sexta-feira, 12 de março de 2021

Preparar-se para voltar às ruas!

Por Lúcio Castro Flávio Dias, no site Vermelho:


Sei que a opinião que expresso aqui pode ser controversa e por isso fiz questão de colocá-la já no título, para que quem a leia tenha de antemão uma noção da ideia central que vou defender aqui. E estes são os meus argumentos:

1) Acho que na vida não há certezas absolutas, mas probabilidades. Todas as nossas análises dependem de uma previsão do custo/benefício ou do risco/benefício que nossas ações podem trazer, e do timing dessas.

2) Estou convencido de que as “trapalhadas” logísticas do governo federal em relação às vacinas são, na realidade, um PROJETO, uma estratégia, pois Bolsonaro crê e teme (com razão, em minha opinião) que, com a vacinação em massa, comecem manifestações e protestos populares gigantescos contra o seu (des)governo. Essa postura do governo federal criou um problema de saúde pública descomunal, com o surgimento de cepas mais agressivas no território nacional, com a possibilidade de empurrar o Brasil para uma situação de pária sanitário internacional e até a possibilidade, levantada por alguns especialistas, de, no limite, tornar-se ineficaz a vacinação, pela seleção natural de vírus a ela resistentes, embora isso ainda não tenha acontecido e as vacinas ainda se mostrem eficazes contra as variantes.

3) Paralelo a isso, crescem os desastres na economia, na educação, no meio ambiente, em todos os setores da vida social e política, criando um ambiente em ebulição. Crescem também as ameaças e provocações de golpe fascista, inclusive insinuando a possibilidade de usar o próprio caos criado por eles para decretar Estado de Defesa ou Estado de Sítio, para a consumação de um autogolpe fascista contra as instituições, pelo Executivo.

4) Diante disso, é mais urgente do que nunca a união de todos os que se opõem ao governo Bolsonaro. Unidade das forças populares é necessário, mas não é suficiente. É preciso agregar todos os que se disponham a preservar as instituições, inclusive setores que se envolveram na aventura dolosa que levou Bolsonaro ao Poder, mas que, agora, seja porque amedrontados pelos resultados, seja porque foram também atingidos pelas consequências, seja simplesmente porque conseguiram repensar – atributo do ser humano -, percebem que é imperativo somar forças com a oposição.

5) Por isso defendo que devemos ensejar todos os esforços para conseguir superar essa situação, com articulação política, com pressão internacional, ocupando todos os espaços institucionais que pudermos, usando os instrumentos tradicionais da política combinados com formas criativas de protesto (entre as quais destaco as carreatas, relativamente seguras, mas também a colocação de faixas e outdoors em locais movimentados, fechamento de vias, e os tradicionais panelaços, feitos com ampla convocação), e em especial com uso intensivo das redes sociais para denúncias.

6) Enquanto isso, no entanto, não podemos ignorar que o descalabro continua a imperar, com as mortes por coronavírus em crescendo, a ponto de o próprio Ministério da Saúde prever, com desfaçatez, porque não assume a sua culpa, que iremos chegar em breve a 3 mil mortes diárias. O colapso do sistema de Saúde é iminente. O desemprego continua a aumentar, mais e mais empresas vão à falência. O próprio capital estrangeiro, cúmplice-mor do golpe contra a democracia, retira agora seus investimentos daqui. O meio-ambiente arde. Os jovens negros são espingardeados impunemente nas periferias. Tudo isso cria uma situação que não é mais um barril de pólvora, é uma caixa de dinamite com o pavio aceso. Até quando os brasileiros irão suportar isso, é uma pergunta inevitável e óbvia. Em determinado momento, o povo pode chegar a uma conclusão de que morrerão MUITO mais pessoas do que se saíssem às ruas. Morrerão principalmente trabalhadores e a população das periferias, que têm de sair de casa para trabalhar ou procurar emprego, movidos pela necessidade, usando ônibus e metrôs superlotados e aglomerando-se forçadamente em filas ou em cômodos minúsculos. Para estes, o “isolamento social” já deixou de existir há muito tempo.

7) Não estou tirando estas ideias só de minha cabeça. Estou apenas tentando pensar as consequências lógicas dos FATOS, e me inspirando na experiência histórica mundial recente.

8) Esse mesmo dilema foi enfrentado pelo povo boliviano, na luta contra o Golpe; pelo povo chileno, em sua arrancada contra o neoliberalismo e resquícios de pinochetismo; pelo Black Lives Matter e progressistas, nos EUA, na luta antirracista e contra Trump; e por muitas outras revoltas que ocorreram em 2020 (e que continuam, como as recentes notícias do Paraguai mostram). Acredito que, se não tivessem feito as manifestações de rua que fizeram, em plena pandemia, teriam morrido muito mais do que morreram. Foi um cálculo, talvez apenas instintivo e intuitivo, de risco/benefício acertado e vitorioso

9) É importante ressaltar, para que meus argumentos não tenham um viés, que em todos esses países acima citados, com exceção da Bolívia, onde o MAS comandou organizadamente o povo indígena e seus aliados, essas manifestações explodiram espontaneamente, sem que pudesse ser identificada uma organização que a convocasse e organizasse, mas em decorrência de um fato grave (a morte de um negro sufocado por um policial) ou até casual (a decisão de secundaristas de pular a catraca do metrô por causa do aumento de centavos nos transportes).

10) No entanto, essa falta de comando ocasionou dificuldades também na organização e até na convergência de ações para um alvo comum. Os partidos e organizações populares ou eventuais Frentes mostraram-se, em geral, completamente despreparados para participar ativamente e de forma organizada nos eventos ocorridos, e isso se revelou um empecilho para a ação popular.

11) Nos graves momentos de crise, que exigem defesa dos interesses do povo, as forças políticas mais avançadas e consequentes devem ter ousadia e determinação, para impulsionar a mobilização. Nas redes sociais, nos espaços institucionais, no campo da política e em formas de luta criativas, é necessário conscientizar, polemizar, debater e mobilizar o povo. E é preciso também estar preparado para apoiar e atuar no curso de prováveis manifestações espontâneas de rua que venham a ocorrer, com determinação, para que tenham um rumo de ação consequente.

Tenho enorme confiança de que o pensamento coletivo é sempre mais profundo e claro do que o pensamento de uma pessoa só. Por isso, submeto sinceramente minhas ideias sobre o quadro que está se formando em nosso país à apreciação coletiva. Os velhos marinheiros olham o rumo dos ventos, as nuvens carregadas, o cheiro e a umidade da maresia e percebem, por experiência, quando tempestades estão a caminho.

0 comentários: