Por Bepe Damasco, em seu blog:
A ser verdadeira a estimativa publicada pela imprensa, segundo a qual entre 33 e 36 senadores, por enquanto, tendem a votar contra a indicação do “terrivelmente evangélico” André Mendonça a uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, podemos estar às vésperas de um fato de dimensões históricas, uma grande vitória política dos setores democráticos da sociedade. Não é à toa que circulam em Brasília rumores de que Bolsonaro já teria até um plano B.
Para que isso se torne realidade, todavia, é necessário que a causa da rejeição ao atual Advogado-Geral da União, leia-se causídico a serviço de Bolsonaro, seja encarada com a importância que merece pela oposição parlamentar a Bolsonaro, pelas entidades da sociedade civil e, sobretudo, pelos organizadores das mobilizações de rua que vêm crescendo de forma vertiginosa.
A presença de um ultraconservador trevoso e fundamentalista do calibre de André Mendonça no Supremo representará um considerável estrago para a cidadania, que sofrerá consequências nefastas por 27 anos.
É só fazer a conta: Mendonça tem apenas 48 anos e pode ocupar um assento no tribunal até completar 75. Não custa lembrar que a bancada do retrocesso civilizatório já conta com outro bolsonarista, o ministro Kassio Marques.
Embora relativamente jovem, Mendonça já tem uma obra vasta em termos de ações deletérias para a democracia.
Como ministro da Justiça, se esmerou em perseguir e processar críticos de Bolsonaro com base em um resquício da ditadura militar, a famigerada Lei de Segurança Nacional.
E, no debate ocorrido no STF sobre a autonomia de prefeitos e governadores para a adoção de medidas restritivas para combater a pandemia de coronavírus, ele não hesitou em defender a tese medieval de supremacia do bíblia sobre a Constituição da República, lei maior do país.
O texto constitucional estabelece que o candidato a uma cadeira no Supremo deve ter mais de 35 anos e menos de 75, além de notório saber jurídico e ilibada reputação. Nesse ponto é perfeitamente possível questionar o “notório saber jurídico” do candidato, mesmo sendo forçoso reconhecer que essa exigência foi desmoralizada ao longo da história.
É que, no caso em questão, a discussão deve focar o conteúdo do eventual mandato de Mendonça na corte suprema. É líquido e certo que sua atuação provocará abalos nos pilares republicanos que regem o funcionamento do tribunal. Basta perguntar ao indicado por Bolsonaro o que ele pensa sobre valores caros à expressiva parcela da sociedade como a luta das mulheres, dos negros e da população LGBTQI+. E qual é sua posição acerca da centralidade dos direitos humanos, do meio ambiente e da laicidade do Estado.
Como todo bolsonarista, Mendonça carrega ainda um déficit insanável no que toca ao respeito ao estado democrático de direito, à soberania popular e à inserção autônoma e independente do Brasil na cena internacional.
Barrar sua ida para o Supremo é difícil, mas é possível.
Vale destacar como se dá o rito de nomeação de um ministro do STF. Primeiro, por maioria absoluta de seus membros a CCJ do Senado aprova um parecer e o encaminha para o plenário do Senado, a quem cabe submeter o candidato a uma sabatina e, na sequência, proceder a votação. A aprovação depende da maioria absoluta de 41 senadores. Só depois ele pode ser nomeado pelo presidente da República.
Somente em cinco oportunidades o Senado rejeitou indicações presidenciais para o Supremo. O último foi a do médico Cândido Barata Ribeiro, em 1894 (a Constituição até hoje não exige formação em direito), ou seja, ainda no século XIX. Em vez de provocar desânimo, esses 127 anos em que essa tramitação cumpriu apenas uma mera formalidade podem apontar uma chance de se fazer história.
Então, mãos à obra. Cartazes e faixas com os dizeres “Não a André Mendonça no Supremo” serão muito bem-vindos no dia 24 de julho.
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