sexta-feira, 4 de março de 2022

De que lado ficar na guerra da Ucrânia?

Charge: DoContra
Por Jair de Souza

Agora, não tem mais jeito. O conflito bélico Rússia-Ucrânia estourou e o resultado vai afetar os interesses do povo brasileiro e de todos os outros povos periféricos, seja qual for o desenlace do confronto militar em curso. Em vista disto, é muito importante saber qual posicionamento devemos tomar em relação ao problema surgido.

Basicamente, há três variantes que nos serviriam de opção: demonstrar neutralidade, tomar o partido da OTAN, ou aderir às posições da Rússia. Mas, em qualquer destas alternativas, existem matizes e variações que podem dar significados bem diferentes à escolha que fizermos.

Vamos ter de nos expressar em relação a dois blocos de forças alheios à nossa realidade e, por isso, precisamos entender o que está por trás dos mesmos.

Por um lado, estão os países europeus e os Estados Unidos, que compõem a OTAN, o maior aparato de guerra a favor do imperialismo já criado em toda a história da humanidade.

Por outro, está a Federação Russa, remanescente da extinta União Soviética, que aderiu ao capitalismo e busca encontrar uma posição satisfatória para acomodar-se no jogo das potências que influenciam a humanidade.

Não podemos ter ilusões, a Rússia atual não pode ser caracterizada como um país socialista que luta para estender a luta em prol dos objetivos do proletariado a outras nações. Seu presidente, Vladimir Putin, também não é alguém que possa ser catalogado como uma liderança da esquerda anticapitalista tradicional. Suas visões conservadoras sobre questões comportamentais são bastante conhecidas, ou pelo menos, muito alardeadas.

Então, nossa escolha deve ser feita tendo em conta que esses são os blocos de força em pugna. Portanto, diferentemente do que apregoam os falsos moralistas, nossa conduta deveria ser orientada pelos interesses reais de nosso futuro como nação independente, não pelas simpatias com as características particulares predominantes em cada um dos campos.

Apoiar às posições da OTAN em seu objetivo de agregar a Ucrânia a seu bloco de forças e, desta maneira, encurralar ainda mais a Federação Russa é atuar ativamente em favor da permanência e elevação do controle exercido pelos Estados Unidos sobre todos os povos do mundo, incluindo, sem nenhuma dúvida, o aumento de seu domínio sobre o Brasil. Em outras palavras, defender ou desejar que a OTAN saia vitoriosa desse entrevero é colocar-se favorável à manutenção e revigoramento das condições neocolonialistas às quais o Brasil e os demais países periféricos estão submetidos.

Colocar-se acriticamente favorável às medidas de força tomadas pela Federação Russa com o envio de tropas à Ucrânia também não me parece ser um posicionamento coerente com os princípios de respeito à soberania nacional que devemos manter e cultivar. Embora esteja mais do que evidente que a Federação Russa está repleta de razões para se sentir ameaçada com a expansão da máquina mortífera da OTAN até as portas de sua capital, não devemos aceitar que seja tão somente pelo império da força que seus direitos venham a ser levados em conta.

É bem provável que a parte OTANista jamais acederia a ouvir seus pleitos se a Rússia continuasse esperando respostas para seus pedidos de negociação. Portanto, talvez, do ponto de vista de Vladimir Putin e dos dirigentes da Federação Russa, o recurso ao emprego da força possa ser entendido como o caminho mais efetivo para destravar o bloqueio que o campo imperialista havia levantado para impedir uma saída negociada.

Porém, nós brasileiros não fazemos parte do governo e nem da nação russa. Por isso, ainda que venhamos a ser compreensíveis das decisões tomadas pela Rússia, devemos exigir o cesse do conflito armado e que as partes envolvidas reassumam (ou assumam, por primeira vez) um diálogo franco, no qual as reais preocupações da Federação Russa sejam levadas em consideração.

Esta me parece ter sido a posição tomada por Lula, Dilma, Celso Amorim e vários outros líderes da esquerda latino-americana. Uma neutralidade, mas não uma neutralidade indiferente. Uma exigência de que a Federação Russa ponha fim a sua intervenção armada, mas com o atendimento de suas justas reivindicações. Um desejo de que o conflito venha a ser resolvido sem derramamento de sangue, mas sem ignorar que os causantes e culpados de que a tragédia tenha chegado a tal ponto são, em primeiro lugar, os Estados Unidos e os membros da aliança guerreirista da OTAN.

Não podemos deixar de levar em conta que a vitória dos Estados Unidos e de sua máquina da morte redundaria numa condenação de nosso povo e de todos os demais povos dos países não hegemônicos a muitos mais anos de sofrimento e espoliação nas garras do imperialismo.

* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

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