quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Quanto custa a Bolsonaro subir uns pontinhos

Por Marcos Coimbra, no site Brasil-247:


Nos últimos dias, saíram duas pesquisas que trataram da avaliação de Bolsonaro, uma XP/Ipespe e outra do Datafolha. A primeira explicitamente contratada por uma empresa do mercado financeiro, a outra mandada fazer pelo proprietário do instituto, o jornal Folha de São Paulo, que estabelece a hora de realizar pesquisas de acordo com critérios indecifráveis.

A segunda teve um impacto forte. Afinal, o Datafolha se tornou, de uns anos para cá, uma espécie de instituto oficial da grande imprensa brasileira, a quem todos os conglomerados de mídia delegaram a função de pesquisar. O sistema Globo e até o concorrente direto da Folha no mercado paulista, O Estado de São Paulo, desistiram de concorrer no segmento.

O resultado mais extraordinário da pesquisa não está em nenhum de seus números e foi criado na redação do jornal. Segundo ela, havia sido constatado um crescimento tão significativo da aprovação de Bolsonaro que merecia ser chamada “popularidade recorde”. No material de divulgação, a performance do capitão era comparada às de Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer, sendo menor apenas que as de Lula no segundo e Dilma no primeiro mandato.

O que não foi dito pelo jornal (ou o instituto) é que estavam comparando laranjas com bananas. Colocar no mesmo balaio pesquisas presenciais (nas quais os entrevistadores interagem diretamente com os entrevistados e os encorajam a responder) e pesquisas remotas, no caso feitas por telefone celular, é um erro primário de análise. Não faz sentido, pelo simples motivo de que elas não se referem ao mesmo universo.

É de supor que foi por considerar que as pesquisas presenciais são mais corretas que o Datafolha optou, desde a criação, por trabalhar somente com elas. Nisso, fez igual a praticamente todos os institutos. IBOPE, Vox Populi, Gallup, Sensus, MDA, para citar apenas alguns, nunca fizeram pesquisas por telefone, salvo a respeito de temas muito específicos.

Depois do início da epidemia, isso mudou. Por motivos óbvios, o Datafolha foi obrigado a adotar uma metodologia de campo pior, a entrevista por telefone. E é uma dessas pesquisas piores que teve o impacto que vimos.

Há países em que as entrevistas por telefone são adequadas, como os Estados Unidos. Lá, a base para as pesquisas políticas é o eleitorado que escolheu se registrar, tem identidade partidária, interesse por esses assuntos e é universalmente acessível por telefone. Muito diferente do Brasil, onde votam todos, mesmo os que não querem, o interesse por política é muito pequeno entre pessoas de baixa escolaridade e renda, e há segmentos relevantes sem acesso à telefonia.

Em março, a primeira pesquisa do Datafolha depois de começada a epidemia sequer perguntou a respeito do desempenho de Bolsonaro à frente do governo, provavelmente para evitar comparações descabidas com períodos anteriores. Mas o tempo foi passando e diversas liberalidades com os dados começaram a ser tomadas, culminando no despropósito da última, com sua saudação ao “recorde”.

Em qualquer acepção de margem de erro (que aumenta muito quando os dados obtidos no campo têm que ser “ajustados”, como faz o Datafolha e todos que trabalham com entrevistas telefônicas), a nova pesquisa do instituto, no máximo, revela que, em relação ao padrão de resultados de março em diante, o capitão cresceu algo entre um e três pontos. Em relação à pesquisa de junho, melhorou cinco pontos, o que é pouco.

Especialmente se considerarmos que esse modesto crescimento acontece depois de cinco meses de vigência do Auxílio Emergencial e da transferência de 250 bilhões de reais aos beneficiários. Ou seja: cada ponto de melhora correspondeu a uma despesa de, em média, 50 bilhões de reais (o que é uma vez e meia o custo total anual do Bolsa Família).

Nessa aritmética, do ponto de vista de alguém que queria destinar à população apenas o mínimo inevitável e que passou a desejar a manutenção do programa para auferir vantagens eleitorais, o custo/benefício é péssimo. Quantos trilhões terá Bolsonaro que gastar para alcançar um nível de popularidade adequado a vencer a eleição de 2022? De onde virão?

Segundo os dados do Datafolha, para chegar ao tamanho de Dilma em momento igual, Bolsonaro precisaria crescer cerca de 30 pontos, ou seja, nessa escala de custos, precisaria tirar, nos meses de agora até a eleição, algo perto de 1,5 trilhões de reais dos bolsos da sociedade.

O raciocínio pode não ser realista, mas serve para termos uma ideia de como é difícil (e caro!) fazer com que um estafermo como ele se torne popular.

1 comentários:

Darcy Brasil Rodrigues da Silva disse...

É absolutamente verdadeira, do ponto de vista do rigor científico, a premissa "Colocar no mesmo balaio pesquisas presenciais (nas quais os entrevistadores interagem diretamente com os entrevistados e os encorajam a responder) e pesquisas remotas, no caso feitas por telefone celular, é um erro primário de análise. Não faz sentido, pelo simples motivo de que elas não se referem ao mesmo universo". Desta premissa verdadeira, entretanto, não decorre a conclusão de que a pesquisa telefônica favoreceu Bolsonaro e que o resultado seria pior para ele se o método de abordagem fosse presencial. Certamente a abordagem presencial produziria números com margens de erro bem menores, porém isso não autoriza a ninguém concluir que esses números seriam piores para Bolsonaro. Tampouco autoriza a conclusão inversa de que seriam números melhores ainda. Permite apenas a constatação de que a confiabilidade dos números não é a que satisfaz a ciência estatística. Sendo a margem de erro bem maior, digamos, somente para fixar as ideias, 5% em vez de os habituais 2% das pesquisas presenciais, Bolsonaro poderia ter, então, números 5% menores, como gostaria Marcos Coimbra e todos os analistas petistas habituados a se guiar muito mais pelos desejos do que pelos fatos, ou 5% maiores, como tememos todos os que nos habituamos com os erros de projeção produzidos pelos otimistas petistas que ainda ontem nos garantiam que Bolsonaro não chegaria ao 2° turno das eleições de 2018 e, depois que chegou, nos garantiriam que seria derrotado com extrema facilidade pela candidatura exclusivista do PT.