Germain – também aspirantes a Madre Teresa, amontoaram R$ 1,5 milhão em favor de comunidades carentes do Rio de Janeiro. Parte dos 259 mil milionários e dos 58 bilionários brasileiros anônimos devem estar seguindo a tendência ditada pelos membros mais ilustres do clube, que mesmo durante o debacle da economia não parou de receber novos associados.
Mas não é apenas na filantropia e em fotos no Instagram que Neymar e Huck dividem o mesmo barco: ambos são contumazes devedores do fisco, de onde, como trazido linhas atrás, sai o dinheiro que financia tanto o SUS como políticas de Seguridade, fundamentais independentemente de pandemias.
Em 2013, o apresentador recorreu a um empréstimo de R$ 18 milhões do BNDES para comprar um jatinho – isento de IPVA assim como seu iate, este avaliado em R$ 30 milhões. Quatro anos depois, foi multado em R$ 40 mil por benfeitorias em sua mansão que fizeram estragos à fauna e à flora de Angra dos Reis. No último dia 27, Huck participou de um painel sobre desigualdade social na Brazil Conference at Harvard & MIT. Foi assertivo: taxar grandes fortunas pode tirar dinheiro do país. Titubeou, entretanto, ao ser contrariado pela socióloga Kátia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. Decidiu muito sabiamente não enfrentá-la. “Sou curioso e não sou técnico em tributação”, justificou.
Neymar, por sua vez, não fica muito atrás. Em novembro do ano passado, decisão judicial alinhavou uma dívida de R$ 88 milhões do jogador à Receita Federal. Devido à condenação por sonegação, trinta e seis imóveis – incluindo mansões – em nome do atleta e de sua família estão bloqueados.
Huck e Neymar se enquadram naquilo que o geógrafo marxista David Harvey qualifica como “humanismo liberal”, predominante no mundo das ONG’s e organizações filantrópicas que se dedicam a erradicar a pobreza sem, todavia, terem qualquer ideia concreta de como fazê-lo. Esta falta de método, porém, não é fruto de desorganização, mas do simples fato de ser necessária para que se enfrente o problema sem que o faça deixar de existir.
Este humanismo liberal está presente também em Peter Buffet, filho do biliardário Warren Buffet (que, muito lucidamente, reconheceu a existência da luta de classes, emendando que é a classe dele, a dos ricos, que está vencendo de capote). Em 2013, Peter relatou ao New York Times suas impressões sobre o mundo da filantropia. Eis suas palavras, relatadas por Harvey no livro “17 contradições e o fim do capitalismo” (Boitempo Editorial):
“Logo de cara (…) me dei conta do que comecei a chamar de colonialismo filantrópico (…). Pessoas (inclusive eu) que tinham pouco conhecimento sobre um lugar achavam que podiam resolver um problema local (…) sem levar em consideração a cultura a geografia ou as regras societais”.
A filantropia, segundo ele, é uma “lavagem de consciência”, uma vez que permite que os ricos durmam melhor enquanto miseráveis permanecem ganhando o suficiente apenas para sobreviver. Em suma, são estes dorminhocos que criam problemas de dia e à noite sinalizam a vontade de resolvê-los como se não tivessem nada a ver com eles.
Buffet, Neymar, Huck e os acionistas filantropos e milionários do Itaú, Bradesco e Santander representam um reformismo que, não tendo condições de pôr fim ao problema, apenas o desloca. Harvey aproveita este altruísmo de horário nobre para apontar na direção do que de fato precisamos: um humanismo revolucionário que esteja disposto a bater de frente com a “besta capitalista que se alimenta muito bem graças à liberdade de que desfruta para dominar os outros com a mão esquerda enquanto os socorre com a direita”.
Não faltam estudos que concluem que a maior renda dos mais ricos torna possível que acumulem ainda mais propriedades e aplicações financeiras, o que leva à estagnação e mesmo à corrosão da renda real dos mais pobres. Dados das últimas pesquisas do IBGE/PNAD vêm ratificando esta tese, trazendo estatísticas que relatam o aumento dos ganhos de quem tem mais e a perda de quem tem menos – ainda que em um quadro de recessão, crescente precarização das condições de trabalho e inéditos índices de informalidade.
Gigantescas fortunas pouco ou nada têm a ver com a contribuição de seus donos para a produção da riqueza social. Principalmente na atual quadra histórica, onde viceja a hegemonia do capital financeiro. Deixar a solução da crise econômica aprofundada pela pandemia nas mãos de sonegadores e na boa vontade de filantropos – não raro as mesmas pessoas – é pedir expressamente para que ela não seja resolvida.
E é exatamente isso que o grande capital quer.
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