terça-feira, 16 de março de 2021

Villas Bôas e os generais golpistas

Por Altamiro Borges

Até parece que não aprendemos com os erros do passado. Na véspera do golpe de 1964, muita gente boa apostou no tal “dispositivo militar” de Jango para salvar a democracia. No golpe do impeachment de 2016, muitos acreditaram em um ilusório “espírito democrático” dos generais – expresso principalmente na figura “civilizada” de Eduardo Villas Bôas.

No livro acrítico "General Villas Bôas: conversa com o comandante", escrito por Celso Castro e publicado pela Fundação Getúlio Vargas, o próprio se jacta da interferência direta dos militares na conspiração golpista contra Dilma Rousseff. Até o famoso tuíte de ameaça ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi uma ação orquestrada pela cúpula das Forças Armadas.

Agora, em um longo artigo publicado na revista Piauí, as jornalistas Monica Gugliano e Tânia Monteiro dão mais algumas informações sobre a ação nefasta dos milicos contra a frágil democracia brasileira. Elas relatam outros crimes do general Eduardo Villas Bôas, quando ele era comandante do Exército em pleno governo de Dilma Rousseff.

A covardia de Dias Toffoli

Em agosto de 2018, por exemplo, o golpista se reuniu com Dias Toffoli, então presidente do STF, para traçar os rumos das eleições marcadas para dois meses depois. A pressão descarada e ilegal contou com a covardia do ministro do Supremo, que garantiu ao general que Lula seguiria preso em Curitiba – um crime judicial decisivo para o resultado do pleito.

Ainda segundo as jornalistas, o general também tratou da Lei da Anistia e teve a garantia do magistrado pusilânime de que ela não seria alterada. Semanas depois, com Lula preso ilegalmente, o fascista Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República – graças à conspiração do "partido dos militares". Hoje, os milicos ocupam o laranjal com milhares de cargos!

Não é para menos que o capitão agradeceu ao general poucos dias após a posse. "O que conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui", afirmou o “humilde” Bolsonaro ao “poderoso” Villas Bôas. O livro e a reportagem da Piauí ajudam a diminuir as ilusões nos milicos! Confira abaixo a matéria da revista Piauí:

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O general, o tuíte e a promessa

Por Monica Gugliano e Tânia Monteiro – 12 de março de 2021

Na segunda-feira, 8 de março, quando o ministro Edson Fachin anulou todas as sentenças que condenavam o ex-presidente Lula nas investigações da Lava Jato, o general Eduardo Villas Bôas, 69 anos, viu sua obra desmoronar subitamente. Com paciência e método, o general havia construído uma notável influência junto ao Supremo Tribunal Federal no decorrer de 2018, o ano decisivo em que Jair Bolsonaro foi eleito para o Palácio do Planalto. A estratégia de Villas Bôas ganhou a arena pública em 3 de abril daquele ano, quando o STF se preparava para votar um habeas corpus que poderia livrar Lula da prisão. O general, então no cargo de comandante do Exército, disparou uma nota de 239 caracteres em sua conta pessoal no Twitter. Dizia o seguinte: “Asseguro à nação que o Exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões constitucionais.” No dia seguinte, depois de quase onze horas de discussão, os ministros rejeitaram o habeas corpus do petista por uma margem apertada: 6 votos a 5. Lula seria preso logo depois e estava definitivamente fora da eleição presidencial de 2018.

Há poucas semanas, o tuíte de quase três anos atrás voltou ao debate. O pesquisador Celso Castro, da Fundação Getulio Vargas (FGV), lançou o livro-depoimento Villas Bôas: conversa com o comandante, no qual o general explica a gênese do tuíte e diz que sua intenção não foi fazer uma “ameaça” ao STF, mas apenas um “alerta”. O que o general não contou é que seu tuíte ajudou a consolidar sua influência junto ao Supremo ainda antes da eleição presidencial. A prova lhe chegou no final de agosto, quase cinco meses depois da publicação do “tuíte de alerta”. Em seu gabinete, decorado com retratos de família e uma pintura de Duque de Caxias, patrono do Exército, o general recebeu o ministro Dias Toffoli, que assumiria a presidência da corte dali a poucos dias, em 13 de setembro. Toffoli sentou-se em um dos sofás, enquanto Villas Bôas estava em uma cadeira de rodas, pois já sentia os primeiros efeitos da doença degenerativa que o acomete. Na época, divulgou-se apenas que, durante o encontro, Toffoli pediu ao general que lhe indicasse um militar para compor sua assessoria na presidência do STF.

O encontro, no entanto, foi bem mais do que isso. A um interlocutor, o general disse o seguinte, na época: “Ele [Toffoli] nos procurou e aí nos afirmou, nos garantiu: ‘Vocês fiquem tranquilos. Enquanto eu estiver na presidência [do STF] não haverá alteração da lei de anistia e tampouco outras coisas de caráter ideológico.’” Segundo o general, Toffoli também prometeu que Lula – a essa altura, já preso em Curitiba – não ganharia nenhum benefício jurídico até a eleição presidencial, que ocorreria dentro de algumas semanas. “Nos afirmou que até a eleição ele não ia pautar nada que alterasse a situação do presidente Lula, tanto do ponto de vista de punição de segunda instância, quanto da questão da lei da ficha limpa eleitoral.”

A promessa de Toffoli era música para os ouvidos do general. Naquele momento, Villas Bôas já enterrara outros nomes e se convencera de que a candidatura de Bolsonaro era a alternativa que havia sobrado. Mas, apesar de bem-vinda, a conversa com Toffoli não deixava de ser um enigma. Afinal, o ministro fizera carreira dentro do PT, fora nomeado para a corte por Lula e, para completar, era um dos cinco ministros que haviam votado a favor do petista no exame do habeas corpus em abril. Por tudo isso, o pedido de Toffoli para que lhe indicasse um nome para assessorá-lo deixou o general desconfiado, como ele próprio admitiu para o mesmo interlocutor. “Nós ficamos inicialmente tentando interpretar qual era a intenção do Toffoli, se ele [estava] querendo buscar credibilidade, será que é alguma possibilidade de ele nos usar, ou se realmente é uma intenção, é um gesto, [para] marcar a presidência dele com uma gestão eficiente ancorada, não descolada, na realidade do país.”

À época, em diversas ocasiões, Villas Bôas manifestara seu estranhamento com a aproximação de Toffoli. O ministro passara a frequentar eventos no salão do quartel na Esplanada dos Ministérios, conhecido como Forte Apache, um conjunto de edifícios numa área de mais de 100 mil metros quadrados deserta de árvores e coberta por concreto. O general desconfiava do súbito interesse de Toffoli por causa de sua biografia política e, também, das credenciais do magistrado: “As ligações que ele teve nos davam uma certa reticência em relação a esses dois aspectos: primeiro, a falta de saber jurídico; e, segundo, essa ligação com o PT.”

Depois de conversar com pessoas de sua confiança, com destaque para o jurista Ives Gandra Martins, que elogiou Toffoli, o general convenceu-se de que o ministro era um aliado. Resolveu então indicar o general Fernando Azevedo, que passara para a reserva meses antes e tinha um excelente diálogo com o então ministro da Defesa, o general Joaquim Silva e Luna. Villas Bôas consultou seu indicado. “Eu conversei com o Fernando, eu falei: ‘Fernando, você é o sujeito ideal, porque você tem autonomia, tem independência, tem toda essa experiência, essa ligação conosco.’ Aí, o Fernando resolveu aceitar, ciente até de que imediatamente poderia ser criticado por pessoas que não o compreenderiam, e acho que até o Toffoli também recebeu alguma crítica.” (Hoje, os dois generais têm cargos no governo Bolsonaro: Azevedo é o ministro da Defesa, e Silva e Luna será em breve o presidente da Petrobras.)

Por que o futuro presidente da mais alta corte do país visita o comandante do Exército para lhe prometer que Lula, o principal nome da oposição a Bolsonaro, continuará na cadeia? Indagado sobre sua motivação e sobre o diálogo, Toffoli, por meio de sua assessoria, disse o seguinte: “Nunca tratei de pauta com ele, nem ele comigo.”

O general Villas Bôas já tinha um “excelente relacionamento” com o ministro Ricardo Lewandowski desde o tempo em que este presidiu o Supremo, entre 2014 e 2016. Lewandowski passou pelo Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) em São Paulo e foi oficial de cavalaria, o que ajudou a aproximá-los. O ministro Gilmar Mendes também fez um agrado que o general não esqueceu. “Ele me fez uma homenagem lá, me deu, de professor honoris causa lá daquele instituto dele.” Referia-se ao Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual o magistrado é sócio-fundador. Com a ministra Cármen Lúcia, o general chegou a “desenvolver uma relação afetiva e de amizade muito grande”. Conheceu o ministro Alexandre de Moraes durante o período em que ele ocupava o cargo de secretário de Segurança Pública do governo de São Paulo. “Depois ele veio a ser ministro da Justiça. Acabamos desenvolvendo uma amizade.” Suas relações eram mais formais com a ministra Rosa Weber e com o ministro Celso de Mello, então decano da corte.

Toffoli, no entanto, foi um caso especial. Villas Bôas mudou de opinião sobre o ministro. “Existe uma ideia estereotipada, com ou sem razão, em relação a ele. O pessoal o critica por ele não ter uma carreira jurídica de muita relevância, muita consistência.” No dia 13 de setembro, o general pôde constatar o sucesso do “tuíte de alerta”. Estava na posse de Toffoli, o magistrado que lhe prometera manter Lula na prisão, e recebeu cumprimentos inesperados. Na época, Villas Bôas comentou: “Eu achei interessante que na posse do Toffoli a quantidade de pessoas que vieram se solidarizar comigo, me cumprimentar, pessoas que eu nem conhecia, como o [diretor de cinema] Luiz Carlos Barreto, que eu nunca tinha visto, enaltecendo o meu nacionalismo, como aquele do Sistema S, como é o nome dele? Guilherme Afif! Nunca tinha visto. O que foi presidente do STF, o Joaquim Barbosa… E olha, os ministros todos, eu fiquei impressionado com aquela onda de solidariedade e de apoio.”

Como o mundo dá voltas, chegou o dia 8 de março de 2021, o ministro Edson Fachin deu um cavalo de pau jurídico – e Lula está de volta ao cenário político nacional. Em seu primeiro pronunciamento público depois da anulação das sentenças, Lula criticou o general pelo “tuíte de alerta” divulgado meses antes da eleição presidencial. Disse que demitiria o militar que, no seu governo, fizesse uma manifestação pública com semelhante conteúdo político. Os militares ficaram amuados com a crítica de Lula ao ex-comandante do Exército. Villas Bôas preferiu ficar calado. Toffoli, também.

1 comentários:

Anônimo disse...

Após a eleição de LULA, o primeiro petista que falar em conciliação, eu vou até BSB cobrir de porrada.